Todas as viagens, principalmente a vida, são de regresso. E para quem mais longe foi no mundo e na palavra e pensamento, seja o “expatriado” Eduardo Lourenço seja Montaigne encerrado na sua torre, o regresso tem uma natureza se possível ainda mais elementar.
A citação de “Aos simples”, de Junqueiro, que Eduardo Lourenço fez – evocando as andorinhas da infância e a memória de um velho jornal guardado pelo pai com a notícia da morte do poeta – no final da intervenção com que agradeceu a homenagem que lhe foi prestada em S. Pedro do Rio Seco, dá bem conta, sobretudo vinda de um pensador subtil (por pouco escrevia “complexo”) e heterodoxo, do radical sentido dessa elementaridade: «Minha mãe, minha mãe! Ai que saudade imensa,/ do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti./ Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares/ cruzavam-se voando em torno dos seus lares,/ suspensos do beiral da casa onde eu nasci.»
A palavra “naturalidade” é rica de consequências. Na aldeia de que é “natural” e de que se perdeu («Estava no mundo ou o mundo estava em mim. Depois, nunca mais soube, realmente, onde estou e nunca o saberei») o rio plural da existência de Eduardo Lourenço reencontrou, por um momento, a nascente para onde corre.
Por coincidência, também eu nesse dia regressara de uma longa viagem ao lugar (e ao quarto) onde nasci, o exausto círculo saudoso do, como diz Angelus Silesius, ponto que o conteve.
*Manuel António Pina (Sabugal, 1943 - Porto, 2012), jornalista e escritor.
O texto que aqui se reproduz foi publicado na secção "Por outras palavras" com o título, “O caminho de casa”, Jornal de Notícias, Porto, 8/VIII/2011, p. 56.
O texto que aqui se reproduz foi publicado na secção "Por outras palavras" com o título, “O caminho de casa”, Jornal de Notícias, Porto, 8/VIII/2011, p. 56.