Ana Navarro Pedro
O pouco que sei de Eduardo Lourenço não cabe no infinito das palavras, de tão singular e plural que é. Sei que não quer que lhe chamem Mestre: lê-se-lhe o desconsolo no olhar quando se vê assim colocado num pedestal. E sem ser um demolidor de pedestais, não são essas alturas que lhe interessam. É a descida aos Infernos da curiosidade que prefere.
Sei que “Passador de ideias” era capaz de convir à sua malícia auto-derisória, eternamente adolescente. “Passeur d’idées”: a expressão é brasão de quem anda a salto pelas fronteiras do Saber humano, a disseminar ideias, a rasgar horizontes. Assenta-lhe bem…em francês. Mas em português escoa-se prosaicamente por demasiados sentidos. O que não espanta: Eduardo Lourenço não se traduz a si mesmo. Não consegue! Nasceu numa língua e não se deu outra pátria.
O seu pensamento organiza-se com ritmos diferentes noutras prosódias. A inequívoca acentuação tónica francesa da última sílaba inspira-lhe na língua de Montaigne uma elegância de estilo e uma fluidez do discurso que dá ao pensamento mais exigente um cativante enlevo. Na paisagem sonora espanhola, percebe-se o desterro de uma expressão entravada, mas de onde se escapam notas inesperadas. Ouvi-lo a chicotear na língua de Cervantes revela uma têmpera de amador de reptos que o pensador refreia melhor noutras línguas.
Sei que lhe corre nas veias o lugar em que nasceu. Talvez por isso o pulsar do seu discurso em português é tão peculiar. Eduardo Lourenço vê em Portugal um país que é “uma ilha de si mesmo” e o assombro desse enigma nunca o deixou. Dessa ilha distanciou-se o necessário para soltar o olhar, mas nunca dela se desprendeu. E da perspectiva dessa ilha tem contemplado o interior, como o longínquo, com um pensamento estruturado por uma especificidade que transcende evidências imediatas e fronteiras temporais. As palavras não chegam para dizer Eduardo Lourenço, mas sei que uma palavra chega para lhe dizer tudo: obrigada.
Sei que “Passador de ideias” era capaz de convir à sua malícia auto-derisória, eternamente adolescente. “Passeur d’idées”: a expressão é brasão de quem anda a salto pelas fronteiras do Saber humano, a disseminar ideias, a rasgar horizontes. Assenta-lhe bem…em francês. Mas em português escoa-se prosaicamente por demasiados sentidos. O que não espanta: Eduardo Lourenço não se traduz a si mesmo. Não consegue! Nasceu numa língua e não se deu outra pátria.
O seu pensamento organiza-se com ritmos diferentes noutras prosódias. A inequívoca acentuação tónica francesa da última sílaba inspira-lhe na língua de Montaigne uma elegância de estilo e uma fluidez do discurso que dá ao pensamento mais exigente um cativante enlevo. Na paisagem sonora espanhola, percebe-se o desterro de uma expressão entravada, mas de onde se escapam notas inesperadas. Ouvi-lo a chicotear na língua de Cervantes revela uma têmpera de amador de reptos que o pensador refreia melhor noutras línguas.
Sei que lhe corre nas veias o lugar em que nasceu. Talvez por isso o pulsar do seu discurso em português é tão peculiar. Eduardo Lourenço vê em Portugal um país que é “uma ilha de si mesmo” e o assombro desse enigma nunca o deixou. Dessa ilha distanciou-se o necessário para soltar o olhar, mas nunca dela se desprendeu. E da perspectiva dessa ilha tem contemplado o interior, como o longínquo, com um pensamento estruturado por uma especificidade que transcende evidências imediatas e fronteiras temporais. As palavras não chegam para dizer Eduardo Lourenço, mas sei que uma palavra chega para lhe dizer tudo: obrigada.
* Ana Navarro Pedro, Jornalista.
Texto inédito gentilmente enviado pela Autora para Ler Eduardo Lourenço.