sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Anteontem, na Universidade de Évora


Eduardo Lourenço, anteontem, na Universidade de Évora
Da esquerda para a direita: João Tiago Lima, Eduardo Lourenço, Ana Costa Freitas e António Guerreiro
Um aspecto parcial da assistência na Sala dos Docentes do Colégio Espírito Santo



Realizou-se na passada quarta-feira, na acolhedora Sala dos Docentes do Colégio Espírito Santo da Universidade de Évora, uma sessão de apresentação de Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista e Outros Ensaios, II Volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço. Na sessão, presidida pela Reitora da Universidade, Ana Maria Costa Freitas, intervieram também João Tiago Lima, em nome da Comissão Científica do Projecto da Edição das Obras Completas, o crítico literário e ensaísta António Guerreiro, que, numa magnífica comunicação, apresentou pormenorizadamente a obra, explicando o seu contexto e a sua importância, e o próprio Eduardo Lourenço que encerrou a sessão com mais uma estupenda e comovente lição. Muito em breve, Ler Eduardo Lourenço irá divulgar o video que captou toda a sessão. Por agora, esta brevíssima foto-reportagem, de autoria de Susana Rodrigues e, em baixo, o relato do evento, hoje, na imprensa local.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Lídia Jorge, Prémio Vergílio Ferreira 2015*


Lídia Jorge (foto de Nuno Portela in www.snpcultura.org)
Felizmente para nós, ex­iste um correio que vem de Vence. Não que seja neces­sário que esse correio ve­nha de longe, mas está provado que é bom existir um olhar que não esteja cá. Benefício da distância? Algum, sem dúvida. O longe sempre constituiu um posto privilegiado de observação. É por is­so que só de vez em quando Eduardo Louren­ço janta connosco e, no entanto, ele consegue estar presente nos rumos mais invisíveis e mais importantes do nosso quotidiano.
Mas não está em causa a felicidade da sua distanciação, e sim o rasto intelectual dum homem que tem marcado de forma indelével as ideias portuguesas, pela vertente mais me­lindrosa que um académico poderia conceber para si mesmo, ao envolver-se no fogo cruza­do das nossas lutas tribais. Por isso mesmo, Eduardo Lourenço não é um académico.
O académico, se o é, não desce à rua, não se envolve, não se mistura, não patinha as pega­das da horda da rua. Ora Eduardo Lourenço patinha. Patinha com prejuízo seu, embora com proveito para um país, onde só costuma atolar os pés neste tipo de lama, quem não tem outra forma de sobrevivência cívica. Essa é a respiração do espírito irrequieto de Eduar­do Lourenço que mais estimo. A sua forma de solidariedade com a História que mais admi­ro.
Seria um erro, contudo, mesmo nestas linhas de extrema passagem, ficar pelo reconhecimento da sua solidariedade com os nos­sos conflitos. Isso significaria estimar Eduar­do Lourenço apenas como homem de ideias, quando ele é, acima de tudo, uma figura do pensamento. Do nosso pensamento disperso, lírico, brilhante agora, e logo fátuo, do nosso pensamento tão dissimulado de nós mesmos que nunca encontrou um corpo nomeável, e por isso não existe como lombada nas estantes de ninguém. Do nosso pensamento incorpóreo à espera que de onde em onde apareça quem reúna as metades por um jeito próprio. A esse pensamento pertence Eduardo Lourenço, ilu­minando-o com um fulgor muito raro. Ora no mar da nossa dissipação, cada vez mais é pre­ciso quem possa reunir os contrários. Se isso se espera de alguns, espera-se com insistência de Eduardo Lourenço.
Espera-se que o faça a partir de uma das muitas matérias que o comovem, embora se creia que o venha a fazer montado no alto da sua disciplina mais cara – a Literatura. Porque Eduardo Lourenço não precisa confessar em voz alta donde lhe nasceu a vocação, não precisa dizer que se fez crítico por não ter sido poeta, para sabermos que a concepção da sua única escatologia se prende com a redenção pela Arte unificadora, e dela, a figura do martírio lhe aparece sob a forma de palavra. De facto, quem anda enredado n’ela sabe que uma vocação geralmente se desenvolve a par­tir dum gémeo perdido. E assim, quem diz que é crítico porque não conseguiu ser poeta, sabe que muitos poetas o são, porque não puderam ser críticos. Isto é – filósofos.
Esse é um dos complexos de culpa camufla­dos no pensamento português. Mas que o di­ga, por exemplo, Eduardo Lourenço.
Tudo o que lhe desejo é que em Vence, aqui, ou noutra terra qualquer, sobre Eduardo Lourenço caia a grande insónia, aquela dor da escuridão que permite unir o disperso. Sobre ele, muito particularmente, decifrador da nossa Baviera, seria o castigo redentor que merece.
O Júri do Prémio Vergílio Ferreira 2015. Da esquerda para a direita: Antonio Sáez Delgado, Fernando Pinto do Amaral, Elisa Esteves, Ana Costa Freitas (Reitora da Univerisdade de Évora), Eduardo Lourenço e António Cândido Franco.

*Lídia Jorge é a vencedora do Prémio Vergílio Ferreira 2015, galardão atribuído pela Universidade de Évora. Na edição deste ano, fizeram parte do júri Eduardo Lourenço, Fernando Pinto do Amaral, António Cândido Franco, Elisa Esteves (Directora do Departamento de Linguística e Literatura da Universidade de Évora) e Antonio Sáez Delgado, que presidiu à reunião realizada ontem no Colégio Espírito Santo. No mesmo edificio realizou-se, ao fim da tarde, uma sessão de apresentação do II Volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço de que em breve se falará com mais pormenor aqui neste blog. Para já, Ler Eduardo Lourenço recupera, com a devida vénia, o texto Felizmente existe um correio que vem de Vence”, que Lídia Jorge publicou no Jornal de Letras, Artes e Ideias em 6 de Dezembro de 1986, num dossier dedicado ao autor de Fernando Rei da Nossa Baviera. As fotos da reunião do júri do Prémio Vergílio Ferreira são da responsabilidade do Gabinete de Comunicação e Imagem da Universidade de Évora. Muitos Parabéns, Lídia Jorge!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Quarta-feira, dia 28, na Universidade de Évora!


Realiza-se na próxima quarta-feira, dia 28, pelas dezoito horas, na Sala de Docentes do Colégio Espírito Santo da Universidade de Évora, uma sessão pública de apresentação do II Volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço, Sentido e a Forma da Poesia Neo-Realista e Outros Ensaios.
A apresentação do livro estará a cargo do ensaísta e crítico literário António Guerreiro. Na sessão intervirá também Eduardo Lourenço que rubricará alguns exemplares deste volume que, como se sabe, foi lançado no passado mês de Dezembro. 
António Guerreiro


Saliente-se que Sentido e a Forma da Poesia Neo-Realista e Outros Ensaios foi destacado pelo suplemento Ipsilon do jornal Público como um  dos livros mais importantes de 2014, na categoria de ensaio.
A sessão é organizada pelo projecto científico da edição das Obras Completas de Eduardo Lourenço, que desde 2010 funciona na Universidade de Évora, com o apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Colabora na iniciativa a livraria Fonte de Letras.
Ler Eduardo Lourenço convida todos os interessados a participar nesta sessão que se adivinha absolutamente imperdível. Até quarta, pois!




quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Revista Letras nº 90

por Teresa Filipe

Carlos Mendes de Sousa, Teresa Filipe e Eduardo Lourenço numa reunião na Gulbenkian em Lisboa, preparando o III volume das Obras Completas do ensaísta, com saída prevista para os próximos meses (foto Ler Eduardo Lourenço)
A Revista Letras, ligada aos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é um periódico semestral voltado para as áreas de linguística, literatura e letras em geral que se publica desde 1953. As edições impressas estão também disponíveis em versão on-line o que constitui uma ferramenta de investigação inestimável a todos os que se dedicam a estudar culturalmente os dois países, bem como a todos os interessados. Em Dezembro de 2014, no seu número 90, a revista publicou um dossier intitulado Literatura, Identidade e Cultura nos Noventa Anos de Eduardo Lourenço (1), na sequência de um colóquio de homenagem ao Autor, promovido pelo Centro de Estudos Portugueses dessa Universidade. 

O Centro de Estudos Portugueses foi criado em 30 de Setembro de 1954, integrando nessa altura o Instituto de Pesquisas da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Paraná. Tendo passado por diferentes configurações, o CEP passa a ser gerido, desde fins da década de 1980, por um Conselho Administrativo formado pelos professores que integram a Área de Literatura Portuguesa do Departamento de Linguística, Letras Clássicas e Vernáculas dessa Universidade. Actualmente, estes professores são, Marcelo Corrêa Sandmann, Patrícia da Silva Cardoso e Antonio Augusto Nery. São eles que conduzem o texto de apresentação: «Para lembrar os 90 anos de nascimento deste grande pensador e os 35 anos de publicação de O Labirinto da Saudade, o Centro de Estudos Portugueses da Universidade Federal do Paraná realizou, nos dias 3, 4 e 5 de Dezembro de 2013, um colóquio com pesquisadores interessados em revisitar os temas consagrados por Lourenço (2). Alguns dos textos então apresentados encontram-se reunidos neste dossiê.» Estando disponível para download(3), é para esta mesma nota de apresentação que devo remeter todos os interessados, pois aí se encontra a melhor apresentação e síntese dos textos incluídos, nas palavras dos organizadores. (pp.75-76).
 O dossier, intitulado Literatura, Identidade e Cultura nos Noventa Anos de Eduardo Lourenço (pp. 75-197), reúne oito artigos apresentados no colóquio já indicado e que através da revista Letras se dão agora a conhecer a todos os que, como nós, não estiveram presentes no evento. “O Neorrealismo segundo o jovem Eduardo Lourenço”, de Luís Bueno; Patrícia da Silva Cardoso em “A literatura na interpretação do Brasil e de Portugal segundo António Cândido e Eduardo Lourenço”; “Eduardo Lourenço leitor de Virgílio Ferreira”, de Marcelo Franz; “Um diálogo histórico-literário com a Mitologia da Saudade (1999) de Eduardo Lourenço”, de Marcella Guimarães; Luís Maffei, em “Ler Camões com Eduardo Lourenço ou Camões no futuro com Paulo da Gama e outras amorosas companhias”; “A jangada e a nau: a nação portuguesa de José Saramago e de Eduardo Lourenço”, de Naira Almeida Nascimento; António Augusto Nery, em “Eduardo Lourenço e a atemporalidade de Eça de Queirós”, e, finalmente, Edna da Silva Polese e Jaqueline Koehler, em “Eduardo Lourenço e a terceira margem do Brasil: um olhar português sobre o sertão”, todos revelam um estudo de grande cuidado a merecer com certeza maior desenvolvimento, como se percebe, por exemplo, no caso de Luís Maffei que nos indica ser este artigo uma parte de um trabalho de maior fôlego, que se fica a aguardar com natural expectativa. 
Traduzindo cada artigo as preocupações e linhas de investigação dos respectivos autores, no seu conjunto, o dossier reflecte alguns dos temas mais prementes na obra de Eduardo Lourenço – identificados desde logo e grosso modo no título do dossier – convocando diversas referências, fazendo convergir o contemporâneo e o antigo, conseguindo afirmar-se também como um excelente documento de aproximação e (re)conhecimento dos dois países, tão próximos quanto distantes. Exemplo do que acaba de ser dito são as últimas palavras do documento, no último artigo, intitulado “Eduardo Lourenço e a terceira margem do Brasil: um olhar português sobre o sertão” (pp. 181-197), onde as autoras Edna da Silva Polese, Jaqueline Koehler recuperam alguns excertos de A Nau de Ícaro, para, a partir das coordenadas de Lourenço, chegar à confirmação de que «A tão sonhada independência [do Brasil] dá-se afinal pela língua, que não se divorcia de suas origens, mas reinventa-se. Indefinido é o sertão, indefinido é o mar. A construção imagética dada pela língua é quem decreta o caminho dessa busca, seja portuguesa, seja brasileira.» 
Os textos agora reunidos permitem-nos beneficiar de abordagens que, comungando do mesmo interesse – desocultar o labor crítico-literário da obra de Eduardo Lourenço – oferecem, contudo, vias diversas para aprofundar o conhecimento da sua tão díspar, quanto fragmentária, obra. Para tal, bastar-nos-ia reportar aos títulos para verificar o vasto leque de temas convocados por Eduardo Lourenço, leitor do mundo. Das cantigas de amigo, ao movimento (ou movimentos como o II volume das Obras Completas, recentemente publicado, melhor nos mostra) neo-realista, da empresa de Camões à eleição de Obama, os artigos presentes neste dossier mostram como, para além do já conhecido desconhecimento mútuo, existe um horizonte comum, tão imaginado quanto querido, entre Brasil e Portugal, a partir do qual as respectivas autognoses intentadas pelos intelectuais de cada país podem e devem dialogar. Uma leitura esclarecida só pode contribuir para a valorização do que mais importa: a experiência do encontro. 
Para além desta primeira dimensão de aproximação dos dois países (e de cada um a si mesmo), importa salientar o modo decisivo como da leitura de Eduardo Lourenço se opera um estreitamento nas relações entre literatura e filosofia, extravasando o rótulo de pensador da imagem nacional, europeia, atlântica, ou outra… Prova disso mesmo, é a frequência com que a argumentação incorre e se faz suportar, não poucas vezes, em razões de ordem filosófica. Não havendo a presunção de com-preender tão vasta obra, o conjunto de textos agora editados (ainda que mantendo o foco na crítica de cariz literário) mostra bem o carácter ecléctico e heterodoxo do seu Autor não deixando, contudo, de evidenciar aspectos recorrentes e até característicos de um labor crítico em sentido mais amplo, como são exemplos as referências – entre outras – à heterodoxia, à imagologia, à autognose, ao enigma, ou mesmo, a uma característica que não tendo sido forjada por E. L., quase todos os autores lhe reconhecem, a saber, a da deslocação.
Anamaria Filizola e Luis Maffei durante o Congresso em Curitiba dedicado a Eduardo Lourenço em Novembro de 2013 (foto página facebook de Luís Maffei)
É curioso verificar como, nos textos agora divulgados, a noção reaparece – ainda que em momentos diferentes da argumentação – na tentativa de dilucidação e aproximação ao que poderíamos imaginar ser o “método de desconstrução” de E. L. Por exemplo, no último passo do artigo assinado por Luís Maffei, intitulado “Ler Camões com Eduardo Lourenço ou Camões no futuro com Paulo da Gama e outras amorosas companhias” (131-148), podemos ler: «É sempre em deslocamento que se fazem as leituras, pois, como diz, em Tempo e poesia, o mestre […] “a escrita é um risco total. De uma maneira geral ninguém a lerá como o seu autor a concebeu” (LOURENÇO, 2003, p. 87). Cabe-nos fazer o melhor, porque mais ético e mais responsável, deslocamento de Camões». (p. 147) 
Ou ainda em António Augusto Nery, no artigo intitulado “Eduardo Lourenço e a atemporalidade de Eça de Queirós”, dando conta desse deslocamento como movimento próprio da metacrítica levada a cabo por Lourenço: «O que eu gostaria de propor, por fim, é que a leitura empreendida por Eduardo Lourenço em “O tempo de Eça e Eça e o tempo” é muito interessante não somente para reafirmarmos a atualidade da obra de Eça de Queirós para a contemporaneidade – ao considerar questões relacionadas à temporalidade narrativa, Eduardo Lourenço desloca a discussão sobre a produção de Eça do campo puramente estético, problematizando leituras críticas que por muitos anos vigoraram sobre a obra do escritor, e que quase sempre buscaram averiguar apenas o lugar ocupado pelos textos queirosianos no que se convencionou denominar de Realismo.» (p.178) 
A todos os que estudam a obra de E.L. não deve ser estranha a sensação de, assim que julgamos estar na posse de um dado, logo o autor desmobiliza e arranca noutra direcção. Desdobrando-se em outras tantas referências, autores, lugares, telas de cinema ou de pintura, recortes de jornais, concertos, sabores e odores, abrindo-nos as portas às infinitas possibilidades de refracção, da realidade e da ficção. Como se pode confirmar pelo estimulante ensaio de Patrícia da Silva Cardoso “A literatura na interpretação do Brasil e de Portugal segundo António Cândido e Eduardo Lourenço”, (pp. 91-102), que, partindo de um estudo comparatista entre os dois ensaístas, convoca Pessoa ou Teixeira de Pascoaes, para afirmar no último momento da argumentação: «Diante da angústia que sobressai na abordagem de Cândido, talvez não seja possível falar em “autonegação ou denegação” como características da cultura brasileira; o que nos assombra talvez seja justamente o oposto disso, e nos lançamos à autognose com tanta urgência que para nós torna-se insuportável aceitar a ideia de que não nos seja dada uma revelação objectiva de nós próprios, insuportável vislumbrar que de objectivo só haja mesmo o enigma.» (p.102) 
Naira Almeida Nascimento aproxima o ensaísta do escritor José Saramago no artigo intitulado “A jangada e a nau: a nação Portuguesa de José Saramago e de Eduardo Lourenço” (pp. 149-163), e, convocando o horizonte teórico de Linda Hutcheon, em Poética do Pós-Modernismo, sustenta que «Eduardo Lourenço ousou empreender sua leitura histórica a partir de uma mitologia, além de se valer do objeto literário como alicerce para sua interpretação. Desse modo, Saramago e Lourenço, ou o romancista e o ensaísta, exemplificam em sua prática o rompimento dos pressupostos empíricos, racionalistas e pretensamente humanistas de nossos sistemas culturais», (p. 150). 
Marcelo Franz, em “Eduardo Lourenço Leitor de Vergílio Ferreira” procura «pontos de contacto entre a reflexão de Vergílio sobre o tempo e o pensamento de Lourenço sobre o ser humano em qualquer tempo», na medida em que ambos problematizam «com ou sem o rótulo (nem sempre suficiente) de “existencialista”, as certezas ou doutrinas estabelecidas sobre a definição do humano e sua condição.» (p. 113). 
A leitura dos artigos agora reunidos permite-nos entrar em contacto, de forma breve e sucinta, sem descurar o rigor e a exigência académica, alguns dos temas fundamentais para a exegese de E. L., dando testemunho de um percurso que parte de um conto publicado em 1943, e desde então continua até aos nossos dias a um ritmo tão avassalador quanto inquietante. Inquietante e avassalador pois a interpelação do Autor não esmorece, é signo de humanidade entendida como exercício crítico constante. A cada momento mostra que o que se procura ainda não foi alcançado, e jamais o será absolutamente. A cada momento o que se exige de cada um de nós é cuidado, atenção e vigia, para que não se dilua frente às adversidades, ao oportunismo, à intolerância ao desumano. O «estado de permanente busca» de que Patrícia da Silva Cardoso faz eco (p. 99). Testemunho disso mesmo é a polifonia de artigos agora apresentados, cada um mobilizando, por sua vez, além dos autores convocados por E. L., muitos outros, da literatura à política, à religião, e de tempos também eles muito diversos, como é o caso do estudo de Marcella Guimarães, “Um diálogo histórico-literário com a Mitologia da saudade (1999) de Eduardo Lourenço” (pp. 115-130), que se propõe «compreender os sentidos auferidos por Lourenço no diálogo com algumas fontes medievais citadas ou não por ele, a fim de apreciar a pertinência do exame do ensaísta para o contexto tardo-medieval», e mobiliza referências que vão desde o período medievo até às eleição de Obama, sublinhando desta forma, também, a intuição da História como “suprema ficção”. Por isso, talvez uma das muitas e variadas lições que podemos encontrar no ensaísta seja a de aprender a Ler. 
(1) AAVV, Revista Letras, Patrícia da Silva CARDOSO, Antonio Augusto NERY, Marcelo SANDMANN (orgs.), Curitiba, n. 90, Jul. - Dez. 2014. Editora UFPR.
(2) http://leduardolourenco.blogspot.pt/2013/11/evento-em-curitiba.html
(3) http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/issue/view/1758

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Nous Sommes Tous Charlie*



A liberdade, sendo um direito, é antes de mais um acto. A liberdade do escritor, enquanto escritor, é pois antes de mais a de escrever: acto intransitivo, irredutível, que em nenhum caso pode ser rebaixado à natureza de simples meio ou instrumento, objecto de imposição ou coacção exterior, sob pena de deixar inexoravelmente de ser o que na sua essência é. Mas, sendo a escrita um acto, ela é-o tão só na medida em que se objectiva como traço impresso, quaisquer que sejam a matéria e a forma de expressão eleitas, actualizáveis com o tempo, supondo necessariamente o apelo a uma leitura: não existe liberdade de escrever sem liberdade de ler. Toda a história da luta dos escritores pela sua liberdade tem sido a luta pela liberdade dos leitores, emancipando-a das várias alienações a que vem sendo ancestralmente submetida: ideológicas, políticas, morais, sociais, económicas – numa palavra, das várias formas, institucionalizadas ou não, de poder.















*Texto escrito por Eduardo Lourenço e que também foi subscrito por José Augusto Seabra, Liberto Cruz, José-Augusto França, João Palma-Ferreira, Fernando Echevarria, Vergílio Ferreira, José Sasportes. Publicado em Suplemento Artes, Letras e Ciências de Expresso, Lisboa, 7/XII/1974, p. I.
A imagem é de autoria do ilustrador holandês Roben Oppenheimer e representa  o protesto contra os acontecimentos de ontem em Paris, ao qual Ler Eduardo Lourenço se pretende associar.