quarta-feira, 30 de abril de 2014

Antonio Sáez Delgado

Antonio Sáez Delgado
«O professor da Universidade de Évora Antonio Sáez Delgado é o vencedor da 10.ª edição do Prémio Eduardo Lourenço, no valor de 10 mil euros, atribuído pelo Centro de Estudos Ibéricos (CEI), foi hoje anunciado na Guarda. A decisão foi comunicada pela vice-reitora da Universidade de Salamanca (Espanha), Maria Angeles Serrano, no final de uma reunião do júri, a que presidiu, realizada nas instalações do CEI, naquela cidade. O prémio foi atribuído por unanimidade pelo relevante papel que o escritor, de 44 anos, tem tido no âmbito da cooperação e da cultura ibérica. Segundo Maria Angeles Serrano, o galardoado é uma pessoa que tem os méritos mais que suficientes para ser merecedor do Prémio Eduardo Lourenço. Pelos seus estudos a favor da colaboração transfronteiriça, a promoção da colaboração transfronteiriça, a cultura em todos os seus âmbitos, como poeta, tradutor, e por tudo aquilo que fez a favor da cultura ibérica, justificou, à agência Lusa. Antonio Sáez Delgado, professor na Universidade de Évora desde 1995, é uma pessoa relevante no campo dos estudos ibéricos e, pelos seus méritos, prestigia o prémio a que concorreram 20 candidaturas, disse a presidente do júri. O vencedor é professor de literatura e tem desenvolvido trabalho como especialista no Modernismo da Península Ibérica, estando atualmente na vanguarda deste campo de cultura, é salientado. O prémio anual, que tem o nome do ensaísta Eduardo Lourenço, mentor e presidente honorífico do CEI, foi instituído em 2004, para galardoar personalidades ou instituições com "intervenção relevante" no âmbito da cultura, cidadania e cooperação ibéricas. Além da vice-reitora da Universidade de Salamanca, o júri que hoje decidiu a atribuição do Prémio Eduardo Lourenço era formado, entre outros, pelo reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva, pelo presidente da Câmara Municipal da Guarda, Álvaro Amaro, por José Carlos Seabra Pereira (Universidade de Coimbra) e por Agustin Remesal (Universidade de Salamanca). A sessão solene de entrega do galardão terá lugar em junho, em data a anunciar, na Guarda. O Prémio Eduardo Lourenço teve a sua primeira edição em 2004 e já distinguiu várias personalidades de relevo de Portugal e de Espanha. As anteriores edições contemplaram Maria Helena da Rocha Pereira, catedrática jubilada da Universidade de Coimbra, o jornalista espanhol Agustín Remesal, a pianista Maria João Pires, o poeta espanhol Ángel Campos Pámpano, o penalista Jorge Figueiredo Dias, os escritores César António Molina e Mia Couto, o teólogo José María Martín Patino e o professor de Literaturas Hispânicas Jerónimo Pizarro. O CEI é uma associação transfronteiriça sem fins lucrativos, que nasceu de um desafio lançado pelo ensaísta Eduardo Lourenço na sessão solene comemorativa do Oitavo Centenário do Foral da Guarda, em 1999.» [Lusa,30 Abr, 2014, 17:5].

A notícia desta tarde da agência Lusa constitui naturalmente uma imensa satisfação para o blogue Ler Eduardo Lourenço. Para além de um Amigo, Antonio Sáez tem sido uma presença discreta (como é seu timbre) mas extremamente relevante neste espaço. Lembra-se sobretudo a sua extraordinária colaboração no projecto Nove Décadas de Amizade realizado em Maio de 2013, quer na escrita do seu testemunho, quer na própria organização da iniciativa.
Para além de tudo o resto, Antonio Sáez é também um grande escritor. Por isso, aqui se deixa um excerto do seu magnífico Yo menos yo (Mérida, 2012):
«Escribo estas páginas contra mí mesmo. Yo menos yo. Contra mis impulsos. Incluso, a veces, contra la supuesta necessidade de escribirlas. Escribo y corrijo (elimino), avanzo contra mi própria forma de pensar, contra mis sentimentos. Escribo contra natura, sabendo qué es aquello que me hace más daño. Elimino todo resquício de odio, de enfrentamento, de ajuste de cuentas. Por eso escribo contra mi mismo (p. 75)».

domingo, 6 de abril de 2014

Pseudo-Dionísio, a tortura e a política


É natural que os leitores do Público, ao confrontarem-se com a capa do jornal deste domingo, tenham feito uma interpretação estritamente política, senão mesmo partidária, do facto de Eduardo Lourenço ter redigido o posfácio da segunda edição (poder-se-á falar mesmo em best-seller à nossa escala?) do livro de José Sócrates A confiança no mundo – sobre a tolerância no mundo, cujo novo lançamento se anuncia para o próximo dia 16. A tentação de associar este posfácio à notícia da inclusão do ensaísta, num não-elegível mas altamente simbólico último lugar, nas listas do PS para as eleições europeias do próximo mês, é, por outro lado, quase irreprimível. Tanto mais que foram escassíssimas as declarações públicas e políticas de Eduardo Lourenço acerca da governação e do seu legado do antigo primeiro-ministro socialista. No entanto, seria uma pena que “O desejo amoroso do mal”, título do posfácio, hoje apresentado em pré-divulgação no Público, fosse lido num âmbito exclusivamente – e imediatamente – político. Claro que seria também uma ingenuidade enorme e indesculpável não sublinhar que o autor de A confiança no mundo é também, para o bem e para o mal (não é este o lugar nem a ocasião para proferir juízos acerca deste assunto, como é óbvio), uma das personagens mais decisivas da nossa vida pública dos últimos anos. Mesmo que no posfácio se fale apenas (ou, talvez melhor, a pretexto) da famosa tese de mestrado parisiense, o facto de ele ser isso mesmo, um posfácio, implica desde logo uma tomada de posição. Como o foram também tomadas de posição, noutros contextos e com outros protagonistas, quando Eduardo Lourenço prefaciou livros de autores tão diferentes entre si como Otelo de Saraiva de Carvalho (neste caso, por duas vezes, em 1977 e em 2011), D. José Policarpo, Francisco Lucas Pires ou Lourdes Pintasilgo.

Pseudo-Dionísio (século VI)

Dito isto, importa referir o mais importante. “O desejo amoroso do mal” é um magnífico ensaio. Talvez mesmo um dos melhores que Eduardo Lourenço escreveu nos últimos tempos. Partindo de um conceito repescado em Pseudo-Dionísio Areopagita (e não Aeropagita, como erroneamente aparece no jornal), precisamente esse humano «desejo amoroso do mal», o ensaísta discorre sobre o tema escolhido pelo antigo governante para a sua tese de mestrado. Fá-lo sem nunca se pronunciar directamente sobre o livro que, nesta sua segunda edição, acrescenta ao prefácio do antigo presidente brasileiro, Lula da Silva, o texto de encerramento de Eduardo Lourenço. Se outros méritos e vantagens não tivesse tido, a ida de Sócrates para a Paris veio, pelo menos indirectamente, a ser a razão de podermos ler frases iluminantes como estas (e que, de certa maneira, remetem para outros textos do ensaísta, como, por exemplo, os que integram O Esplendor do Caos) com que o (futuramente célebre?) posfácio termina :
«A Humanidade nunca esteve nem está para além do Bem e do Mal. Essa divisão é o enjeu da pulsão definidora do que nós somos como seres livres pelo que nos perde ou misteriosamente nos salva. A História – se esse fantasma existe como auto-retrato da nossa alma, pessoal ou colectiva – é um eterno e nunca gasto combate para separar em nós e no mundo o que nos humaniza do que nos remete para a condição impensável mas nunca extinta do inumano. A barbárie – e entre ela a que a tortura exemplifica – é só a prova do que nos custa estar à altura da nossa vocação de superar a inumanidade de que somos parte e nos tornar os meros seres humanos que nos propomos ser».

Eduardo Lourenço e as próximas eleições europeias: «sou uma espécie de candidato póstumo», afirmou recentemente em Coimbra.