Pormenor de Diógenes
sentado em seu barril cercado por cães.
Jean-Léon Gérôme, 1860.
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1. O que é pensar, se nós não escolhemos o pensamento, mas é o pensamento que nos escolhe, que nos inventa?
2. Benjamin escreve – cito de cor – que as citações, na sua obra, são como salteadores que despojam o leitor das suas convicções. Também pensar é perder más convicções, mas para ganhar boas dúvidas. Estranhos salteadores generosos, que roubam menos do que oferecem.
3. Numa entrevista, Deleuze recorda a emoção, na juventude, de conhecer conceitos filosóficos: tão emocionante como seria, por exemplo, conhecer personagens de um romance, encarnadas. E pensar é isso também: encarnar conceitos em figuras, personagens em ideias. Por isso Kierkegaard é vizinho de Pessoa. Por isso pensar é um drama em gente.
3. Numa entrevista, Deleuze recorda a emoção, na juventude, de conhecer conceitos filosóficos: tão emocionante como seria, por exemplo, conhecer personagens de um romance, encarnadas. E pensar é isso também: encarnar conceitos em figuras, personagens em ideias. Por isso Kierkegaard é vizinho de Pessoa. Por isso pensar é um drama em gente.
4. Algumas personagens: o Nada, a psicanálise mítica, a esfinge da poesia, a existência.
5. É impossível pensar sozinho. Quando se pensa, há outros pensamentos em torno. Alguns dos mais assíduos têm nome (chamam-se, por exemplo, Platão, ou Kant, ou Pessoa), outros nem isso. Mas pensar é sempre encontro, homenagem, luta, combate com o anjo. Quando se pensa, é-se possuído.
6. Pensar também é trágico. Não na mecânica de cinco actos, e muito menos com deuses ex machina. O que é trágico no pensamento é a solidão paradoxal de quem fala entre tantas vozes e sabe que, entre as ruínas do já pensado, não há precedentes para o que pensa.
7. Uma frase de O Lugar do Anjo: «Comparada com a luta que se trava no coração da linguagem e que tem a linguagem mesma como objecto, toda a busca de sentido metafísico ou ontológico de Pessoa a respeito do eu, do mundo ou de Deus, é, de algum modo, secundária.» A luta no coração da linguagem é pensamento e escrita (nem há diferença entre pensamento e escrita). A linguagem é o palco, o gesto, a vítima sacrificial. Nem há lugar exterior. Só se pode abrir a porta, e usar uma lanterna que também é feita de palavras.
8. Noventa anos de tão intensa, fértil, corajosa procura, lanterna em punho, e a consciência clara de que tudo quanto se encontra é tão escrito quanto a própria lanterna.
9. E se não se pode pensar sozinho, então pensar é receber a luz do outro. Então pensar é amizade, partilha, livros lidos, e até estas pequenas palavras com que agradeço o pensamento a Eduardo Lourenço, no seu nonagésimo aniversário.
*Pedro Eiras
Professor de Literatura Portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Texto inédito gentilmente enviado pelo Autor para Ler Eduardo Lourenço.