quarta-feira, 15 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 33): Padre Manuel Antunes*


Padre Manuel Antunes

O jovem ensaísta E. Lourenço exerce uma crítica filosófica. Não sendo a ideal – crítica ideal só será a que se situe na integralidade – tal forma de crítica é contudo perfeitamente legítima. Legítima, porque todo o autor digno deste nome vive a sua mundividência, mundividência que é necessário conhecer e interpretar. Legítima, porque tende a atingir o núcleo duma personalidade agitada por uma problemática, enquanto outras formas se fixam, de preferência, em aspectos se­cundários, antecedentes ou consequentes. Legítima, porque vem a tom com os nossos tempos, tempos que viram a passagem do psicológico ao ontológico, do estético ao ético; tempos em que a nossa existência se vê ameaçada e o homem se pensa e se sente em termos de destino e de absoluto. Em França, por exemplo, a jovem crítica é predominantemente filosófica.

E a sua realização neste ensaio? E. L. é um crítico lúcido e penetrante, tem consciência da complexidade dos problemas e consegue, por vezes, dar-nos o seu pensamento em fórmulas de bela densidade. Desejaríamos, porém, (não entramos em pormenores de discordância) uma terminologia mais exacta e constante e uma ordenação mais rigorosa. Diremos o motivo do nosso desideratum.

Que entende o Autor por «desespero humanista de M. Torga»? O facto de o poeta de Penas do Purgatório, descrente de tudo, acreditar na Literatura (p. 10). Mas, sendo assim, logo o leitor atento poderá observar que não existe desespero algum humanista.

Viramos as páginas e eis que na 17 nos aparece um esboço de explicação: «Torga, acreditando na Literatura, descrê, por momentos – os mais frequentes, sem dúvida – da sua literatura». Avançamos na leitura e na página 28 já a palavra reveste um significado mais amplo e até diferente: «Designámo-lo de humanista por ser um desespero que voluntária ou involuntariamente reconhece os seus limites, dando-se como forma uma estrutura linguística e vocabular como um lugar definido no nosso mundo literário e, como conteúdo, uma vontade de esperar apesar de tudo».

Reconhece E. L. que há aqui talvez contradição mas é das «conaturais à espécie de existências onde as podemos verificar». Não. A contradição é do crítico e a ambiguidade é do poeta. Porque logo aquele nos fala dos momentos alternativos de esperança e desespero (com a presença mais insistente destes) nos campos pessoal, histórico, político e religioso.

Na economia do conjunto seria de desejar uma ordem mais ou menos assim: análise fenomenológica ou, ao menos, definição de desespero humanista. Como se exprime em M. Torga: a comunidade e a diferença entre o desespero humanista e o das novas gerações.


* Padre Manuel Antunes (Sertã, 1918 - Lisboa, 1985)
Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ensaísta.
O texto que aqui se reproduz foi inicialmente publicado com o título “Eduardo Lourenço. O Desespero Humanista de Miguel Torga e das Novas Gerações”, Brotéria, nº 61, 1955, pp. 112-113, tendo mais tarde sido reimpresso em  Obra Completa, Tomo V, Vol. II, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, pp. 384-385.