sexta-feira, 3 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 7): Afonso Praça*


Afonso Praça




[A Eduardo Lourenço] não lhe custa nada admitir que tem o vício dos jornais: «Quando chego a qualquer país, primeiro leio os jornais, desde os artigos de fundo aos anúncios, mas hoje também vejo televisão». A hora de almoço é aproveitada para começar a matar o vício da televisão, a que dedicará mais algum tempo (horas por vezes), à noite. Annie [Salomon, mulher de Eduardo Lourenço] sem rodeios: «Vê muita televisão todos os dias e o que vale é que não temos parabólica... Se tivéssemos, ele passava a vida sentado diante do televisor...»

Além da informação e de programas cultu­rais, gosta muito de cinema (Annie: «Sobretu­do westerns e comédias musicais») e de des­porto. Ele confirma: «De desporto, vejo um pouco de tudo, com excepção de boxe, mas do que gosto mais é de ténis, Fórmula 1 e fute­bol, sobretudo quando se trata de jogos internacionais. Vejo no des­porto uma imagem ra­dicalizada do combate da vida. Uma final de ténis em Wimbledon é como uma tragédia grega, adquire grande conteúdo dramático. Com o futebol nem tanto, é preciso que a pessoa esteja envolvida nessa paixão, e isso nem sempre acontece.»

Eduardo Lourenço adopta um conceito la­to de cultura, à medida exacta da «aldeia glo­bal», e nem se importa de confessar as suas preferências clubísticas: «Quando estudante, era adepto da Aca­démica, mas também do Benfica por causa do ciclismo. Era a Volta a Portugal em bici­cleta que ia à província e não o futebol, e na altura havia a grande rivalidade entre José Maria Nicolau e Alfredo Trindade, e eu torcia pelo Nicolau, que era do Benfica».

Mas alto aí. Levado ao exagero, o clubismo também tem os seus riscos. E é por saber isso que, ao condenar uma certa euforia naciona­lista e chauvinista, que domina alguns secto­res da sociedade portuguesa, acentua que «o benfiquismo cultural é uma verdadeira praga.»



*Afonso Praça (Felgar, Torre de Moncorvo, 1939 - Lisboa, 2001), jornalista e escritor. 
O texto que aqui se reproduz é um excerto da reportagem "O Exilado de Vence" publicada em Visão, Lisboa, 7/IX/1995, pp. 80-85.