Disse um dia de Eduardo Lourenço que, mais do que o grande ensaísta ou o crítico maior da literatura portuguesa contemporânea ele é acima de tudo o amigo dos escritores portugueses. Os espíritos mais rasteiros vão ouvir nisto o que mais lhes agrada: sinais daquele compadrio com que ocupam o melhor dos seus ódios. Sejamos muito claros: nada de mais banal e desinteressante do que aqueles que gastam múltiplas energias na denúncia histérica dos grupos de pressão, das capelinhas, das seitas e conjuras, das conivências e cumplicidades. Eles são quase sempre o modelo mais acabado dos pequenos ditadores, Bretons fraldiqueiros, que estabelecem tiranias de gosto, impõem modelos de consagração, promovem e despromovem por razões ditas estéticas (mas às vezes tristemente pessoais...), proíbem, omitem e segregam. No fundo, alimentam-se da denúncia das baixezas que ajudam a sustentar pelo seu próprio exemplo e por essa mesma denúncia.
Quando falo, para falar de Eduardo Lourenço, de um princípio de amizade, não pretendo dizer que ele elogia os seus amigos (o que certamente lhe acontece, e ainda bem), mas precisamente outra coisa: que ele se aproxima sempre de uma obra literária, seja ela de quem for, como se a amizade fosse a forma privilegiada do conhecimento. Ninguém como Eduardo Lourenço consegue escrever sobre autores tão diferentes corno Fernando Namora ou José Saramago, Lídia Jorge ou Maria Gabriela Llansol, e dar-nos na escrita dos seus textos essa imagem de uma equidade generalizada: ser capaz de escutar e entender por dentro. Podemos discordar dos seus gostos como discordamos dos nossos próprios gostos depois de os termos tido e às vezes entusiasticamente defendido. Mas aprendemos sobretudo que o mais importante não é o gosto, personagem precária e falível da nossa vida cultural, arrimo de tenores mais ou menos desvalidos do jornalismo que temos, mas o movimento de aproximação de um texto em direcção a outro texto – de uma pessoa no caminho de outra.
*Eduardo Prado Coelho (Lisboa, 1944-2007), professor universitário e escritor.
O texto que agora se reproduz é um excerto de “Cinco pessoas que”, publicado na Revista do Expresso, Lisboa, 7/X/1989, p. 72.