segunda-feira, 6 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 11): Maria Graciete Besse*


Maria Graciete Besse e Eduardo Lourenço em Paris (Abril de 2013)



Fraterno e generoso, tal como todos o conhecemos, Eduardo Lourenço esteve presente, primeiro numa sessão que se desenrolou na Casa de Portugal – residência André de Gouveia, que contou com a presença de mais de uma centena de membros da comunidade portuguesa, e, no dia seguinte, no encontro que teve lugar no magnífico espaço da Gulbenkian em Paris. Diante de um público atento que o acolheu carinhosamente, o ensaísta falou do seu percurso que começou na aldeia “encalhada na meseta ibérica” onde nasceu, São Pedro de Rio Seco, e o levou até às largas estradas do mundo, não deixando de evocar, com o seu humor habitual, algumas peripécias que mais marcaram a sua vida de intelectual nómada, afirmando que não se considerava propriamente um emigrante por ter muito respeito por aquilo que os verdadeiros emigrantes sofreram. Sublinhando a sua condição de exilado, analisou as marcas do destino português e mostrou-se deveras preocupado com a crise actual, deixando no ar uma sugestão de solidariedade colectiva.

O público bebia-lhe as palavras, comovido, certo de estar diante de uma figura tutelar da cultura portuguesa, que não pertence apenas às elites mas é capaz de falar ao coração de todos. No fim, o Professor juntou-se à voz dos compatriotas que entoaram em coro a “Trova do vento que passa”, tocada por dois jovens músicos diplomados em Paris, e recebeu das mãos de um escultor português, com barbas à Guerra Junqueiro, um cravo de pedra branca que selava um pacto com a beleza e o sentimento de liberdade inerente à verdadeira inteligência. A emoção prolongou-se na sessão do dia seguinte, tornando-se intensa quando, depois de comentar alguns dos seus títulos mais conseguidos como O esplendor do caos, Eduardo Lourenço discorreu sobre o tempo, a condição humana e o sentido da vida, num misto de lucidez e melancolia, deixando escorrer pela face uma lágrima furtiva que muitos captaram dolorosamente como uma espécie de adeus. Mas logo um traço de humor quebrava o estremecimento geral, porque a presença do grande intelectual português conduzia todos aqueles que tiveram o privilégio de o escutar para um espaço de intensidade luminosa onde, apesar das incertezas, o futuro se impunha como uma palavra de utopia ainda possível.

*Maria Graciete Besse, Professora Universitária de Língua, Literatura e História portuguesa na Sorbonne, Paris IV.
A pedido da autora o texto que aqui se reproduz é um excerto de crónica publicada anteriomente em Ler Eduardo Lourenço [16 de Abril de 2013].