Este homem a quem a Universidade portuguesa não tinha há trinta anos nada a oferecer senão um modesto lugar de assistente, deixando-o partir para uma carreira crescentemente prestigiosa em escolas estrangeiras, vingou-se bem e sem rancor: nenhum outro nome da nossa cultura haverá intervindo tanto, nem com tanta lucidez, simultaneamente no campo das ideias e no dia-a-dia da comunidade nacional, durante o último meio século.
Eduardo Lourenço (de Faria), beirão de S. Pedro do Rio Seco, concelho de Almeida, detesta que lhe chamem estrangeirado. Ele conservou sempre a límpida finura dos homens profundamente terrunhos, não perdendo de vista o lugar de origem. Ter-lhe-ia sido fácil, e porventura beneficioso, adquirir a nacionalidade francesa: entre 1960 e 1988, ao serviço das Universidades de Grenoble e mais tarde de Nice, correu tempo bastante para tal. Mas era pedir-lhe o impossível. Casado com uma francesa, Annie Salomon, praticamente desde 1954 que se reparte entre o Sul de França e o pequeno país padrasto de onde saiu já autor de um livro de 192 páginas, Heterodoxia I, tirado a 500 exemplares numerados e rubricados nas oficinas da Coimbra Editora.
Lá chegara – à cidade mitificada, ao curso com nota alta, à estreia como ensaísta – depois de fazer a escola primária na aldeia natal e o liceu na Guarda e no Colégio Militar. Menino da Luz foi-o por influência do pai, oficial do Exército, mas também, com toda a probabilidade, para aliviar o orçamento doméstico: Abílio de Faria e Maria de Jesus Lourenço tinham-se multiplicado numa família de sete filhos.
Curiosamente Eduardo Lourenço iria alinhar o universo castrense entre os seus temas de eleição, dedicando-lhe mesmo um inteiro volume, Os militares e o poder, em 1975, quando as Forças Armadas se tornaram subitamente – foi ele que o escreveu – «a questão da Nação».
*Fernando Assis Pacheco (Coimbra, 1937 - Lisboa, 1995), jornalista e escritor.
O texto que aqui se reproduz é um excerto de “Lourenço, ao findar do século”, publicado em O Jornal, Lisboa, 17/II/1989, p. 17.