Joaquim Namorado (Retrato a óleo de Mário Dionísio) |
[Em 1929, quando cheguei a Coimbra] tinha 15 anos... Na pensão em que eu vivia (na Couraça dos Apóstolos, 27), havia rapazes de várias orientações políticas e culturais, as suas discussões abriram-me os olhos para os problemas que dominavam a vida portuguesa.
A Academia de Coimbra era, como só excepcionalmente não é, uma massa amorfa, de vez em quando abalada pelas lutas de integralistas e republicanos. Os primeiros agrupados na Causa Monárquica e no CADC; os segundos, no Centro Republicano Académico, influenciados pela doutrinação da Seara Nova e pela acção da loja maçónica A Revolta de grandes tradições nas lutas estudantis.
(...) Os meus primeiros contactos com o PCP verificaram-se justamente no fim do primeiro lustro dos anos 30. E o meu trabalho de célula inicia-se pouco depois. Aragon afirmou «devo ao meu partido o sentido da epopeia», eu posso dizer que encontrei no trabalho do partido um sentido e um destino para a vida; quer dizer, um modo de estar no mundo e de estar com os homens.
Devo dizer que me ganhou inteiramente um sentimento de fraterna camaradagem ao contactar com homens como José Gregório ou Militão e que com eles aprendi mais da vida que em todas as disciplinas das escolas.
Também no ponto de vista da posição do intelectual na vida social, com o partido aprendi o que ao artista, homem de ciência e de imaginação, cabe na construção do futuro. Afirmo sempre que sou do partido porque sou um homem livre e que só a ortodoxia é uma verdadeira aventura neste mundo de heterodoxias cómodas e de aspiração à irresponsabilidade.
A ortodoxia tem na defesa dos seus mitos o seu modo de construir o real: é a forma mais eficaz de construir (sonhar) o futuro.
*Joaquim Namorado (Alter do Chão, 1914 - Coimbra, 1986). Escritor e Professor.
O texto que aqui se reproduz é um excerto da entrevista "Só a ortodoxia é uma aventura" concedida a António Luís Paralta e publicada em O Jornal, 4/II/1983, pp. 28-29.