segunda-feira, 20 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 64): Perfecto E. Cuadrado*

Perfecto E. Cuadrado


Conheci Eduardo Lourenço – a pessoa: a personagem foi-se configurando até hoje, ao sábio eu já conhecia – por ocasião dum dos fastos académicos concelebrados na Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa há mais de trinta anos. Foi Ángel Crespo quem mo apresenteou: “Olá, Perfecto, vais conhecer um arcanjo”, disse mestre Ángel. “Luzbel ou S. Miguel”? perguntei eu. Nem um nem outro: Eduardo, Eduardo Lourenço. Ou seja, a síntese dialéctica das duas espécies de arcanjos: a minha (Luzbel) e a do Outro (S. Miguel). Quando eu trabalhava num projecto (depois frustrado parcialmente) de ensaio sobre Vergílio Ferreira, tinha como alguns livros fundamentais de referência a Heterodoxia e o Sentido e forma da poesia neo-realista. Depois, ficámos os dois a passear no labirinto do Rei da Nossa Baviera, e partilhamos perguntas e interrogações (a distinção é de Vergílio Ferreira) sobre esta coisa da Comunidade Europeia ou União Europeia ou qualquer outro eufemismo dos que têm sido inventados para designar/disfarçar esta espécie de sinécdoque da apocalipse. Fui encontrando Eduardo Lourenço de congresso em congresso, fui ficando sucessivamente fascinado com a sua presença e com a sua ‘maneira’ de perceber, de pensar e de formular esse fecundo pensamento. Aquela sua figura de olhos fulgurante – às vezes fechados e quase adormecidos: quando queria ou precisava ver melhor – e aquelas mãos sempre acariciando uma caneta e um papelinho onde ia desordenando apontamentos – se era sermão alheio – ou ordenando a própria desordem aparente – se era ele o vieira iluminador e encantador. Cheguei a encontrar – coisas do acaso objectivo – o Mestre até nas ruas de Paris, como Breton à Nadja, sempre a correr de palestra em entrevista, de jornal em Embaixada, de faculdade em liceu ou qualquer outro lugar de concelebração da inteligência e da sensibilidade e da poética do diálogo encendido e respetuoso. Só uma vez quis celebrar eu publicamente ao Mestre com um artigo por ocasião da publicação do seu primeiro livro em castelhano: o director da revista – na qual, aliás, eu aparecia como o responsável das coisas portuguesas – rejeitou a publicação porque não era propriamente uma crítica, mas sim um canto de “louvor e simplificação”, à boa maneira de um dos Pessoas do Cesariny. Hoje oferecem-me a ocasião de concelebrar a pessoa, a personagem, a palavra e a(s) obra(s) do Mestre que por um instante inundou e inunda de luz a escuridade cada vez maior da caverna. Saravá, Mestre Eduardo Lourenço! E até breve!. Seu,
Perfecto E. Cuadrado


*Perfecto E. Cuadrado Fernández. Professor da Universidade das Ilhas Balears. Escritor e Tradutor.
Texto inédito gentilmente enviado pelo Autor para Ler Eduardo Lourenço.