quinta-feira, 16 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 39): Torcato Sepúlveda*

Le Radeau de la Méduse, reprodução do óleo de Théodore Géricault



Quinta-feira, na Livraria Tropismes, em Bruxelas, José Saramago falou da sua obra e das suas ideias, numa conferência co-organizada por Promotion des Lettres Belges de Langue Française e pela Fondation Europalia International. Perante uma assembleia de algumas dezenas de pessoas, exprimiu as suas dúvidas sobre a bondade da CEE: «É uma empresa com o seu conselho de administração, no qual apenas se sentam os grandes accionistas», afirmou. A discussão fora provocada pela análise do romance A Jangada de Pedra, que parece fascinar os estrangeiros.
Esta e outras afirmações do escritor português originaram viva polémica com Eduardo Lourenço, que se encontrava presente. Lourenço declarou não concordar com a visão «catastrófica» do seu amigo José Saramago, que acabava de advertir para os perigos do abafamento das pulsões nacionalistas que, mais cedo ou mais tarde,  podem sempre rebentar sob a forma de violência. «Há que rever o conceito de nacionalismo», opinou Saramago. «O nacionalismo em si não é mau. Mas esmagado, torna-se mau».
Esta defesa do direito à diferença levou Lourenço a lembrar que a Europa se transformou, para os povos que lhe são exteriores, «numa nova América». E se essses povos que a desejam e adoram a vêem como tábua de salvação, ela não pode ser assim tão «atroz». Eduardo Lourenço comparou a Jangada de Pedra de Saramago ao Radeau de la Méduse. Aí o romancista não gostou, e o debate endureceu. No fim, Saramago e Lourenço foram acabar de discutir a construção europeia à volta da mesa do jantar. À meia-noite foram vistos ainda debatendo.



*Torcato Sepúlveda (Braga, 1951 - Almada, 2008), jornalista.
O texto que aqui se reproduz é um excerto da crónica “A CEE não passa de uma empresa com o seu conselho de administração. Em debate integrado na Europália, Saramago exprime dúvidas sobre construção europeia”, Público, Lisboa, 12/X/1991, p. 26.