sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Chroniques de la Rive Gauche nº 4- ... ou la vie écrite!


Cesário Verde


Ler Eduardo Lourenço confessa a sua fraqueza. Colóquio sem lançamento de livros não é, a bem dizer, colóquio. A última chronique de la Rive Gauche tem, por isso, de abordar o inescapável tema. A abrir o segundo dia, procedeu-se ao lançamento de Entre deux mondes. Poèmes de Cesário Verde suivis d'un essai d'Eduardo Lourenço (2011), segunda edição da tradução para francês do Livro de Cesário Verde. Trata-se da segunda edição, porque, em 1920, havia sido publicada esta tradução das poesias de Cesário, pela mão do seu irmão Jorge ... Verde. A editora l'Escampette explica em nota que decidiu respeitar integralmente a versão do irmão do poeta, apesar de «algumas imperfeições gramaticais», compreensíveis dado que «o francês não é a língua do tradutor».







Como o título anuncia, esta edição, que teve o apoio da Gulbenkian, vem acompanhada de um ensaio de Eduardo Lourenço. Trata-se de um inédito, traduzido uma vez mais por Annie de Faria, cujo final a seguir se reproduz: «[Cesário Verde] ne savait pas – ou le savait-il, comme les poètes savent tout sans le savoir? – que ce dédain pour la littérature était le secret qui l'a distingué des autres, et lui a donné ce regard différent, cette poèsie de la vie sans littérature qui fut son bref destin» (p. 81). Registe-se, porque é da mais elementar justiça, o papel extraordinário que a editora l'Escampette tem vindo a fazer, desde há largos anos, no sentido de divulgar a literatura portuguesa junto dos leitores em língua francesa. O próprio Eduardo Lourenço tem publicado vários títulos nesta editora. Um deles trata-se de Montaigne ou la vie écrite, ensaio escrito directamente em francês, que agora também se encontra no primeiro volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço, chamado Heterodoxias. A última foto da chronique anterior já indiciava que também deste livro se falou em Paris. De facto, aos participantes do Colloque Eduardo Lourenço – La passion du humain foi oferecido um exemplar do tão aguardado primeiro tomo. Ler Eduardo Lourenço confessa ainda que, mesmo não tendo sido um lançamento oficial de Heterodoxias (a realizar brevemente em Lisboa, com a promessa de que o acontecimento terá o devido destaque neste blog), o Colloque de Paris fica indelevelmente associado à concretização material de um projecto que, embora ainda muito longe do seu fim, percorreu já uma importante e primeira etapa.

Eduardo Lourenço autografa em Paris
um dos primeiros exemplares de Heterodoxias
(foto Ler Eduardo Lourenço)


Chroniques de la Rive Gauche nº 3- À quoi sert un colloque?


Eduardo Lourenço, ladeado por João Pedro Garcia e Maria Graciete Besse,
na sessão de encerramento do Colloque La passion du Humain
(foto Ler Eduardo Lourenço)

Falando por vezes de si como sendo um autor mais conhecido do que propriamente lido, Eduardo Lourenço começa, desde há algum tempo, a não poder queixar-se de falta de atenção de um grupo de estudiosos da sua obra. Dissertações de Mestrado e de Doutoramento, antologias de textos críticos, artigos e recensões críticas, entrevistas e colóquios sucedem-se a um ritmo, por vezes descontínuo, mas quase sempre acelerado. Depois de em Outubro de 2008, na sede de Lisboa da Fundação Calouste Gulbenkian, se ter realizado o Congresso Internacional Eduardo Lourenço, que reuniu um número vastíssimo de investigadores e escritores (cf. Colóquio-Letras, nº 170, Janeiro de 2009), o Colloque Eduardo Lourenço – La passion du humain, efectuado na passada semana, nas novas instalações da Fundação em Paris não deixa também de suscitar algumas reflexões acerca dos colóquios e daquilo para que servem. Não se trata aqui de comparar os dois encontros, muito menos de menosprezar a sua importância. Tudo o que seja ocasião para divulgar um pensamento e uma obra de um ensaísta com a relevância de Eduardo Lourenço merece, sem dúvida, aprovação e aplauso. E, de facto, mesmo se nos dois eventos Eduardo Lourenço não deixou de expressar a sua surpresa e quase incomodidade por assistir a um colóquio de que ele mesmo era o objecto de estudo (expressão bastante infeliz que alguém deixou escapar durante um dos debates em Paris), importa registar a generosidade quase estóica com que o ensaísta suporta estas longas jornadas, aceitando expor-se e discutir-se como se fosse um outro.


Eduardo Lourenço em Paris: soi-même comme un autre
(foto Ler Eduardo Lourenço)


Para que serve, então, um colóquio como este? Desde logo, para os participantes apresentarem as suas leituras da obra em questão. Ora, no caso de Eduardo Lourenço, a extensão e a complexidade dos seus textos são de tal ordem que é tarefa suficientemente dura dar conta daquilo que um dos seus leitores pode considerar essencial dizer. Ler bem (seja lá o que isso possa em rigor significar…) Eduardo Lourenço é missão quase impossível. E o quase é imprescindível porque, nestes colóquios, há quem, por diversos e até contraditórios caminhos, leia bem. Mas será isso suficiente? Talvez não. Os momentos verdadeiramente raros destes encontros são aqueles em que os participantes arriscam, muitas vezes por singular intuição, noutras ocasiões após uma longa maturação reflexiva, caminhos inéditos.

Ler Eduardo Lourenço considera que no número 39 da Boulevard de La Tour-Maubourg houve boas sínteses e excelentes novidades. Assim, assistiu-se à apresentação de leituras sólidas de textos de Eduardo Lourenço e de discussões vivas em torno da especificidade de um ensaísmo que não evita os mitos. Para os desconstruir? Para sublinhar a sua inevitabilidade? Fica a questão. É curioso como várias intervenções, numa coincidência surpreendente e por isso sintomática, sublinharam a importância de se retornar aos escritos de Eduardo Lourenço sobre a experiência colonial portuguesa. Maria Manuel Baptista, por exemplo, efectuou uma leitura quase exaustiva dessas teses dos anos sessenta e setenta, ou seja, da época do declínio de um Império talvez mais mítico do que real. Mas vários outros participantes centraram a sua a atenção nesse período, o que levou a Eduardo Lourenço a confessar, com uma divertida perplexidade, na intervenção final do Colloque, que se sentia o autor de um livro só, O Labirinto da Saudade, situação tanto mais desconcertante quanto, para ele, esse será o mais contingente dos títulos que publicou. Em suma, ficou a certeza de que para pensar o colonialismo, a descolonização e até o projecto da lusofonia é inevitável revisitar os textos sobre o tema de Eduardo Lourenço. É provável que já se soubesse isso, mas é sempre importante perceber porquê.

Quanto a novidades propriamente ditas, Ler Eduardo Lourenço regista pelo menos três. Em primeiro lugar, a intervenção desassombrada do antigo Comissário Europeu António Vitorino que, na sua assumida condição de não especialista (mas o pensamento de Eduardo Lourenço não é precisamente um daqueles casos em que é absurdo falar-se em especialistas?), desafiou o ensaísta a desvendar a saída da Europa para o impasse em que esta se encontra, insinuando que o autor de A Europa Desencantada conheceria a chave do problema. Mera provocação? Aguarde-se pelos próximos textos que Eduardo Lourenço irá com certeza dedicar à questão e talvez se possa saber a resposta.

Depois Vasco Graça Moura, numa comunicação ao mesmo tempo densa e luminosa, acercou-se como poucos o fizeram ainda do tema Eduardo Lourenço leitor de poesia. Não por acaso o ensaísta sublinhou, ao encerrar o colóquio, o rigor e a originalidade de uma leitura que verdadeiramente o parece ter comovido. A publicação das actas do Colloque irá confirmar com certeza a justeza desta impressão.


Roberto Vecchi, em Paris, desfolhando o primeiro volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço
(foto Ler Eduardo Lourenço)

Por fim, the last but not the least, Roberto Vecchi revelou, uma vez mais (pois a sua intervenção no Congresso de Lisboa e em especial a sua magnífica obra Excepção Atlântica. Pensar a Literatura da Guerra Colonial, que talvez não tinha tido ainda o eco que realmente merece, já apontava nessa direcção), aquilo que talvez sejam as vantagens hermenêuticas de se considerar Eduardo Lourenço, antes de mais, como um filósofo europeu do nosso tempo. Explicando melhor, Vecchi lê Eduardo Lourenço como se este fosse um autor que interessa pôr em diálogo com o pensamento de Agamben, Benjamin, Derrida, Foucault, Nancy, tarefa que, comportando alguns riscos (e aí reside um dos seus maiores méritos, afinal), pode ser de uma proficuidade imensa. É possível que para muitas pessoas em Portugal, demasiado habituadas como estão a considerar Eduardo Lourenço como a figura tutelar da cultura portuguesa, talvez não seja tão fácil realizar essa operação intertextual. Daí que haja muito a aprender com esta abordagem de Roberto Vecchi. Ler Eduardo Lourenço arrisca mesmo dizer que talvez passe por aí também o futuro das leituras deste tão singular ensaísmo que não cessa de fascinar. Só estas três novidades bastariam para achar que o colóquio de Paris valeu bem a pena, mas esta ainda não é a última chronique de la Rive Gauche.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Chroniques de la Rive Gauche nº 2- Robert Bréchon

Robert Bréchon

Ler Eduardo Lourenço prossegue hoje as suas chroniques parisienses. Outro momento muito alto do Colloque Eduardo Lourenço - La passion du humain, que contou com a presença de muitos jovens estudantes da Sorbonne interessados na cultura portuguesa, foi sem dúvida a comunicação de Robert Bréchon. Aquele que é justamente considerado um dos maiores especialistas mundiais de Fernando Pessoa evidenciou, numa síntese emocionante, não só a importância que a obra do poeta de Ode Marítima tem no percurso intelectual de Eduardo Lourenço, como o modo como as leituras do ensaísta se revelaram decisivas na sua (de Bréchon) compreensão do universo pessoano. Bréchon tem hoje 91 anos, mas o seu humor e a sua simplicidade desarmantes são característicos de uma inteligência e de uma sagesse sempre renovadas. Chapeau!, Monsieur Robert.
A seguir, Ler Eduardo Lourenço reproduz, com a devida vénia, a recensão crítica que, em Novembro de 1974(!), Robert Bréchon publicou na revista Colóquio-Letras a Pessoa Revisitado. Trata-se de um texto notável pelo rigor e pela concisão da leitura que apresenta.



quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Chroniques de la Rive Gauche nº 1- Cleonice

Ler Eduardo Lourenço inicia hoje uma série de posts alusivos ao Colloque Eduardo Lourenço - La passion du humain, realizado na passada semana nas novas instalações da Gulbenkian em Paris, mais precisamente no número 39 da Boulevard de la Tour Maubourg, ou seja, na margem esquerda do Sena. Importa começar por dizer que o evento só foi possível devido ao empenho dos organizadores, Maria Graciete Besse (Professora na Sorbonne) e João Pedro Garcia (Director da delegação parisiense da Fundação), magnificamente secundados por Maria Teresa Salgado. Não se trata aqui de reproduzir as comunicações apresentadas (que serão em breve reunidas em livro), mas apenas de destacar alguns dos momentos mais relevantes destes dois dias em Paris. Daí que esta primeira chronique tenha de ser dedicada a uma das participantes mais especiais do Colloque. Cleonice Berardinelli é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sendo certamente uma das principais responsáveis pela atenção que os universitários brasileiros dedicam à literatura portuguesa. Autora de uma Obra imensa, foi também Cleonice quem propôs o doutoramento honoris causa de Eduardo Lourenço pela sua Universidade. Encontrando-se a recuperar de alguns problemas de saúde que a impedem de viajar com a frequência desejada, Cleonice Berardinelli fez questão de atravessar o Atlântico para saudar o seu Amigo Eduardo Lourenço. E o modo como o fez, não poderia ter sido mais comovente. O Colloque iniciou-se assim com a leitura de um texto luminoso, impossível de sintetizar tal a forma como nele se cruzam uma inteligência e uma sensibilidade verdadeiramente singulares. E Eduardo Lourenço não deixou de, por mais de uma vez, manifestar quanto esse momento o sensibilizou. Ler Eduardo Lourenço assinala o raro acontecimento reproduzindo um video, realizado no Brasil em 2010, onde Cleonice Berardinelli lê admiravelmente dois poemas de ... Fernando Pessoa.


terça-feira, 25 de outubro de 2011

Carlos de Oliveira, no centro da vida.

Para os que lamentaram a sua ausência (por motivos de saúde), no Colóquio Internacional dedicado a Carlos de Oliveira, Eduardo Lourenço abre agora a  revista pessoa - numa excelente edição bilingue - em número dedicado a esse autor e à ocasião (pessoa, Revista de Ideias, nº4, edição da Casa Fernando Pessoa e Câmara Municipal de Lisboa, Setembro 2011). O texto, que com a devida vénia Ler Eduardo Lourenço transcreve, é uma celebração da memória do autor de Uma Abelha na Chuva, "ícone canónico do neo-realismo", mas "bem longe dos seus chavões literários". Carlos de Oliveira "ficou inteiro nos seus poemas" onde ilustrou "uma poética materialista não no sentido ideológico do século XIX onde o seu imaginário se alimentou, mas realista e paradoxalmente matérica como a terra que descreveu como criadora da gesta em busca do fogo central que continua a consumi-la. Como se estivesse a ponto de descer ao centro da vida como um herói de Júlio Verne".


Eis o passo final da citação que Eduardo Lourenço selecciona para a revista:
 "Ocorreu-lhe então esta ideia, que o gelou de pavor: quem sabe se ela não é a própria morte a insinuar-me dia a dia a miséria de viver, uma missão de Deus junto de mim para que eu entenda que tudo é passageiro e inútil e de livre vontade renuncie a tudo. (...) Nunca entendera verdadeiramente." Uma Abelha na Chuva, in Obras de Carlos de Oliveira, edição Camilho, Lisboa, 1992.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

39, Boulevard de la Tour Maubourg

É já amanhã que a renovada delegação da Fundação Calouste Gulbenkian abre as suas portas. Situada na margem esquerda do Sena, no número 39 da Boulevard de la Tour Maubourg, num edifício construído em 1869 e que foi agora objecto de uma intervenção por parte da arquitecta Teresa Nunes da Ponte, a nova casa da fundação acolherá também aquela que é considerada uma das mais ricas bibliotecas de língua portuguesa fora de Portugal e do Brasil. No quadro de um programa de actividades muito variado, Ler Eduardo Lourenço tem de destacar, nos próximos dias 20 e 21 (quinta e sexta), o Colloque Eduardo Lourenço et la passion du humain, de aqui se falou há algumas semanas. Por agora apenas algumas imagens, retiradas do site http://www.gulbenkian-paris.org/, para abrir o apetite.



sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Tudo quanto há em mim de rusticidade social e de inconsciente cristão...

«Seria possivelmente uma reflexão arcaica em torno da caoticidade eufórica que constitui hoje a pulsão cultural do Ocidente e contra a qual tudo quanto há em mim de rusticidade social e de inconsciente cristão eticamente se insurge. Sem ilusões».




Capela de São Pedro do Rio Seco (foto de Ler Eduardo Lourenço)

Foi assim que, em 1 Novembro de 1987, Eduardo Lourenço respondeu a Francisco Belard quando, em entrevista depois publicada em A Phala, lhe foi perguntado o que poderia ser então uma Heterodoxia III. Recorde-se que, para além desta conversa realizada por escrito por altura da primeira reedição dos dois volumes de Heterodoxia na Assírio & Alvim, Eduardo Lourenço concedeu nessa época uma outra entrevista, com o sintomático título “Um heterodoxo confessa-se” [entrevista por Vicente Jorge Silva e Francisco Belard, Suplemento Revista de Expresso, Lisboa, 16/I/1988, pp. 24-31. Texto reimpresso em GIL, José e CATROGA, Fernando, O ensaísmo trágico de Eduardo Lourenço, Lisboa, Relógio d’água Editores, 1996, pp. 44-75].





Francisco Belard (http://www.casadaleitura.org/)

Ler Eduardo Lourenço sugere, assim, aos jornalistas mais preguiçosos ou menos atentos que uma boa questão para colocar, hoje, ao ensaísta, quando se aproxima a passos largos a data da publicação do primeiro volume das Obras Completas com o título de Heterodoxias talvez seja mesmo esta: o que significa ser Heterodoxo em 2011?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O Género Intranquilo

Foram conhecidos há pouco os autores distinguidos com o prémio PEN Clube referente ao ano transacto. Assim, na categoria de narrativa foi escolhido como vencedor o romance Peregrinação de Enmanuel Jhesus de Pedro Rosa Mendes. Na categoria de poesia, o júri distinguiu o livro Necrophilia de Jaime Rocha , obra escolhida por Francisco Belard, Liberto Cruz e Manuel Frias Martins. No que diz respeito ao ensaio, os jurados Maria João Reynaud, Álvaro Manuel Machado e Fernando Cabral Martins optaram por consagrar dois livros: Jorge de Sena: Sinais de Fogo como Romance de Formação, de Jorge Vaz de Carvalho, e O Género Intranquilo: Anatomia do Ensaio e do Fragmento, de João Barrento. Ler Eduardo Lourenço não costuma pronunciar-se acerca da justeza dos prémios literários, mas, desta feita, não pode deixar de exprimir a sua satisfação pelos dois ensaios premiados. Compreender-se-á o motivo deste entusiasmo, pois se, no caso da obra de (e sobre) Jorge de Sena, as relações com o pensamento de Eduardo Lourenço têm sido frequentemente assinaladas neste blog, em relação ao ensaísmo de João Barrento esse mesmo diálogo não tem sido menos importante. No livro agora premiado, O Género Intranquilo (e que, recorde-se, foi apresentado no seu lançamento, em Outubro do ano passado, por... Eduardo Lourenço!) encontra-se, para além de um interessantíssimo capítulo chamado “O ensaio em Portugal: Sociologia de um género sem género”, uma nova versão do texto “As pedras brancas”, baseado na comunicação apresentado pelo autor no Colóquio Internacional Eduardo Lourenço (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Outubro de 2008), mas que contém ligeiríssimas modificações em relação ao que, entretanto, foi publicado na revista Colóquio-Letras. A (re-)ler, sem qualquer dúvida.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

«A água da realidade transfigurou-se em escrita...



que não se perde como ela no oceano do tempo.»




É com esta magnífica frase que Eduardo Lourenço encerra o ensaio intitulado “Os mediadores” que a revista Ler publica na sua edição deste mês a propósito da saída na Caminho do Dicionário Luís de Camões, organizado por Vítor Aguiar e Silva que, de resto, em entrevista concedida a Carlos Câmara de Leme, considera Eduardo Lourenço, juntamente com Cleonice Berardinelli, [Américo da] Costa Ramalho e Maria Helena da Rocha Pereira, um «dos grandes camonistas vivos» (Vítor Aguiar e Silva, “Camões amedronta qualquer um”, Ler.Livros & Leitores, nº 106, Outubro de 2011, p. 43). O texto “Os mediadores” (ilustrado por um pormenor do quadro de Francisco Metrass Luís de Camões na Gruta de Macau, que aqui se reproduz na íntegra) não deixa de ter algum paralelismo com o capítulo de Fernando, Rei da Nossa Baviera “A fortuna crítica de Fernando Pessoa”, pois é uma reflexão acerca dos laços que se tecem entre Os Lusíadas e as leituras que, historicamente, o foram mediando.



Deste modo, o ensaio começa logo por equacionar os dados em questão. «Uma Obra (...) não tem leitura fora daquela que os seus leitores instituem, lendo-a e interpretando-a e jogando nela a sua perspicácia e imaginação». O princípio que assim se enuncia, acerca de um poema que o seu Autor ofereceu à sua pátria para ser «o espelho da sua alma», talvez seja válido como chave de leitura para o ensaísmo do próprio Eduardo Lourenço. Mas isso é assunto para outra ocasião. Por agora, Ler Eduardo Lourenço limita-se a aconselhar a compra da Ler deste mês.