Conheci Eduardo Lourenço na Livraria Camões, do Rio de Janeiro, onde trabalhei durante quarenta anos. Um gigante no saber e na simplicidade. De personalidade forte e discreta, conhecedor como ninguém da arte de refletir, sempre disposto a responder a todas as perguntas. Olhos vivos, fala mansa, um sábio que cativa as plateias. Certa feita, pelos anos 90, tive o prazer de reunir num jantar, no então afamado restaurante carioca Ponto de Encontro, três xarás: Eduardo Lourenço, Eduardo Portella e Eduardo Prado Coelho. Conversamos sobre tudo um pouco: de literatura, de filosofia, de política e das relações culturais Brasil Portugal... Estes dois irmãos falando a mesma língua, de costas um para o outro, pouco se conhecendo culturalmente.
À pergunta sobre o que nos reserva o futuro de Portugal, respondeu algo como «o comportamento dos homens é imprevisível e há que esperar para ver. Politicamente será conturbado, a vaidade é incontrolável, o entendimento difícil. Sobre o diálogo entre os dois países, falta boa vontade de parte a parte, há muito o que fazer para dinamizá-lo». Durante horas a conversa fluiu, mas, principalmente, ouvimos o Mestre a discorrer com a clareza e acuidade que lhe são peculiares sobre uma infinidade de temas.
Eduardo Lourenço, uma vida inteira defendendo ideias, ensinando-nos a exercitar a liberdade de pensamento, com talento ímpar. Um português muito além do seu tempo.
* José Manuel Ferreira da Silva Estrela, gerente da antiga Livraria Camões, Rio de Janeiro. Inaugurada em Novembro de 1972, a livraria fechou as portas em 2012 após 40 anos a difundir a literatura portuguesa no Brasil.
Texto inédito enviado pelo Autor para Ler Eduardo Lourenço.