sexta-feira, 29 de abril de 2011

Gestos e Fragmentos ou evocação comemorativa do cinema-ensaio

Alberto Seixa Santos

A ilustrar o anterior texto deste blog e no qual Teresa Filipe fala, entre outras coisas, dos prefácios que Eduardo Lourenço escreveu para os dois livros de Otelo de Saraiva de Carvalho, surge uma foto em que se vê este último de costas. Trata-se de uma cena do filme Gestos e Fragmentos realizado por Alberto Seixas Santos, no qual participam, para além de Otelo, o realizador  Robert Kramer (1939-1999) interpretando um jornalista americano e ... Eduardo Lourenço. Não é seguramente por causa destes noventa minutos rodados entre 1980 e 1982 que o ensaísta-actor passará à imortalidade, mas...
Robert Kramer

... claro que esta circunstância de Eduardo Lourenço participar em Gestos e Fragmentos seria mais do que suficiente para que a ela aqui se fizesse menção. A película, que nunca chegou a ter distribuição comercial, conheceu a sua estreia há precisamente vinte e oito anos na Ar.CO em Lisboa, ou seja, em 29 de Abril de 1983. É certo que a data que hoje aqui se evoca não corresponde ao início de uma fulgurante carreira de Eduardo Lourenço na 7ª Arte, mas Ler Eduardo Lourenço não podia deixar de se referir a esse momento, retratado na imagem anterior.
No entanto talvez interesse reparar no sub-título do filme que aparece quase escondido no magnífico cartaz de João Botelho. Trata-se Ensaio sobre os Militares e o Poder, explícita citação do livro quase homónimo do ensaísta. De resto, Ler Eduardo Lourenço confessa ter presenciado o filme apenas uma vez, numa episódica transmissão no segundo canal da RTP (mas nem isso pode garantir, admitindo até a hipótese de essa exibição não ter sequer existido senão em sonhos...), mas sublinha que Eduardo Lourenço aparece starring as himself, se é permitida a expressão, lendo (longamente?) passagens dos seus textos de Os Militares e o Poder e ainda numa conversa com o militar-herói da Revolução portuguesa que, apesar do seu cinéfilo nome de código de Óscar durante as operações militares que conduziram ao golpe de 25 de Abril, também não chegou a enveredar por uma carreira em Hollywood.

Cartaz de Gesto e Fragmentos por João Botelho

Na impossibilidade de se visionar o filme (haverá dvd?), Ler Eduardo Lourenço aconselha vivamente a leitura de Alberto Seixa Santos (Lisboa, 2008), catálogo organizado e editado pelo ABC Cine-Clube de Lisboa por ocasião de uma retrospectiva realizada entre 23 de Março e 1 de Abril de 2006, onde se poderá encontrar um valioso conjunto de ensaios sobre a filmografia e o ensaísmo crítico de Seixa Santos, bem como as fichas técnicas de todos os seus filmes (incluindo, como é óbvio, Gestos e Fragmentos). De entre esses ensaios e documentos destaca-se, por exemplo, o texto em Robert Kramer, autor de uma importante obra no âmbito do cinema documental, relata a sua experiência no filme. E, por outro lado, uma muito interessante entrevista que João Fagundes, Joaquim Diabinho e Manuel Neves fizeram ao realizador homenageado e no qual Seixa Santos se refere a vários aspectos da sua obra. Relativamente a Gestos e Fragmentos diz o seu autor: «Os Gestos é completamente pensado, plano a plano, ângulo a ângulo, com um rigor absolutamente milimétrico. Por exemplo, as entrevistas na própria casa de Otelo de Saraiva de Carvalho têm umas barras escuras nas paredes como se fossem grades, falso reflexo de janelas de marquise de alumínio, e a casa dele não tinha nada disso. Era uma teia de fita adesiva com projectores por detrás que faziam uma espécie de grelha, davam a sugestão de prisão, de grades de cadeia projectadas na parede. Estava tudo pensado desde o início. Os décors foram escolhidos milimetricamente» (Alberto Seixa Santos, op. cit., p. 25). E, mais à frente, Seixa Santos apresenta os motivos pelos quais se considera um cineasta-ensaísta. «Tanto Brandos Costumes como Gestos e Fragmentos são ensaios. Eu tenho uma cabeça de ensaísta. Acho que isso vem de duas fontes. Uma é o cimena de Godard, evidentemente. O cinema de Godard tem um período que ele próprio chamava, se não me engano, de cinema do quadro preto. Um cinema-ensaio. E isso fascinava-me bastante. Por outro lado, há a influência de textos teóricos e de peças de Brecht, que tiveram para mim uma grande importância» (Ibid., p. 26).


terça-feira, 19 de abril de 2011

A propósito de Democracia



                                                                                por Teresa Filipe

A propósito de democracia: dois Prefácios de Eduardo Lourenço a Otelo Saraiva de Carvalho. O primeiro de 1977 (“Um homem do (nosso) destino”, Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, Bertrand, 1977, pp. 9-14), o segundo de 2011 (“Prefácio”, Otelo Saraiva de Carvalho, O Dia Inicial. 25 de Abril. Hora a Hora, Lisboa, Objectiva, 2011, pp. 13-20). Trinta e sete anos de democracia – uma criança, portanto.








«Mais importante que o destino é a viagem», escreve algures o autor que dá nome e sentido a este blog. Independentemente do destino – democrático – a que este singular momento da nossa história nos tenha conduzido, o mais importante foi ter sido levado a cabo. Ainda que o seu herói epónimo, se soubesse o que sabe hoje talvez não tivesse feito o que fez, o importante foi, e é, tê-lo feito. E independentemente do que se pense agora ou antes acerca do homem, o mais importante é ele ter sido quem foi naquela madrugada. De repente, um cidadão anónimo avança para a boca de cena e assume o papel principal. Não se exigem características especiais, nem se consegue encontrar a receita precisa para fabricar heróis. Serão talvez o resultado de condições específicas no tempo? Mais tarde ou mais cedo, alguém teria de assumir o controlo do nosso destino. Por isso lemos Fernando Pessoa logo na epígrafe ao Prefácio de 77: «Deus é o agente/ O herói a si assiste, vário/ E inconsciente». Deus, destino ou Fado, maior que o herói que o leva a cabo. Esse é também o sentido da famosa réplica aludida pelo autor do Prefácio de 2011. Vítor Alves, quando questionado por Spínola acerca da paternidade da revolução, dita: «Fomos todos!». Diluída a responsabilidade dos actos praticados, assumindo cada um a sua parte na voz do Coro, cada um reclamando o seu lugar na conquista da Liberdade, aquilo que enquanto acção individual se pune transforma-se, enquanto acção colectiva, no poder de punir. Essa é a dialéctica. Essa é a força e o poder da união. A união faz a força e não se pode prender todo um País.


Independentemente das condições paradoxais da nossa Revolução, independentemente de se verificar hoje a subversão dos valores e ideais que inspiraram os homens e as mulheres de 74, o mais importante é eles terem existido daquela maneira, naquela madrugada. Poderemos sempre tentar procurá-los no nosso espírito. É esse o poder dos que inspiram, é esse o poder do sonho sobre a realidade. Independentemente das subversões e desleituras – conceito de Eduardo Lourenço já utilizado neste blog – a que estão sujeitos todos aqueles que tomam parte na coisa pública, continuam a chamar-nos à boca de cena, a transmitir-nos a confiança que é precisa para agir, a confiança de que é possível mudar. Aristóteles disse algures que a democracia perfeita seria uma tirania. Eduardo Lourenço chama a atenção que esta forma de governo, não chegando sequer a ser perfeita, exige um país adulto. Aqueles que pela sua acção desinteressada nos chamam à responsabilidade colectiva pelo que é nosso são os nossos heróis. No Prefácio de 2011, Eduardo Lourenço fala de dois Otelos. O idealista, e posteriormente, já mais informado pela experiência, o político. Mas acerca do encenador da revolução, o próprio exprime em entrevista ao Expresso, em 17 de Abril de 1999: «No dia 25 de Abril não tinha noção do que tínhamos acabado de fazer.» E mais à frente: «O meu afastamento da vida político-partidária na clandestinidade era tão grande que eu nunca tinha ouvido falar de Álvaro Cunhal.» Otelo é o personagem anónimo que em dado momento, dadas as condições singulares do drama histórico e a sua posição nela, é chamado a agir, e age. Muito possivelmente, pelo sentido de algo que hoje nos escapa com alguma facilidade: o dever.





A liberdade, empírica ou ideal, pressupõe o obstáculo e a vontade de o ultrapassar. Nessa vontade está envolvido o sentido do dever, o compromisso com os outros e com o destino que se assume nosso, e então, a possibilidade de transformar. A isso também se pode chamar maioridade, própria e política. Condição necessária para o exercício livre de democracia.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Edmundo Lucena: acerca de um lapso indesculpável




Ler Eduardo Lourenço não sabe ao certo se foi por lamentável ignorância ou por não menos absurdo esquecimento, mas a verdade é que, no texto de Janeiro passado com o título “Quem é Edmundo Lucena?”, induziu os seus visitantes em erro, quando disse que «nunca até hoje ninguém revelou a identidade deste “assistente de filosofia, a respirar inteligência e inquietação”» a que Miguel Torga, em A Criação do Mundo, chamou Edmundo Lucena.
Carlos Mendes de Sousa

Ora, isso é falso! De facto, num belíssimo artigo publicado na revista Relâmpago com o título “Eduardo Lourenço: a cidade, o poema”, Carlos Mendes de Sousa esclarece que em «A Criação do Mundo, é-nos dado a conhecer como o consultório médico do narrador-protagonista, nas horas de desafogo, se transformava num “centro de cavaqueira e conspiração”. Há um parágrafo onde são referidas algumas personagens desse círculo, em relação às quais é fácil de descodificar os nomes verdadeiros, concretamente duas personagens que já tinham tido um papel digno de registo na diegese, Gonçalo e André (Martins de Carvalho e Paulo Quintela) e que constituíam o núcleo forte do grupo. O narrador faz ainda referência a alguns jovens, sem direito a nome, que também frequentavam as tertúlias. Contudo, neste contexto, há um jovem que é nomeado. Desde logo o identificamos a partir das iniciais: “Edmundo Lucena, assistente de filosofia, a respirar inteligência e inquietação”» (Carlos Mendes de Sousa, “Eduardo Lourenço: a cidade, o poema”, Relâmpago. Revista de Poesia, nº 22, Lisboa, Abril de 2008, p. 104).

Miguel Torga

Feita a rectificação devida, Ler Eduardo Lourenço arrisca uma outra pista para decifrar as razões da escolha do nome Edmundo. Não será ela também uma discreta homenagem (ou até uma subtil brincadeira...) ao fundador da fenomenologia, Edmund Husserl, e que o jovem “assistente de filosofia” descobria com entusiasmo por essa época nas bibliotecas da sua Faculdade? Tratando-se de um autor como Torga será isto com certeza pouco provável, mas não deixaria de fazer algum sentido.

Edmund Husserl

terça-feira, 12 de abril de 2011

Limites da leitura ou desleitura sem limites?


Ler Eduardo Lourenço apresenta hoje um exemplo-limite do que possa ser uma desleitura de Eduardo Lourenço. Perguntará o leitor, e com toda a pertinência: como definir o lugar a partir do qual se determina onde acaba uma leitura e começa uma desleitura? Não será qualquer leitura, por assim dizer, ventriloquada por uma desleitura? Ou seja, ler não significa desde logo e inevitavelmente desler? Os limites da leitura ou os limites da interpretação (e não é talvez da mesma coisa que nos dois casos se trata) constitui um tema já clássico no campo da tradição hermenêutica (bíblica, jurídica, etc), da filosofia e dos estudos literários e não é, com certeza, este o local adequado para prosseguir essa aparentemente interminável discussão.
O assunto talvez seja outro, portanto. Em Julho de 2001, Eduardo Lourenço publica na revista Visão um ensaio de duas páginas com o título “O naufrágio do PS”. Para quem acompanha o percurso do ensaísta, nada existe de estranho quer no texto, quer no nome que ele lhe dá. Situado desde sempre numa área política relativamente próxima da do Partido Socialista, Eduardo Lourenço nem por isso evitou lançar as críticas que muito bem entendeu quer à estratégia, quer à acção dos dirigentes do PS. Sem querer fazer agora nenhuma desleitura ilegítima, não deixa de ser curioso que, nos últimos meses (porventura, anos), o ensaísta tenha mantido um silêncio quase total acerca das últimas peripécias (chame-se-lhe assim, para simplificar) da vida política portuguesa. Como ler este silêncio (apenas interrompido muito esporadicamente, como foi o caso da subscrição do texto assinado pelas 47 personalidades de que aqui se fez eco nos últimos dias), se é que a expressão pode ter algum sentido? Mas é preciso voltar dez anos atrás e reler o referido naufrágio do PS.




À primeira vista, nada tem de especialmente relevante este artigo de análise política de Eduardo Lourenço, semelhante a tantos outros que, desde do 25 de Abril, tem vindo a publicar na nossa imprensa. Quanto a este ponto, o leitor que decida – aliás, como sempre. No entanto, alguns dias depois, na revista DNA que, nessa época, se publicava juntamente com a edição de sábado do Diário de Notícias, alguém menos atento era surpreendido com a página que a seguir se apresenta:





Vagamente inspirada em algumas metodologias surrealistas, a leitura (será este o termo adequado?) que Carlos Oliveira Santos faz de “O naufrágio do PS” parece ignorar, de forma deliberada, as regras mínimas de uma ética da interpretação. [Por exemplo: como citar este texto? Quem é o seu autor? Eduardo Lourenço? Carlos Oliveira Santos? As dúvidas não param...]. Esse não é com certeza o menor e o menos divertido dos seus (poucos? muitos?) méritos. No fundo, tudo se passa como se fosse possível levar até aos limites mais inesperados e inauditos o poder da (des)leitura. Mas, pergunta-se, quando se tropeça, por exemplo, numa frase segundo a qual «Eduardo Lourenço tem dedicado toda a sua vida a desvendar criticamente os mistérios da identidade portuguesa» (e esta citação é, obviamente, inventada por Ler Eduardo Lourenço, pelo que se ela corresponder, nem que seja aproximadamente, a uma qualquer declaração efectivamente feita por alguém, tratar-se-á apenas de mera e absoluta coincidência!), não será esta ainda uma maior desleitura? E, no entanto, há desleituras que provocam mais escândalo do que outras. Depois de Carlos Oliveira Santos, todas as leituras e desleituras parecem possíveis. E de facto são. Por muito que isso possa irritar os guardiões dos limites da leitura, categoria a que este blog, pelo menos a partir de hoje, deixa de poder aspirar.

sábado, 9 de abril de 2011

47 personalidades apelam a compromisso nacional


1) Portugal está a viver uma das mais sérias crises da sua história recente. Essa crise tem uma dimensão financeira e económica, que se reflete no défice orçamental, no desequilíbrio externo, no elevado grau de endividamento público e privado e nos baixos índices de competitividade e crescimento da economia, com grave impacto no desemprego, em especial nas gerações mais novas; mas tem igualmente uma dimensão política e social grave, que se exprime numa crescente dificuldade no funcionamento do Estado e do sistema de representação política e em preocupantes sinais de enfraquecimento da coesão da sociedade e das suas expectativas.
2) A crise financeira e económica mundial que se iniciou em 2007,com origem nos Estados Unidos, gerou em 2009 a maior recessão global dos últimos 80 anos e transformou-se, mais tarde, na chamada crise da dívida soberana, que abriu no seio da União Europeia um importante processo de ajustamento político e institucional, afetando de modo especialmente negativo alguns dos Estados membros mais vulneráveis, entre os quais, agora, Portugal.
3) Nesta situação de grande dificuldade, em que persistentes problemas internos foram seriamente agravados por uma conjuntura internacional excecionalmente crítica, os signatários sentem-se no dever de exprimir a sua opinião sobre algumas das condições que consideram indispensáveis para ultrapassar a crise, num momento em que a dificuldade de diálogo entre os dirigentes políticos nacionais e a crescente crispação do debate público, nas vésperas de uma campanha eleitoral, ameaçam minar perigosamente a definição de soluções consistentes para os problemas nacionais.
4) Essas condições envolvem dois compromissos fundamentais:
a) em primeiro lugar, um compromisso entre o Presidente da República, o Governo e os principais partidos, para garantir a capacidade de execução de um plano de ação imediato, que permita assegurar a credibilidade externa e o regular financiamento da economia, evitando perturbações adicionais numa campanha eleitoral que deve contribuir para uma escolha serena, livre e informada; este compromisso imediato deve permitir que o Governo possa assumir plenamente as suas responsabilidades para assegurar o bem público e assumir inadiáveis compromissos externos em nome do Estado.
b) em segundo lugar, um compromisso entre os principais partidos, com o apoio do Presidente da República, no sentido de assegurar que o próximo Governo será suportado por uma maioria inequívoca, indispensável na construção do consenso mínimo para responder à crise sem a perturbação e incerteza de um processo de negociação permanente, como tem acontecido no passado recente; numa perspetiva de curto prazo, esse consenso mínimo deverá formar-se sobre o processo de consolidação orçamental e a trajetória de ajustamento para os próximos três anos prevista na última versão do Programa de Estabilidade e Crescimento; e, numa perspetiva de médio/longo prazo, sobre as seguintes grandes questões nacionais, relacionadas com a adaptação estrutural exigida à economia e à sociedade: a governabilidade, o controlo da dívida externa, a criação de emprego, a melhor distribuição da riqueza, as orientações fundamentais do investimento público, a configuração e sustentabilidade do Estado Social e a organização dos sistemas de Justiça, Educação e Saúde.
5) As próximas eleições gerais exigem um clima de tranquilidade e um nível de informação objetiva sobre a realidade nacional que não estão neste momento asseguradas. A afirmação destes compromissos, a partir de um esforço conjunto dos principais responsáveis políticos, ajudará seguramente a construir uma solução governativa estável, que constitui a primeira premissa para que os Portugueses possam encontrar uma razão de ser nos sacrifícios presentes e encarar com esperança o próximo futuro.

Adriano Moreira
Alexandre Soares dos Santos
Álvaro Siza Vieira
António Barreto
António Gomes de Pinho
António Lobo Antunes
António Lobo Xavier
António Nóvoa
António Ramalho Eanes
António Rendas
António Vitorino
Artur Santos Silva
Belmiro de Azevedo
Boaventura Sousa Santos
Daniel Proença de Carvalho
Diogo Freitas do Amaral
Eduardo Lourenço
Eduardo Souto Moura
Emílio Rui Vilar
Fernando Seabra Santos
Francisco Pinto Balsemão
Isabel Rodrigues Lopes
João Gabriel Silva
João Lobo Antunes
Joaquim Gomes Canotilho
Jorge Sampaio
José Carlos Marques dos Santos
José Carlos Vasconcelos
José Pacheco Pereira
José Pena do Amaral
José Silva Lopes
Júlio Pomar
Júlio Resende
Leonor Beleza
Luís Portela
Manoel de Oliveira
Manuel Braga da Cruz
D. Manuel Clemente
Manuel Sobrinho Simões
Maria de Sousa
Maria Fernanda Mota Pinto
Maria João Rodrigues
Mário Soares
Miguel Veiga
Rui Alarcão
Teresa de Sousa




quarta-feira, 6 de abril de 2011

Reler Sinais de Fogo


Os visitantes habituais destas paragens sabem-no bem. Desde o seu nascimento que Ler Eduardo Lourenço tem sublinhado a importância do (e até a sua modesta inspiração no) trabalho de divulgação que a Universidade Federal do Rio de Janeiro tem vindo a realizar, sob a orientação científica da Professora Gilda Santos (que já colaborou neste blog!), da figura e da obra de Jorge de Sena.
Inteiramente dedicado ao trabalho de Jorge de Sena enquanto poeta, ensaísta, contista, novelista, dramaturgo, tradutor (mas também amigo e correspondente de Eduardo Lourenço!) o site http://www.letras.ufrj.br/lerjorgedesena constitui, para além do imenso prazer que proporciona a quem o visita, uma indispensável ferramenta para os estudiosos do autor de As Evidências. Perguntar-se-á: na sempre incompleta enumeração que se acabou de fazer das dimensões do enorme escritor que Jorge de Sena é não faltará ainda o termo romancista? É bem possível, mas, acerca de Sinais de Fogo (escrito durante a estadia de Sena em São Paulo, onde viveu na casa, cf. foto seguinte retirada do site da UFRJ), as leituras e as releituras nem sempre são (e haverá nisso algum mal?) coincidentes. Outra questão poder-se-ia colocar ainda: bastará a um autor escrever um romance para que o consideremos um romancista? Pouco importa. É possível até que estas questões sejam demasiadamente técnicas.


Araraquara, Rua Itália, 1437.


A verdade é que, por ocasião da recentemente anunciada edição brasileira deste livro único, o site Ler Jorge de Sena recupera um ensaio de Eduardo Lourenço, com o título “Sinais de Fogo: A Invenção de um Poeta”, dedicado ao que aí mesmo se chama «a crónica-romance da invenção de si como Jorge de Sena».
Preciosa é, como sempre, a apresentação deste texto de Eduardo Lourenço que, desde hoje mesmo, está disponível electronicamente e que, por isso, Ler Eduardo Lourenço se permite citar, com a devida vénia: «Este ensaio do Professor Eduardo Lourenço foi publicado em 1988 nos Arquivos do Centro Cultural Português, de Paris, numa “Hommage a Jorge de Sena”,  motivada pela então lançada tradução francesa de Sinais de Fogo (de Michèle Giudicelli), nos exatos 10 anos de falecimento de seu autor. Tanto quanto foi possível averiguar, não teve reedição este breve e fundamental texto lourenciano. Por isso, dada a relativa dificuldade na consulta, aqui o disponibilizamos, graças à sempre generosa aquiescência do nosso Mestre-maior».
capa da edição francesa de Sinais de Fogo


Vale com toda a certeza a pena ler o ensaio de Eduardo Lourenço, quanto mais não seja para se reler uma vez mais Sinais de Fogo.
http://www.letras.ufrj.br/lerjorgedesena/port/ressonancias/estudos/texto.php?id=237.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Correspondente de Arte de "O Comércio do Porto" (nº 4): às voltas com um lápis azul



Ler Eduardo Lourenço encerra hoje uma série de quatro textos dedicados à colaboração prestada ao longo de vários anos pelo ensaísta à página literária de O Comércio do Porto, dirigida por Costa Barreto. Esta série resultou da revelação do precioso lote de cartas e postais enviados pelo amigo de Valbom a Eduardo Lourenço e que se encontram no espólio deste. Mas, quem foi Costa Barreto? José-Augusto França, outro dos colabradores de “Cultura e Arte”, traça-nos um retrato impressivo nas suas Memórias, de onde se retira também esta fotografia.




Eduardo Lourenço e José-Augusto França em Nice (1982)


«Desde 1953, na página literária d’O Comércio do Porto, eu mantive uma colaboração regular que, começando também sobre Orson [Welles], logo passou, pela “Fotografia subjectiva” do Fernando Lemos, a temas de artes plás­ticas que me eram especialmente encomendados pelo Costa Barreto – e nunca encontrei ninguém mais correcto, certo e digno, em todos os jornais portugue­ses em que escrevi! Apartado pela Censura e pelo próprio reaccionarismo da direcção do velho e estimado quotidiano portuense, Costa Barreto, antigo oficial e monárquico de fé, era fiel aos seus colaboradores, dando-lhes inteira independência de opi­nião, e reunindo assim, no melhor suplemento dos jornais portugueses, em costume de então, alguns dos maiores nomes nacionais, e defendendo-os sem­pre, como ao Óscar Lopes policialmente obrigado a usar um pseudónimo, de Luso do Carmo. Só uma coisa ele não pôde evitar-me: a proibição do jornal de falar nas suas colunas do Amadeo de Souza Cardoso, por alguma misteriosa razão, não certamente estética (pobre do director!) mas que suponho ser por questões antigas de familias... A carta em que Costa Barreto recusava o meu artigo, que aliás lhe fazia falta, é um modelo de discreta dignidade, que guardei. Publiquei com ele 166 artigos até 1973, que foi a data da sua morte e do fim real da página, por fidelidade ao amigo» [José-Augusto França, Memórias para o ano 2000, Lisboa, Livros Horizonte, 2000, p. 118].





O testemunho de José-Augusto França vem também sublinhar o que, em textos anteriores deste blog, já se afirmou: Costa Barreto é um actor decisivo da vida cultural portuguesa da segunda metade do século passado, quanto mais não seja porque manteve uma intensa correspondência literária com alguns dos nossos mais importantes escritores e intelectuais. Mas o texto que se acaba de citar acrescenta um pormenor que é no mínimo curioso: Costa Barreto era um «antigo oficial e monárquico de fé» que, antes de mais, «era fiel aos seus colaboradores, dando-lhes inteira independência de opi­nião». Nesse sentido, poder-se-á dizer que Costa Barreto personificava aquilo a que Kant chamou, em texto célebre, o verdadeiro espírito da Aufklärung. Claro que a sua tenacidade nem sempre lhe permitia que saísse vencedor nas pelejas com o exército de lápis azúis que impunha a censura oficial do Estado Novo. Ora, tal como sucedeu com José-Augusto França, também Eduardo Lourenço foi vítima do irritante lápis que suspendeu e depois cortou um texto sobre Kierkegaard e ... Marx, como nos dão notícia estas duas cartas de Costa Barreto, com as datas de 17 de Dezembro de 1955 e de 3 de Janeiro de 1956.















Este episódio é, evidentemente, lamentável em si mesmo, como todo e qualquer acto censório. Todavia, compreende-se que tenha desagradado não só a Costa Barreto, como também e em especial a Eduardo Lourenço. Afinal, tratava-se do seu primeiro texto em “Cultura e Arte”. Por outro lado, sabe-se hoje como Kierkegaard constitui um interlocutor determinante para a configuração específica do pensamento do autor de Heterodoxia. Ora, neste texto até hoje inédito, Eduardo Lourenço, sem deixar de registar o diferente enfoque de cada um deles, sublinha a natureza revolucionária do pensamento de dois dos mais marcantes filósofos do século XIX. E, a partir deles, encontra uma nova perspectivação do clássico problema filosófico da verdade. Com efeito, «a verdade não é uma ideia, nem um sistema de ideias, nem uma realidade qualquer universal correspondente à sensibilidade, à vontade ou ao entendimento e da qual estes sejam o reflexo ou os criadores, mas sim uma realidade particular existente, uma realidade histórica para um, existencial para outro. Em estreita conexão com isto, o pensador não é o medium de um pensamento universal mas um existente cujo pensamento está em estreita dependência dessa realidade particular: o momento histórico da luta de classes para Marx, a relação pessoal do homem com Deus, para Kierkegaard. Fora desta dependência não há senão abstracção (e traição também) para um e vida inautêntica para outro».
Quem conheça hoje a obra e o pensamento de Eduardo Lourenço facilmente perceberá que, e não apenas neste parágrafo, algo de verdadeiramente essencial estava já escrito em 1956. Por isso, aqui se deixa uma cópia das provas de um artigo «cuja suspensão foi ditada no Porto e o corte em Lisboa», segundo Costa Barreto.


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Reconhecimento

Técnica: Mista sobre tela
Dimensão: 400mm x 250mm
Serie: Wiki
por Carlos Botelho

Ler Eduardo Lourenço entende que o conceito de ler pode ser entendido de uma forma mais ampla do que o habitual. Por isso convida todos os visitantes que queiram expressar as suas leituras da figura e da obra do ensaísta através de outros meios que não os da escrita a fazê-lo entrando em contacto com o blog. Daí a proposta dirigida a Carlos Botelho para publicar em Ler Eduardo Lourenço esta reprodução de um retrato, solicitação generosamente atendida pelo artista plástico. Carlos Botelho afirma que «O retrato de Eduardo Lourenço, mais do que um exercício de expressão plástica, constitui o meu reconhecimento para com a obra e o Homem. Difundi-lo através da arte foi a melhor forma de tributo a uma das mais singulares e reconhecidas figuras do pensamento português dos séculos XX e XXI».