quarta-feira, 1 de maio de 2013

Pensar Nove Décadas de Amizade (nº 2): Jorge de Sena*





Jorge de Sena


1 de Dezembro, domingo [1968]
Levantei-me às 6,30, para ter tempo de me arranjar, pagar o hotel [em Roma], e arrastar a mala até à estação, de onde mandei um telegrama ao Lou­renço, com a hora da chegada. Parti no comboio das 8,20 para Pisa. A viagem, com os montes cobertos de neve, e depois o mar, é belíssima. Mas, de Pisa a Génova, é um deslumbramento, entre túneis, baías, os Alpes Apeninos... De Génova para diante, era noite, e não vi: mas o que havia de dia permitiu-me fazer uma ideia de Génova, cidade imensa, alcandorando-se hoje pelas montanhas acima. Cheguei a Pisa às 11,15, e fui ver o Duomo, Baptistério, Campo Santo (frescos lindíssimos, muito estragados), e a Torre inclinada limitei-me a contemplá-la. Entrei ainda em duas outras igrejas, vi o Palácio dos Cavaleiros, tentei almoçar num restaurante onde, com o movimento dominical de famílias e “comenda­tores”, só consegui comer a sopa, e embarquei para Nice (por Livorno, Spyria, Génova) às 13,50. E cheguei às 9 da noite. Estava a mulher do Eduardo à minha espera, porque ele está de cama com uma hemorragia nasal. Trouxe-me de automóvel e estou instalado em casa deles. Como jantara um jantar volante no comboio, limitei-me a matar saudades do meu chá de “menthe”, enquanto falámos ininterruptamente durante duas horas. Gostei muito de Pisa (o Duomo e anexos), e a cidade com o Arno pelo meio tem muito interesse. Estou exausto, é meia-noite. Afinal, depois do dia de ontem eu dormi cinco horas, e, com Pisa a pé pelo meio, cheguei de Roma: dez horas de comboio, ao todo.

2 de Dezembro, 2.ª feira, e 3 de Dezembro, 3.ª feira [1968]

Perdi a manhã toda, no que a Nice respeita, na conversa com o Lourenço, e almocei com eles. Depois do almoço, ele foi ao médico tirar o penso do nariz, passámos na estação para comprar couchette para Paris, e já anoitecia quando de automóvel me levaram a dar uma volta pela baía e até Cap Ferrat que tudo achei lindíssimo, mas muito Estoril demais (ou vice-versa). O velho Nice não vi, é claro, e D. Brites nicles. Como sempre, onde tenho amigos não vejo nada ou quase nada – ou não faço o que preciso, para ver alguma coisa. Jantei em casa deles, e largaram-me na estação para o comboio das 8 que 12 horas depois me depunha na Gare de Lyon.





* Jorge de Sena (Lisboa, 1919 - Santa Barbara, Califórnia, 1978), escritor.
O texto que aqui se reproduz foi publicado inicialmente em  Diários, Porto, Edições Caixotim, 2004, pp. 243-244.