terça-feira, 28 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 83): António Quadros*


António Quadros



Em Heterodoxia I, Eduardo Lourenço, reagindo contra a predominância social de correntes em oposição, mas igualmente ortodoxas (...) defendia, herdeiro de uma tradição liberal com nobres tradições entre nós, de Garrett até Sampaio Bruno ou Leonardo Coimbra o que chamava espírito da heterodoxia.
 
(...) Reagia Eduardo Lourenço em 1950 - culminando a sua experiência intelectual e vivencial do que chama os asfixiantes anos quarenta – contra um ortodoxismo rígido, fixista e pretensioso que, a seu ver, coarctava o movimento para a verdade e até para a plena realização dos valores, e que via grassar à direita e à esquerda, num absolutismo que atingia as duas correntes consideradas dominantes na vida mental portuguesa, muito embora através de bem diversa fenomenologia.

(...) Dezassete anos depois [com Heterodoxia II], eis que se interroga: tal ortodoxismo é necessário naqueles sistemas ou é meramente contingente? No presente livro vem dizer-nos que nunca confundiu no mesmo plano aquelas visões do mundo: «É na perspectiva do seu comportamento prático que nós as relacionamos aqui, e não em relação a elas mesmas, pois nem histórica nem idealmente se pode pôr lado a lado uma Religião e uma Ideologia, embora esta se dê como o fim e superação de toda a Religião e Ideologia».
 
Esta distinção entre o prático e o teórico vai determinar a resposta àquela interrogação. É que a ortodoxia do Catolicismo, por influência de uma absolutização e de compromissos práticos e políticos epocais e situados, se revela hoje – depois da autêntica revolução do Concílio Ecuménico – como um fenómeno contingente: na realidade, o Catolicismo revela o que Eduardo Lourenço considera espírito da heterodoxia.


*António Quadros (Lisboa, 1923-1993), Escritor e Crítico Literário.
O texto que aqui se reproduz é um excerto da recensão crítica a Heterodoxia II de Eduardo Lourenço publicada em Diário de Notícias, Lisboa, 24/VIII/1967, pp. 15-16.