Busto de Sócrates, de Victor Wager. |
Em apertada página, «Eduardo Lourenço, o lugar», anotei o espaço essencial que habita no pensamento que pensa, siympósion onde poética e metafísica se envolvem (sym-pathos) num concílio dos deuses humanamente instruído, a pretexto do doutoramento honoris causa pela sua universidade de Coimbra. Na véspera dos seus sábios 90 anos, alinho alguns Lugares para Eduardo Lourenço, espaços que habita por dentro no tempo, dialéctica sem término, mostrando numa língua maravilhosa (aquela que tão bem sabe escrever e reinventar) o íntimo segredo que as palavras e as coisas velam e revelam.
Esse é o lugar dialógico dos afectos, mantido com os mestres, de Antero a Pessoa, de Sá Carneiro a Camões, que nos ensinou a reler. Mas também com aqueles, de carne e osso: o velho sábio Joaquim de Carvalho, de quem foi o assistente Faria, e o mais novo e inquieto Sílvio Lima, de quem foi o melhor aprendiz na cadeira anti-oficial, anti-oficiosa, de heterodoxia.
Em grata entrevista na Guarda natal, no seu CEI, entre incentivos e pistas para conduzir os trabalhos, deu-me uma frase, «ainda bem que alguém se lembrou de escrever uma tese sobre o meu querido mestre Sílvio Lima». Não mais parei de investigar e escrever com o alento da frase. (E de outro mestre, Fernando Catroga. Sou, pois, duvidoso discípulo, tortuoso e seco, dos mestres dos rios mais estranhos: o de S. Miguel de Rio Torto e o de S. Pedro de Rio Seco. Nomes ludibriam: é copiosa a torrente pensável).
Perdoe-se o alvoroço. Essa geração é rija e de boas cepas: de 1923, é minha Mãe, que num saco não descartável de esperança me deu a vida. De 23, é Gonçalo Ribeiro Teles, com quem não sei se assento em tronos azuis, mas seguramente assento nos bancos verdes de vergel, hortas e jardins públicos, para sustentar o mundo. E com Eduardo Lourenço assento no que mais precioso guardo: o imo livre, penoso, sonhador, a liberdade de ser.
Vieira de Almeida, pensador algo esquecido, ou mal lembrado, deixou num texto final, «não sei se o homem é ou não o fim do universo, e provavelmente ninguém sabe muito mais do que eu a tal respeito». Claro, nihil sibi. Até um escrito supremo, daqueles mágicos de Eduardo Lourenço, como o Portugal como destino, nos pôr a magicar. Não sobre este obscuro destino. Mas no magicar luminoso, a que chamam filosofia. Não sabendo se o homem (abstracto) é o fim (telos) universal, perguntarei a Eduardo Lourenço, entre um abraço de parabéns: não será lícito hoje pensar que os portugueses, se os deixarem, acabarão com ele? A vida está no desenho de uma linha, disse Deleuze. O uni-verso, é um verso, só.
*Paulo Archer. Investigador do CEIS20 (Universidade de Coimbra).
Texto inédito gentilmente enviado pelo Autor para Ler Eduardo Lourenço.
Esse é o lugar dialógico dos afectos, mantido com os mestres, de Antero a Pessoa, de Sá Carneiro a Camões, que nos ensinou a reler. Mas também com aqueles, de carne e osso: o velho sábio Joaquim de Carvalho, de quem foi o assistente Faria, e o mais novo e inquieto Sílvio Lima, de quem foi o melhor aprendiz na cadeira anti-oficial, anti-oficiosa, de heterodoxia.
Em grata entrevista na Guarda natal, no seu CEI, entre incentivos e pistas para conduzir os trabalhos, deu-me uma frase, «ainda bem que alguém se lembrou de escrever uma tese sobre o meu querido mestre Sílvio Lima». Não mais parei de investigar e escrever com o alento da frase. (E de outro mestre, Fernando Catroga. Sou, pois, duvidoso discípulo, tortuoso e seco, dos mestres dos rios mais estranhos: o de S. Miguel de Rio Torto e o de S. Pedro de Rio Seco. Nomes ludibriam: é copiosa a torrente pensável).
Perdoe-se o alvoroço. Essa geração é rija e de boas cepas: de 1923, é minha Mãe, que num saco não descartável de esperança me deu a vida. De 23, é Gonçalo Ribeiro Teles, com quem não sei se assento em tronos azuis, mas seguramente assento nos bancos verdes de vergel, hortas e jardins públicos, para sustentar o mundo. E com Eduardo Lourenço assento no que mais precioso guardo: o imo livre, penoso, sonhador, a liberdade de ser.
Vieira de Almeida, pensador algo esquecido, ou mal lembrado, deixou num texto final, «não sei se o homem é ou não o fim do universo, e provavelmente ninguém sabe muito mais do que eu a tal respeito». Claro, nihil sibi. Até um escrito supremo, daqueles mágicos de Eduardo Lourenço, como o Portugal como destino, nos pôr a magicar. Não sobre este obscuro destino. Mas no magicar luminoso, a que chamam filosofia. Não sabendo se o homem (abstracto) é o fim (telos) universal, perguntarei a Eduardo Lourenço, entre um abraço de parabéns: não será lícito hoje pensar que os portugueses, se os deixarem, acabarão com ele? A vida está no desenho de uma linha, disse Deleuze. O uni-verso, é um verso, só.
*Paulo Archer. Investigador do CEIS20 (Universidade de Coimbra).
Texto inédito gentilmente enviado pelo Autor para Ler Eduardo Lourenço.