Maria de Lourdes Soares com Cleonice Berardinelli,
Eduardo Lourenço e Annie de Faria
durante o 6º Congresso da AIL – Associação Internacional
de Lusitanistas,
Rio de Janeiro, setembro de 1999.
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Os mares de Lourenço
Da minha língua vê-se o mar (V. Ferreira)
Escrevo com palavras próprias alheias, guiada por esta frase-sêmen.
Da sua aldeia não se via o mar. Em Lisboa, cidade sua senão como sonhada, o mar queria dizer a liberdade. Ia para o Terreiro do Paço ver o mar. Não era o mar, mas era, para quem nascera em S. Pedro do Rio Seco. Como um búzio, desejou guardar o mar dentro de si. E de todas as experiências a que o marcou mais fundo foi a da literatura (E. Lourenço).
Aquele que agita o mar com a vara apaixonada da literatura – expressão que se lhe ajusta como um poema – sempre perseguiu a poesia como luminosa quimera que lhe fosse interdita (toda a sua obra, admiravelmente literária, vive da nostalgia da verdadeira literatura, a dos outros). O mar, evidentemente. Seu ensaísmo, um rio luminoso (E. P. Coelho), corre sob o fascínio destas águas.
Um dia afirmou que no mundo da criação há os poetas e os outros. Sempre julgou pertencer aos outros e cedeu à tentação de ser crítico. Declarou também que seu lugar é à porta do templo onde estão os grandes escritores (E. Lourenço). Não percebeu que há muito havia entrado. É um poeta que escreve ensaios sobre poesia, como só um verdadeiro poeta poderia escrevê-los (G. Cruz). Palavra de poeta.
O filósofo-poeta escreveu sobre o mar de Camões, o de Antero e os mares de Pessoa, distinguindo-os. O que o atrai não é propriamente o mar mas o seu movimento – esta a nossa herança errante e marítima (M. G. Llansol). Chamam por ele as inquietações das derivas. Heterodoxia. Liberdade.
Entrei no seu movimento através de O labirinto da saudade – a minha primeira das muitas pedras brancas (J. Barrento) que foi deixando no caminho, mais numerosas do que ele podia imaginar, algumas hoje já desconhecidas de si próprio (E. Lourenço); livro impactante sobre a trajetória, via literatura, de uma de suas maiores personagens: Ninguém-Portugal/português-ninguém. A segunda foi Pessoa revisitado, auto-retrato (E. Lourenço) ou romance sobre sua outra grande e obsessiva personagem.
O que está à vista da sua obra-arquipélago são as ilhas mas a parte submersa é tão importante como essas ilhas (A. L. Antunes). A publicação das suas Obras Completas revelará a vastidão deste mar profundo, um espantoso conjunto de pedras brancas textuais, muitas das quais inéditas, como as que integrarão Tempo Brasileiro, volume que tenho o privilégio de organizar.
Da sua aldeia não se via o mar. Em Lisboa, cidade sua senão como sonhada, o mar queria dizer a liberdade. Ia para o Terreiro do Paço ver o mar. Não era o mar, mas era, para quem nascera em S. Pedro do Rio Seco. Como um búzio, desejou guardar o mar dentro de si. E de todas as experiências a que o marcou mais fundo foi a da literatura (E. Lourenço).
Aquele que agita o mar com a vara apaixonada da literatura – expressão que se lhe ajusta como um poema – sempre perseguiu a poesia como luminosa quimera que lhe fosse interdita (toda a sua obra, admiravelmente literária, vive da nostalgia da verdadeira literatura, a dos outros). O mar, evidentemente. Seu ensaísmo, um rio luminoso (E. P. Coelho), corre sob o fascínio destas águas.
Um dia afirmou que no mundo da criação há os poetas e os outros. Sempre julgou pertencer aos outros e cedeu à tentação de ser crítico. Declarou também que seu lugar é à porta do templo onde estão os grandes escritores (E. Lourenço). Não percebeu que há muito havia entrado. É um poeta que escreve ensaios sobre poesia, como só um verdadeiro poeta poderia escrevê-los (G. Cruz). Palavra de poeta.
O filósofo-poeta escreveu sobre o mar de Camões, o de Antero e os mares de Pessoa, distinguindo-os. O que o atrai não é propriamente o mar mas o seu movimento – esta a nossa herança errante e marítima (M. G. Llansol). Chamam por ele as inquietações das derivas. Heterodoxia. Liberdade.
Entrei no seu movimento através de O labirinto da saudade – a minha primeira das muitas pedras brancas (J. Barrento) que foi deixando no caminho, mais numerosas do que ele podia imaginar, algumas hoje já desconhecidas de si próprio (E. Lourenço); livro impactante sobre a trajetória, via literatura, de uma de suas maiores personagens: Ninguém-Portugal/português-ninguém. A segunda foi Pessoa revisitado, auto-retrato (E. Lourenço) ou romance sobre sua outra grande e obsessiva personagem.
O que está à vista da sua obra-arquipélago são as ilhas mas a parte submersa é tão importante como essas ilhas (A. L. Antunes). A publicação das suas Obras Completas revelará a vastidão deste mar profundo, um espantoso conjunto de pedras brancas textuais, muitas das quais inéditas, como as que integrarão Tempo Brasileiro, volume que tenho o privilégio de organizar.
* Maria de Lourdes Soares, Professora de Literatura Portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto inédito gentilmente enviado pela Autora para Ler Eduardo Lourenço.