De Eduardo Lourenço se poderia dizer que está para Pessoa, como Heidegger para Nietzsche. Ao mesmo tempo que «denunciam» os mestres como pensadores do fim da meta-física, eles próprios se sentem enclausurados nela, posto que, no caso do ensaísta português, entendendo-a como uma metafísica da interrogação, irremediavelmente trágica, à qual a recordação saudosa, paradoxalmente, parece ainda escapar. Por ser nosso primeiro ensaísta trágico, apercebe-se da rasura desta categoria na existência portuguesa, vivida entre o desassossego moderno e a saudade imemorial. É como se, em sua messianidade branca, a saudade fosse o sal que nos restou dos mares, espécie de testemunho do testemunho, indício e rasto que poderá talvez abrir-nos ao futuro do passado no inactual da memória. Reinventar o trágico e mergulhar numa paradoxia sem Aufhebung, ou, o que é pior ainda, sem conjunctio oppositorum, podendo dizer-se que a saudade, em Eduardo Lourenço, parece espreitar como uma força ontológica subterrânea, simultaneamente, implosiva e explosiva, centrífuga e centrípeta que a todo o momento rasga e rasura sua tragicidade, apelando em surdina para inconcretas esperanças.
(...) Eduardo Lourenço é ainda, na sequência de Sampaio Bruno e José Marinho, nosso ensaísta da temporalidade. Um saudosista da história no fechamento de uma certa historicidade, sendo sua pós-modernidade a de um pós-romântico a braços com o mal-estar da pós-história, no sentido referido por Alain Badiou. Segundo este autor, o pós do romantismo, seu resíduo contemporâneo, seria, precisamente, o tema da finitude.], desdenhoso desse pós que estilhaça a categoria da temporalidade essencial ao romantismo.
(...) Ensaísmo trágico, a obra de Eduardo Lourenço é ainda, implicitamente, um ensaísmo da decisão. Decisão do indecidível, sua obra assume os caminhos difusos do eu, individual e pátrio, não mais como historicidade providencialista e optimizante, tão pouco travestida de um logocentrismo que nunca foi o seu, mas outrossim numa pluridimensionalidade aberta de sentidos. Daí sua Culturologia, Imagologia, ou Mitologia da portugalidade, leitura em double bind de nossa história, sem posição de exterioridade absoluta em relação a ela. De tal modo que, escavando a res gesta portuguesa, o ensaísta não rasura nem inventa conceitos, apenas descobre seu potencial simbólico, imagético, numa história em que o mythos, no próprio acto em que se assume como nada que é tudo, se descobre plural e transcultural, por isso mesmo capaz de renascer do magma intempestivo da língua, «esse lugar não lugar onde podemos sempre tornar comum nosso isolamento e viver em conjunto a nossa solidão» (A Nau de Ícaro, Lisboa,1998, p. 231).
(...) Eduardo Lourenço é ainda, na sequência de Sampaio Bruno e José Marinho, nosso ensaísta da temporalidade. Um saudosista da história no fechamento de uma certa historicidade, sendo sua pós-modernidade a de um pós-romântico a braços com o mal-estar da pós-história, no sentido referido por Alain Badiou. Segundo este autor, o pós do romantismo, seu resíduo contemporâneo, seria, precisamente, o tema da finitude.], desdenhoso desse pós que estilhaça a categoria da temporalidade essencial ao romantismo.
(...) Ensaísmo trágico, a obra de Eduardo Lourenço é ainda, implicitamente, um ensaísmo da decisão. Decisão do indecidível, sua obra assume os caminhos difusos do eu, individual e pátrio, não mais como historicidade providencialista e optimizante, tão pouco travestida de um logocentrismo que nunca foi o seu, mas outrossim numa pluridimensionalidade aberta de sentidos. Daí sua Culturologia, Imagologia, ou Mitologia da portugalidade, leitura em double bind de nossa história, sem posição de exterioridade absoluta em relação a ela. De tal modo que, escavando a res gesta portuguesa, o ensaísta não rasura nem inventa conceitos, apenas descobre seu potencial simbólico, imagético, numa história em que o mythos, no próprio acto em que se assume como nada que é tudo, se descobre plural e transcultural, por isso mesmo capaz de renascer do magma intempestivo da língua, «esse lugar não lugar onde podemos sempre tornar comum nosso isolamento e viver em conjunto a nossa solidão» (A Nau de Ícaro, Lisboa,1998, p. 231).
*Maria Helena Varela (Porto, 1947 - São Paulo, 2004).
Professora de Filosofia na Universidade de Évora entre 1996 e 2004. Foi também Professora Visitante na Universidade Federal Fluminense no Brasil.
O texto que aqui se reproduz é um excerto do livro Microfilosofia (s) Atlântica (s). Confrontos e Contrastes, , Braga, Edições APPACDM 2000, pp. 42- 45.