Teresa Cristina Cerdeira |
Noventa amigos para nove décadas de amizade são belas contas feitas em metáfora. Daí eu me ter decidido também a fazer contas – neste caso literais – para lhe dizer, meu querido Eduardo, que há mais ou menos 35 anos seus textos são para mim um espaço de revelação. Para mim que, brasileira, quis viver num fora-dentro o meu encontro com a literatura portuguesa, o seu Labirinto da Saudade foi um mergulho nos então oito séculos de cultura, em que eu me sentia seduzida por um belíssimo texto que falava do tempo e da literatura, tecido ele próprio de imagens e de elipses que era preciso ir aprendendo a decifrar. E me encantava a lucidez daquelas páginas finais – e não só – escritas em tempo ainda tão próximo à festa de Abril, que já sabiam contudo perspectivar os ganhos e intuir as crises, como um alerta às possíveis novas máscaras que, tendo forjado em séculos um país que sofria de superidentidade, não estavam de todo e para sempre erradicadas.
Na festa dos 500 anos do Descobrimento da América, surpreendeu-me mais uma vez a sua agudeza na leitura das relações entre Espanha e Portugal, Portugal e Europa. E quando quis ler um poeta do estatuto de Camões, entendi que Os Lusíadas eram um livro fundador, uma espécie de “canto do cisne” de um momento solar, ao mesmo tempo “sinfonia e réquiem”. E percebi que em Portugal, ou mesmo em língua portuguesa, podia-se escrever com Camões, contra Camões mas dificilmente sem Camões.
A maravilha se repetiu com os seus textos sobre Pessoa ou Antero. E na sua ousada leitura da presença como contra-revolução modernista, que um ponto de interrogação mal disfarçava, eu ia me dizendo que já não sabia se o prazer que sentia advinha das suas leituras agudas e certeiras, ou se ele nascia de um encantamento das palavras. Era certamente de ambos, porque eu estava diante de um escritor para quem o ensaio era um desafio na formulação e na matéria formulada.
Nesses noventa anos você nos presenteou, querido Eduardo, com a sua – perdoe a redundância – brilhante lucidez. Sirva-nos assim outros noventa anos, a nós seus amigos e seus leitores. Sempre.
Na festa dos 500 anos do Descobrimento da América, surpreendeu-me mais uma vez a sua agudeza na leitura das relações entre Espanha e Portugal, Portugal e Europa. E quando quis ler um poeta do estatuto de Camões, entendi que Os Lusíadas eram um livro fundador, uma espécie de “canto do cisne” de um momento solar, ao mesmo tempo “sinfonia e réquiem”. E percebi que em Portugal, ou mesmo em língua portuguesa, podia-se escrever com Camões, contra Camões mas dificilmente sem Camões.
A maravilha se repetiu com os seus textos sobre Pessoa ou Antero. E na sua ousada leitura da presença como contra-revolução modernista, que um ponto de interrogação mal disfarçava, eu ia me dizendo que já não sabia se o prazer que sentia advinha das suas leituras agudas e certeiras, ou se ele nascia de um encantamento das palavras. Era certamente de ambos, porque eu estava diante de um escritor para quem o ensaio era um desafio na formulação e na matéria formulada.
Nesses noventa anos você nos presenteou, querido Eduardo, com a sua – perdoe a redundância – brilhante lucidez. Sirva-nos assim outros noventa anos, a nós seus amigos e seus leitores. Sempre.
*Teresa Cristina Cerdeira
Professora de Literatura Portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro
Professora de Literatura Portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto inédito gentilmente enviado pela Autora para Ler Eduardo Lourenço.