sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Notas para memória futura

 por Ana Cristina Dias*
Foi um pedaço de tarde particularmente sereno e de partilha privilegiada. O director da revista Ler, João Pombeiro, evocou como marcantes da vida da revista, dois momentos em que nessa publicação se fizeram revelações sobre a obra de Lourenço: aquele em que trouxe luz sobre os seus heterónimos e o outro, bem recente, em que deu a conhecer (com base no trabalho de João Nuno Alçada) o livro de viagens em que o professor se prestou a ghost-writer...
O professor começou evocando a "descoberta" do mundo do livro com a exploração da mala de livros que seu pai deixou em S.Pedro, que lhe deu a conhecer Camilo, Júlio Dinis, Júlio Verne...a partir daí tornando-se leitor compulsivo, ao ponto de dizer não saber se foi alguma coisa mais na vida do que um leitor.
Apontou cada livro como uma tentativa de o autor se explicar a si próprio e discernir o que somos, de onde vimos e para onde vamos. O livro como esforço de discernimento mas também como barca de salvação - evocou Sherazade que, ao contar, suspendia a morte. Disse que a humanidade não tem feito outra coisa senão contar para suspender a morte...
Nas perguntas finais, não resisti a pedir-lhe que voltasse à mala de S.Pedro, que continha também livros de História e que partilhasse connosco essa impressão juvenil da leitura da História como ficção (a suprema ficção da humanidade, como a classificou muito mais tarde).
Com imensa graça, perguntou-me como sabia que a mala continha livros de História, que não se lembrava de alguma vez o ter dito. Lembrei-lhe que o disse numa entrevista antiga e ele explicou então que era verdade, que a sua grande paixão pela História vinha desses tempos. Porém, vincou: a História ao jeito de Michelet e não a de pendor positivista...o que daria para uma outra, muito maior conferência, mas esta ficou mesmo por aqui.

* Ana Cristina Dias é uma visitante muito atenta de Ler Eduardo Lourenço que agora se estreia como colaboradora no blog através de um breve relato, extremamente curioso, da palestra proferida por Eduardo Lourenço e que inaugurou o  ciclo de conferências Ler em Voz Alta, promovido pela revista Ler por ocasião dos seus vinte cinco  anos de vida. A sessão realizou-se no Centro Cultural de Belém, ao fim da tarde, no passado dia 20.  Ler Eduardo Lourenço agradece a colaboração Ana Cristina Dias e, ao mesmo tempo, renova o convite a todos os outros visitantes para também participarem no blog.
http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/lazer/cultura/eduardo-lourenco-sou-um-leitor-compulsivo

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Carrilho



Decidiu Manuel Maria Carrilho, em conjunto com o editor Rui Alexandre Grácio, reunir, numa publicação em dois volumes com o ambicioso título Pensar o Mundo, o conjunto da sua obra filosófica e política. Manuel Maria Carrilho é provavelmente uma das figuras mais mediáticas do universo político português. Filósofo de formação, professor catedrático na Universidade Nova de Lisboa, antigo Ministro da Cultura, comentador político em diversos orgãos de comunicação social, Manuel Maria Carrilho tornou-se até numa figura muito apetecida das chamadas revistas cor de rosa sobretudo após o seu famoso casamento com uma das estrelas da televisão nacional, a conhecida apresentadora Bárbara Guimarães. Figura grandemente controversa, nem sempre pelas melhores razões (lembre-se o célebre episódio em que, numa campanha eleitoral, recusou cumprimentar um adversário político na sequência de um debate televisivo), Carrilho é, no entanto, conhecido pelo desassombro das suas opiniões e, caso raro na vida pública nacional, por assumir a sua condição de filósofo como fundamento teórico da sua intervenção política.
Ler Eduardo Lourenço dá hoje destaque a uma das facetas menos conhecidas de Manuel Maria Carrilho, a de leitor atento da obra do autor de Heterodoxias, indicando todos os textos que conhece e que testemunham essa atenta e continuada leitura.

1) “Metamorfoses da heterodoxia: o labirinto do outro”, Prelo-Revista da Imprensa Nacional/Casa da Moeda, nº especial, Lisboa, Maio de 1984, pp. 65-68. Texto reimpresso com o título “Metamorfoses da heterodoxia”, em CARRILHO, Manuel Maria, Elogio da Modernidade. Ideias. Figuras. Trajectos, nº 108, Lisboa, Presença, 1989, Col. “Biblioteca de Textos Universitários”, pp. 92-97.
2) “O fio de Ariana de E. Lourenço”, Elogio da Modernidade. Ideias. Figuras. Trajectos, nº 108, Lisboa, Presença, 1989, Col. “Biblioteca de Textos Universitários”, pp. 86-92. Texto reimpresso em AAVV (Org. de Maria Manuel BAPTISTA), Eduardo Lourenço. Uma Cartografia Imaginária, Col. “Cadernos do Mosteiro”, nº 9, Maia, Câmara Municipal da Maia, 2003, pp. 105-110 e em AAVV (Org. de Maria Manuel BAPTISTA), Cartografia Imaginária de Eduardo Lourenço. Dos Críticos, Maia, Ver o Verso, 2004, pp. 153-158.
3) “O Espírito de Heterodoxia”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 667, Lisboa, 8/V/1996, p. 12.
4) “A nova esquerda”, Expresso, Lisboa, 24/V/2003.
5) “Lourenço, o heterodoxo”, Diário de Notícias, Lisboa, 4/X/2008, p. 4.


São textos de natureza diversa, sendo que os dois primeiros constituem ensaios interpretativos da obra de Eduardo Lourenço, ao passo que os três últimos podem ser considerados mais testemunhos de apreço pelo autor que, curiosamente, foi agora convidado a apresentar a obra Pensar o Mundo, em sessão a realizar, amanhã, quinta-feira, pelas 18h30 no Palácio Galveias em Lisboa.
Ler Eduardo Lourenço admite não estar cem por cento seguro quanto a este ponto, mas julga que Eduardo Lourenço nunca escreveu nenhum ensaio sobre a obra de Carrilho, embora tenha de referir uma brevíssima declaração prestada ao jornal Público quando o autor de Pensar o Mundo cessou as funções de Ministro da Cultura em 2000. Cf.“Uma gestão mais do que positiva e uma nomeação”, Público, Lisboa, 9/VII/2000, p. 4.
Entrevistado hoje pelo Diário de Notícias a propósito de Pensar o Mundo, Eduardo Lourenço não adianta muito em relação ao que pensa sobre a obra que foi convidado a apresentar. Facto que, só por si, aumenta ainda  mais a curiosidade sobre o que irá dizer amanhã. A não perder, portanto.