sexta-feira, 17 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 52): José Manuel da Costa Esteves*


José Manuel da Costa Esteves
Janeiro de 2006


Ambos com raízes nas nossas Beiras graníticas, eu da Baixa, o Professor da Alta (e assim é que está certo na ordem das coisas!), estas não nos propiciaram, porém, naqueles tempos anteriores ao dia «onde emergimos da noite e do silêncio», o conhecimento dos nossos homens de arte e pensamento. Só ao ingressar na Faculdade de Letras de Lisboa, lhe descobri o nome e vislumbrei a sua dimensão.

Exultei deveras quando tive de ler o «Presença ou a Contra-Revolução do Modernismo». Conservo as fotocópias bem riscadas e cheias de «vivas» e «apoiados», como se estivesse em cena, sem diferenciar o texto da vida transbordante. Tinha recém-descoberto na Faculdade os movimentos de vanguarda e os múltiplos ismos: a posição de Eduardo Lourenço dava voz em mim ao conflito que eu próprio travava num ringue mental entre um Almada e um Régio. O seu brilhante autor reviu essa visão (sempre a pôr-se em causa), mas vejo com nitidez como me abriu trilhos para um entendimento outro da nossa literatura. Foi preciso mais tempo para conhecer a obra. Só no meu 5° ano, pela mão do Prof. Alberto Ferreira, descobri e li uma das obras-primas da cultura portuguesa: O Labirinto da Saudade. Pela primeira vez encontrava uma formulação que me levava a questionar os fundamentos da identidade portuguesa e a olhar com «olhos ungidos de novo» a nossa História e Cultura. Não sei, quantas vezes li o livro, para interpretar, compreender a «existência portuguesa», sei apenas que nunca mais o larguei, volto sempre a ele e sempre aplaca a minha sede. Da sua leitura irradiante nasceu aquele que viria a ser o meu primeiro artigo publicado por mão amiga, dedicado à Arte de Ser Português de Pascoaes. Afinal tantos anos a estudar Semântica estrutural…

Em França instituí, durante anos, como leitura obrigatória em Cultura Portuguesa, Nós e a Europa ou as duas razões, pois a sua leitura abre os olhos aos alunos sobre a produção do saber, ao mesmo tempo que questiona a nossa História e imagem face à Europa (tanto mais que muitos dos alunos têm laços profundos com a história trágica da emigração). E se ainda hoje as minhas aulas sobre Os Lusíadas, têm algum atractivo, devo-o à leitura brilhante do nosso homenageado ao considerá-lo como o poema dos «Encontros», mito do amor universal.

Tive a sorte e a felicidade de o conhecer em França, de o ter ouvido em imensas palestras e colóquios, dos nossos trilhos se terem cruzado numa esquina do caminho (hoje com o privilégio de integrar o Conselho Editorial da Colóquio Letras por ele presidido), assim como em deliciosas conversas, partilhadas com outros amigos, sempre com simplicidade, agudeza, humor e fina ironia. Há dias, estivemos numa distintíssima assembleia parisiense com vários oradores, de onde se destacava um, pouco interessante. Comentámos, no final, com muita cumplicidade. E dizia-nos de forma lapidar : «Preparou por cima da burra!». Querido Professor, lá da sua Alta Guarda, continue por muitos e longos anos a fazer-nos bem, a ser o nosso húmus, a alimentar a nossa sede de saber e a livrar-nos dos habilidosos quem nem na mão de Deus confiam!



*José Manuel da Costa Esteves
Responsável pela Cátedra Lindley Cintra / Camões-Instituto da Cooperação e da Língua – Université Paris Ouest Nanterre La Défense.
Texto inédito gentilmente enviado pelo Autor para Ler Eduardo Lourenço.