Ler Eduardo Lourenço despede-se de 2011 e dos seus visitantes com a publicação de um video, dividido em cinco capítulos, que reproduz a sessão de apresentação de Heterodoxias realizada na Universidade de Évora no passado dia 5. Em Janeiro próximo o projecto científico da edição das Obras Completas de Eduardo Lourenço regressará à blogosfera num novo formato. Até lá, Ler Eduardo Lourenço deseja a todos umas Festas muito Felizes e um Excelente 2012!
Blog do Projecto Edição Obras Completas de Eduardo Lourenço(www.eduardolourenco.uevora.pt), financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e a funcionar, desde Julho de 2010, na Universidade de Évora. Toda a colaboração é bem-vinda(eduardolourenco@uevora.pt).
domingo, 25 de dezembro de 2011
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Lembrando o lançamento de Heterodoxias na Gulbenkian
Para todos aqueles que não tiveram oportunidade de estar presentes, aqui ficam excertos da sessão de lançamento de Heterodoxias, I volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço, realizada no passado dia 2, no âmbito da Festa dos Livros da Fundação Calouste Gulbenkian. No evento intervieram Eduardo Marçal Grilo, administrador da Fundação, João Tiago Pedroso de Lima, um dos coordenadores científicos do projecto da edição das Obras Completas, e o próprio Eduardo Lourenço. Brevemente, Ler Eduardo Lourenço irá partilhar com os seus leitores a versão integral da apresentação, em Évora.
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A música é o canto do nosso próprio inconsciente
Capa de um livro de Pierre Boulez de que havia um exemplar na biblioteca da casa de Vence de Eduardo Lourenço
Por ocasião da atribuição do Prémio Pessoa, Eduardo Lourenço anuncia que brevemente editará uma nova obra intitulada Tempo da Música, Música do Tempo. «A música e a poesia foram uma espécie de companhia. A música é o canto do nosso próprio inconsciente», afirmou. O volume, a editar pela Gradiva, constitui uma parte do trabalho levado a cabo por Barbara Aniello no âmbito do projecto das Obras Completas e que consistiu na recolha e transcrição de um vasto conjunto de anotações manuscritas realizadas pelo ensaísta nas suas célebres e minúsculas agendas.
Para evocar o anúncio de mais este livro, com saída prevista para os primeiros meses de 2012, Ler Eduardo Lourenço gostaria de partilhar com os seus leitores dois Fragmentos de um diário inédito, escritos em Montpellier em 1956 e editados com selecção do próprio Autor (Prelo, Lisboa, número especial, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Maio de 1984, pp. 115-126). Não se trata de referências musicais específicas, ainda que sejam profícuas ao longo da sua obra. Nestes excertos, como noutros, música, silêncio, ou poesia, estão presentes no pensamento do Autor enquanto referências paradigmáticas. É com essas coordenadas que se olha o real, de forma a questionar o que o transcende e simultaneamente o funda. De certa maneira, com estas coordenadas é possível entrever o quadro singular do pensamento metafísico de Eduardo Lourenço. «Nós somos fundamentalmente Tempo», escreve em Tempo e Poesia e de diversas maneiras ao longo da sua obra. É desse modo que o próprio acto de escrita se faz uma espécie de andamento, a meio caminho entre a palavra e o silêncio, procurando reunir o que está disperso. É esse também o lugar da Poesia, onde o Autor, como chefe de orquestra, nos conduz.
«Montpellier, 18 Outubro 56. Queixamo-nos do silêncio do mundo. Sem razão. O universo é uma palavra viva e é o sussurro da sua voz que torna a nossa fala um lago de silêncio. Como no começo tudo pronuncia no mundo o seu ser único. O sol é a mais luminosa das nossas palavras, o carvão e a noite as mais obscuras. Cada uma das realidades que nos olham é mais falante que o eco enfraquecido com que nós nos entretemos a nós mesmos dessa conversação fabulosa de todas as coisas connosco.»
«Montpellier, 4 Dezembro 56. Não nasci senão para ver e ouvir. O resto é superior às minhas forças e aos meus dons. O rio branco da preguiça estava correndo antes de eu nascer, não seria eu que o levaria ao mar. O meu gosto é seguir-lhe as margens, cortar rodelas de sabugueiro e correr atrás delas, como em garoto, deslumbrado pela música luminosa da corrente.»
Para evocar o anúncio de mais este livro, com saída prevista para os primeiros meses de 2012, Ler Eduardo Lourenço gostaria de partilhar com os seus leitores dois Fragmentos de um diário inédito, escritos em Montpellier em 1956 e editados com selecção do próprio Autor (Prelo, Lisboa, número especial, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Maio de 1984, pp. 115-126). Não se trata de referências musicais específicas, ainda que sejam profícuas ao longo da sua obra. Nestes excertos, como noutros, música, silêncio, ou poesia, estão presentes no pensamento do Autor enquanto referências paradigmáticas. É com essas coordenadas que se olha o real, de forma a questionar o que o transcende e simultaneamente o funda. De certa maneira, com estas coordenadas é possível entrever o quadro singular do pensamento metafísico de Eduardo Lourenço. «Nós somos fundamentalmente Tempo», escreve em Tempo e Poesia e de diversas maneiras ao longo da sua obra. É desse modo que o próprio acto de escrita se faz uma espécie de andamento, a meio caminho entre a palavra e o silêncio, procurando reunir o que está disperso. É esse também o lugar da Poesia, onde o Autor, como chefe de orquestra, nos conduz.
«Montpellier, 18 Outubro 56. Queixamo-nos do silêncio do mundo. Sem razão. O universo é uma palavra viva e é o sussurro da sua voz que torna a nossa fala um lago de silêncio. Como no começo tudo pronuncia no mundo o seu ser único. O sol é a mais luminosa das nossas palavras, o carvão e a noite as mais obscuras. Cada uma das realidades que nos olham é mais falante que o eco enfraquecido com que nós nos entretemos a nós mesmos dessa conversação fabulosa de todas as coisas connosco.»
«Montpellier, 4 Dezembro 56. Não nasci senão para ver e ouvir. O resto é superior às minhas forças e aos meus dons. O rio branco da preguiça estava correndo antes de eu nascer, não seria eu que o levaria ao mar. O meu gosto é seguir-lhe as margens, cortar rodelas de sabugueiro e correr atrás delas, como em garoto, deslumbrado pela música luminosa da corrente.»
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Recortes de Imprensa
Expresso, capa de 17/XII/2011
Correio da Manhã, 17/XII/2011, p. 42
Diário de Notícias, 17/XII/2011, p. 40
Expresso, 17/XII/2011, p. 3
Recensão Crítica a Heterodoxias por António Guerreiro, Revista ACTUAL de Expresso, 17/XII/2011, p. 30
i, 17/XII/2011, p. 25
Jornal de Notícias, 17/XII/2011, p. 44
Público, 17/XII/2011, p. 6
Público, 18/XII/2011, p. 2
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Prémio Pessoa 2011 ou a ideia de que o literário nunca é apenas literário!
É com certeza um dos prémios que se reveste de maior importância simbólica para Eduardo Lourenço. De facto, se o Prémio Camões (1996) , o galardão mais importante de toda a literatura em língua portuguesa, o Prémio Vergílio Ferreira (Universidade de Évora, 2001) ou até o Prémio António Sérgio no já longínquo ano de 1992 constituiram distinções que muito sensibilizaram o ensaísta, não restam dúvidas de que Fernando Pessoa é o autor com quem Eduardo Lourenço tem mantido desde há largos anos (registe-se que, em Heterodoxia I, publicada em 1949, há já uma referência explícita ao poeta de Ode Marítima) um permanente e inacabado diálogo. De Pessoa terá Eduardo Lourenço retirado múltiplas lições, a menor das quais não será certamente a ideia de o literário nunca é apenas literário.
Ler Eduardo Lourenço não poderia deixar passar em claro este feliz acontecimento e por isso transcreve em seguida um excerto de uma entrevista realizada há largos anos pela jornalista Inês Pedrosa e publicada no Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, 6/XII/1986, pp. 2-6. Para além do interesse das declarações do ensaísta sobre Fernando Pessoa, Ler Eduardo Lourenço recorda que Inês Pedrosa é, hoje, a directora da Casa Fernando Pessoa em Lisboa.
Ler Eduardo Lourenço não poderia deixar passar em claro este feliz acontecimento e por isso transcreve em seguida um excerto de uma entrevista realizada há largos anos pela jornalista Inês Pedrosa e publicada no Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, 6/XII/1986, pp. 2-6. Para além do interesse das declarações do ensaísta sobre Fernando Pessoa, Ler Eduardo Lourenço recorda que Inês Pedrosa é, hoje, a directora da Casa Fernando Pessoa em Lisboa.
Mário Soares e Francisco Pinto Balsemão membros do Júri do Prémio Pessoa
(foto Expresso)
«Jornal de Letras – Eduardo Prado Coelho escreveu que Fernando, Rei da Nossa Baviera se pode, e deve, ler como um romance, afirmação que eu subscrevo inteiramente. Concorda?
Eduardo Lourenço – Bom, cada um faz os romances que pode... Naturalmente, o que eu queria fazer era um romance, um verdadeiro romance. De maneira que aquilo que há em mim de imaginativo, ou de imaginante, possivelmente se transfere para essa esfera de ordem crítica, em que os autores servem ao mesmo tempo de objecto de estudo no sentido tradicional e de objecto de projecção. Lembro-me de o meu amigo Carlos de Oliveira me dizer, a propósito do Pessoa Revisitado, que não sabia se aquilo correspondia realmente ao Fernando Pessoa, mas que aquilo tinha muito a ver comigo. Quer isto dizer que, já no Pessoa Revisitado, alguém que me conhecia tão bem como o Carlos de Oliveira pensava que era o meu romance.
(...) A mitologia de Fernando Pessoa comporta dois aspectos diferentes. Fernando Pessoa torna-se emblemático numa perspectiva nacionalista clássica, mesmo se isto corresponde a uma leitura não muito certa de Mensagem. Mas, em todo o caso, há um suporte para que Pessoa se tenha tornado um emblema de um novo sonho de Portugal, numa altura em que Portugal não tem perspectivas realistas de instituir uma imagem positiva de próprio que seja grata ao sonho português de ter sido um grande país. Portanto, a Mensagem vai ser lida como uma espécie de Lusíadas do século vinte, quando, em última análise, ela é anti-Lusíadas.
P. – Anti-Lusíadas em que sentido?
R. – Ela é anti-Lusíadas porque Os Lusíadas são um poema escrito sobre uma acção real, a exaltação de um facto real de importância nacional. E a Mensagem é um poema puramente onírico. Onírico, antes de mais em relação ao passado, porque todos os heróis ou figuras emblemáticas de Mensagem são símbolos de maneiras de estar no mundo e de representar o ser português ideal, mais do que personagens que agiram na História desta ou daquela maneira. Por outro lado, o livro termina com a constatação de que o presente de Portugal é um presente de Hora Zero, a partir do qual tem que haver uma espécie de renversement. Portanto, não tem muito a ver com Os Lusíadas. Só tem a ver na medida em que, na ordem do imaginário de Fernando Pessoa, Mensagem se destina a substituir Os Lusíadas, porque Os Lusíadas já não funcionam para o Portugal que existe. Portugal agora tem mais Sonho que Realidade: o poema da realidade está cumprido, já está no passado. No espírito de Fernando Pessoa, Os Lusíadas são definitivamente reenviados para o Passado com Mensagem – por isso mesmo ele se quer Super-Camões, o que quer dizer que ele integra a obra de Camões e a supera. A esse título, a pouco e pouco, foi sendo tomado à letra, e o Fernando Pessoa tornou-se o novo Camões.
P. – Mas, no fundo, não procura Fernando Pessoa uma Ilha dos Amores, como n’ Os Lusíadas?
R. – Dos Amores não direi, porque em matéria de amores o Fernando Pessoa não tinha exactamente o mesmo tipo de perspectiva de Camões. Aparentemente, pelo menos, porque o Jorge de Sena insinua que sim. Mas a habitual mitologia amorosa e erótica construída em volta de Camões é a do homem das diversas chamas, diversos amores, entendendo-se por esses amores, em princípio, amores femininos. Ora, Fernando Pessoa não parece ter ardido em nenhuma chama de amor, mas na chama do Não-Amor. O que há menos em Fernando Pessoa é a mulher. Portanto, é uma experiência extremamente dolorosa, mais dolorosa do que a da paixão de amor, correspondida ou não-correspondida.
P. – Terá Pessoa sido de facto, como diz Eduardo Lourenço, um abandonado de amor? E porque não um voluntário auto-excluído por demasiado consciente?
R. – Pouco me importam quais tenham sido as razões de ordem genealógica, psíquica ou psicanalítica. Essa ferida está inscrita nos poemas. As causas podem-se discutir indefinidamente. Não há dúvida de que a interpretação que ele, Fernando Pessoa, dá, sobretudo agora através das páginas mais precisas do Livro do Desassossego, é a dessa orfandade real, mítica. Mítica, porque a mãe existiu até 1925. A mãe não o parece ter desamado no sentido literal do termo. Mas ele é que viveu essa não-presença efectiva, importante, da sua adolescência. Pessoa está em Portugal e a mãe está fora; ou então foi o segundo casamento dela que o marcou, como João Gaspar Simões foca. De qualquer modo, essa ideia de se representar a si próprio, num dos seus semi-heterónimos, como alguém a quem a mãe morreu, quando a mãe dele está viva, significa que ele se autopsicanalisou antes da psicanálise existir. Portanto, a realidade erótica de Fernando Pessoa não me parece ser do mesmo estilo da que conhecemos para o Camões, embora nós não conheçamos muita coisa do Camões, afinal de contas não conhecemos nada. Não sabemos se essa espécie de don juanismo de Camões não será do mesmo estilo a que eu chamo o Não-Amor do Fernando Pessoa... Afinal, trata-se de uma espécie de impossibilidade permanente de Camões de aderir a um amor real. Inventaram-se musas diversas para justificar esses poemas. Mas pode ser simplesmente um trabalho onírico hiperpetrarquiano, sem suporte concreto.
P. – E já estamos a entrar na irresolúvel questão das sinceridades versus autenticidade...
R – ... que é uma questão que não tem verdadeiramente sentido na ordem da escrita, do ficcional e do poético. É uma questão de nível psicológico ou psíquico. O que importa é o texto.
P. – O professor Eduardo Lourenço repete isso várias vezes ao longo deste livro, mas depois diz assim, taxativamente: «O autor da Tabacaria e dos fragmentos de Ode à Noite não foi especialmente vocacionado para o que chamamos felicidade.»
R. – Nós aprendemos isso lendo-o. Mas o facto de Pessoa não ser vocacionado para a felicidade também não é uma originalidade em absoluto. Praticamente toda a nossa lírica é uma glosa do desejo insatisfeito. Possivelmente, toda a lírica o é. Por conseguinte, essa insatisfação não corresponde àquilo que de uma maneira geral se chama um destino vocacionado para uma certa normalidade, uma certa felicidade. Agora se me pergunta o que é ser-se vocacionado para a felicidade... Bom... Certas pessoas vivem a sua relação com a existência, com os outros, com o mundo, de uma maneira mais harmoniosa do que outros. Pertencem a essa espécie de animais felizes que dizem «qu’ils sont bien dans leur peau». Há o caso de um político proeminente que diz «qu’il se sent bien dans sa peau»... E afinal é isso o normal, no fundo toda a gente nasce para estar bem dans sa peau. O que deveria ser considerado anormal é que as pessoas não se sintam bem naquilo que são. E aqueles que ressentem essa fractura interna, com mais profundidade são os poetas, os criadores. Sobretudo os poetas da Modernidade. Porque houve outras épocas em que os criadores não parecem ter tido necessidade de se sentirem particularmente infelizes para serem criativos. Não temos a ideia de que Bach tivesse tido uma existência particularmente infeliz, mas o Bach pertence à idade clássica ou neoclássica da Modernidade. Depois vem essa idade a que podemos chamar Idade de Depressão, em todo o sentido do termo – depressão histórica, depressão por uma contradição profunda entre o tipo de existência que o homem moderno se fabricou, aquilo a que chamámos Romantismo. Os românticos sentem a obrigação de ser infelizes, mesmo que sejam extremamente felizes.
P. – Nesse sentido, Fernando Pessoa é o puro romântico.
R. – Ele próprio o diz. Se ele não fosse romântico, o que é que nós seríamos? Pessoa é, possivelmente com o Pascoaes, o nosso maior romântico.
P. – E simbolista, e só aparentemente modernista.
R. – A minha relação com Fernando Pessoa tem já muitos anos e muita reflexão. E, embora isso esteja anunciado nos textos mais antigos como uma hipótese, o que cada vez me parece mais relevante é o facto de que nós nos enganámos todos; na leitura, fizemos da excepção a anormalidade do caso Fernando Pessoa. E a excepção é a sua estridência modernista, que foi um momento extremamente breve na sua produção, após o qual ele regressou imediatamente aos seus antigos demónios. E o seu demónio é o demónio simbolista. É uma visão da existência sobre o fundo do nevoeiro, da ausência, do vago. O que não é vago é a escrita dele, mesmo quando ele é simbolista. O Marinheiro, mesmo nas suas passagens mais ultra-simbolistas, é de uma luminosidade que não tem comparação nenhuma na literatura portuguesa, e poucas em qualquer literatura. E o que Pessoa está ali a glosar é a Ausência da Ausência da Ausência. E essa Ausência é presente no texto, de uma maneira muito forte.
P. – Assim como os heterónimos seriam a glosa de uma heteronomia mais funda. E a originalidade de Pessoa estaria…
R. – ...no facto de ele ser um carrefour, um cruzamento das várias possibilidades de se ser moderno, desde os fins do século dezanove aos princípios do século vinte. Fernando Pessoa é modernista no sentido mais profundo da consciência daquilo que é a ausência da Modernidade, ou seja, da morte de Deus, da perda de um Sentido para uma História que até então tinha Sentido. A própria criação do conceito de História em termos modernos visa recuperar um Sentido que tinha sido perdido em termos teleológicos. Ao mesmo tempo, Fernando Pessoa é profundamente antimodernista a todos os níveis. Não se tem notado muito, mas a aprendizagem de Fernando Pessoa foi extremamente clássica, como clássica era a poesia inglesa de que ele mais gostava – incluindo os românticos, que ao nível da escrita eram perfeitamente clássicos, fascinados pela Grécia. Portanto, no imaginário de Pessoa, a Idade de Ouro da Humanidade é a Grécia; não a Grécia de Nietzsche, mas a Grécia de Winckelmann, a Grécia de Goethe. O Modernismo é o facto de ele querer apanhar todos os comboios, de não ser ninguém e por isso estar disponível...
P. – Só marginalmente o seu interesse por Pessoa parece literário...
R. – O literário é que para mim nunca foi apenas literário. Foi isso o que me começou a separar, a nível teórico, da perspectiva crítica clássica da geração anterior à minha, que era a da Presença. Fundamentalmente, Régio por um lado. Simões do outro, porque sempre me considerei mais próximo do Casais Monteiro, naturalmente por ambos termos sido alunos de Filosofia. Para mim, a literatura é a expressão de alguma coisa mais, que no fundo não tem nome.
P. – Se bem entendo, o seu entusiasmo pelo que de indizível há na Literatura, partiu da constatação de que a Filosofia conduz a categorias, absolutos, enquanto que na ficção pura se recupera um sentido que discurso algum com pretensão à objectividade pode alcançar.
R. – Em última análise, eu também não faria uma distinção tão tranchante entre aquilo de que a Filosofia é a manifestação exterior e a Poesia. As duas têm a mesma fonte, a resposta é que é diferente.
Como diz Platão, o que determina o desejo de filosofar é o espanto diante da realidade. Esse espanto interroga-se a si próprio e pede uma resposta. Essa resposta articulada pela norma ocidental chama-se, em geral, Filosofia. Esse espanto liricamente expresso, sem a preocupação de uma resposta, aberto, é Poesia. Mas as primeiras formas de Filosofia exprimiam-se de forma poética. Parménides é um poema. No fundo, todo o poeta persegue sob a forma do onírico o mesmo desejo de entrar em contacto com qualquer coisa que engloba o Sentido geral da sua própria experiência.
P. – E disso terá tido consciência Pessoa, como ninguém em Portugal.
R. – Sim, Pessoa até é um caso curioso, porque demonstrou um interesse intenso pela Filosofia no sentido de disciplina... Possivelmente quis fazer um curso de Filosofia, vemos isso através dos numerosos extractos dos livros que ele lia. Nesse sentido, Fernando Pessoa pertence igualmente a uma maneira clássica de encarar a Filosofia. A Filosofia devia dar-lhe a resposta à interrogação última, devia dar-lhe, em termos racionais, o Absoluto. E porque ela não lha dá, ele fractura-se espiritualmente, psiquicamente, abdica da ideia de encontrar uma Filosofia que resuma o mistério do Universo e compreende que esse é um ideal inexequível e que há maneiras diversas de se aproximar desse Absoluto. Pessoa compreende que o Absoluto é um mito e que não há senão uma pluralidade de caminhos, todos com a mesma possibilidade de serem essa Verdade que não existe.
P. – Coisa engraçada neste seu livro é que quando Eduardo Lourenço já está muito embrenhado em Fernando Pessoa, às tantas pára e diz mais ou menos, isto: «Atenção, que o Fernando Pessoal é muito complicado». Neste livro e nos outros, aliás. Normalmente, a orientação dos ensaios pessoanos é a contrária: fazer-nos ver que, afinal, Fernando Pessoa se explica...
R. – Isso é porque eu penso que não se pode dar-lhe a volta.
P. – Nem quer dar-lhe a volta...
R. – Sim, eu também não quero dar-lhe a volta. Não é possível, porque Pessoa já dá a volta possível a si mesmo. O texto de Pessoa é um autotexto, um texto sobre o próprio texto. E essa é a novidade que não existia na poesia anterior. Nem mesmo naquela que disso se poderia aproximar, pelo seu desejo de interrogar a Esfinge até ao último limite, como a de Antero. Mas Antero não tem esse olhar triplo, em que não há possibilidade de parar em parte nenhuma.
É por isso que desconfio de toda a gente que me vem dizer que Fernando Pessoa foi isto ou aquilo... Eu não sou capaz de dizer o que é que Fernando Pessoa foi.
P. – Cada vez mais incapaz?
R. – Cada vez mais. E, no entanto, gostaria que, lendo-me, as pessoas tivessem o sentimento de que, nessa renúncia a uma imagem completa, eu estou mais próximo do Pessoa do que um outro tipo de discurso que quereria dissolvê-lo. Exactamente dissolvê-lo.»
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Nos cem anos da Universidade do Porto
Desde o início que Ler Eduardo Lourenço procura ser um espaço de encontro de leituras sobre a figura e a obra do ensaísta. Aproveitando as facilidades tecnológicos dos tempos de hoje, Ler Eduardo Lourenço assumiu sempre o conceito de leitura numa acepção mais ampla do que a habitual. Ou seja, assim entendido o conceito, ler passa a poder ser tanto ler um texto escrito, como observar uma imagem, ouvir um discurso oral ou até ver um filme. É o caso de hoje em que se remete o leitor para o video da intervenção de Eduardo Lourenço na sessão comemorativa dos cem anos da Universidade do Porto, realizada em 22 de Março passado e cujo link, com a devida vénia, aqui se indica.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Marx: equívocos & grandeza
A muito recente publicação de um não menos interessante ensaio* de Sousa Dias sobre a actualidade do pensamento de Marx (e, registe-se, o modo como esse próprio conceito de actual é pensado é, ele mesmo, inovador) convida Ler Eduardo Lourenço a revisitar um aspecto relacionado com Heterodoxia I que merece agora uma menção. Como se sabe, grande parte do primeiro livro de Eduardo Lourenço, publicado em 1949 e muito por culpa de Miguel Torga (que, como Eduardo Lourenço há dias o reconheceu em Lisboa, durante o lançamento de Heterodoxias, foi decisivo até pelos contactos que tinha junto da Coimbra Editora), é constituído por uma nova versão de O Sentido da Dialéctica no Idealismo Absoluto. Primeira Parte, texto da Dissertação de Licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, três anos antes. Em Heterodoxia I, o texto também recebe um novo título, passando agora a chamar-se “O Segredo de Hegel ou o Equívoco da Dialéctica”. No entanto, as alterações não ficam por aí. Assim, para além da significativa alusão a Kierkegaard, feita por Eduardo Lourenço quando explica o carácter meta-problemático da existência humana, e que não constava no texto dactilografado da Dissertação, surgem em “O Segredo de Hegel ou o Equívoco da Dialéctica” seis novas páginas dedicadas às semelhanças e diferenças entre as concepções hegeliana e marxista de dialéctica. Como se pode ver na imagem seguinte, as duas primeiras páginas de Dissertação não incluem qualquer referência ao materialismo dialéctico.
Reprodução das duas primeiras páginas de O Sentido da Dialéctica no Idealismo Absoluto. Primeira Parte
(texto dactilografado de 1946)
Ler Eduardo Lourenço recorda que, há largos anos (e de certa forma sugestionado pelo episódio já aqui evocado neste blog no post com o título “Miranda Barbosa, Carlos de Oliveira e ... Marx”, publicado em Maio passado ), interrogou o ensaísta acerca da diferença entre as duas versões do mesmo texto. Por que motivo em Heterodoxia I aparecia uma nova redacção deste ensaio? Teria havido, por parte do jovem estudante coimbrão, receio de incluir num trabalho académico referências, mesmo que de teor crítico, a um filósofo maldito na Universidade portuguesa dos anos 40? A resposta de Eduardo Lourenço foi desconcertante, mas, ao mesmo tempo, perfeitamente lógica. Prosaicamente lógica, mesmo. «Não, a razão pela qual na minha tese não surgem essas alusões [à dialéctica marxista] tem a ver apenas com o facto de, em 1946, eu ainda não conhecer suficientemente o pensamento de Marx». Ou seja, certamente motivado por conversas com os seus colegas e amigos neo-realistas, Eduardo Lourenço fez novas leituras e daí resultou a introdução de uma parte significativa do capítulo mais extenso do seu primeiro livro. Como se pode ler na transcrição que a seguir se apresenta (e que respeita o texto fixado para a edição do primeiro volume das Obras Completas), “O Segredo de Hegel ou o Equívoco da Dialéctica” é um texto que, embora respeite as intuições fundamentais de Dissertação de 1946, ficou notoriamente enriquecido com as reflexões que Eduardo Lourenço fez entretanto.
«O idealismo absoluto e a dialéctica que o articula e percorre como eterno movimento da Ideia, que, sendo a realidade total, solicita desde dentro as suas próprias contradições e desde dentro as concilia, superando-as, representam a tentativa mais perfeita que a filosofia realizou para conceber o pensamento como forma absoluta do existente. A verdade é transmutada “dialecticamente” no devir do pensamento, encerrando este, naquela, como em Hegel, ou então, transportando aquela neste, como em Gentile. Toda a verdade é devir do pensamento, para Hegel. Todo o devir do pensamento é verdade, para Gentile. Verum et factum convertuntur. Num caso e no outro, as duas doutrinas postulam logicamente a negação de toda a transcendência, com um rigor e uma coerência de que a história não oferece exemplo segundo.
Sob uma tal assimilação do plano da História ao da eternidade, do indivíduo ao absoluto, sob tal divinização, pelo menos aparente, conservará a consciência do homem algum significado compreensível? Nesta integração perfeita do processo e dos actos nos valores, guardarão algum sentido as distinções do verdadeiro e do falso, do bem e do mal?
Antes das considerações estritamente lógicas e metafísicas sobre o idealismo e a dialéctica, detenhamo-nos um pouco sobre a significação existencial, implicada na afirmação da imanência absoluta.
O idealismo deu-lhe uma tonalidade violenta e isso pode parecer a muitos o sinal duma absoluta novidade. De facto, representa o termo lógico dum processo que começou com o próprio pensamento e não consiste noutra coisa do que na expressão rigorosa duma das virtualidades limites do pensamento humano. A outra virtualidade limite é inversa e residirá num tipo de explicação em que o pensamento figure como realidade absolutamente segunda em relação à realidade primeira do universo, que será então radicalmente diversa do pensamento: será matéria. Tanto o primeiro como o segundo tipo de explicação têm um fundo comum: ambos se apresentam com a pretensão a explicações absolutas do real. Ambos manifestam a mesma crença nas possibilidades da razão como órgão do Absoluto. Por isso mesmo, embora o Absoluto seja diverso, o processo explicativo desse Absoluto, a sua manifestação temporal ou, usando um termo hegeliano, a sua fenomenologização, obedece às mesmas leis lógicas fundamentais. E, sendo assim, a crítica à forma lógica que esse processo apresenta, isto é, à dialéctica, é exactamente a mesma, quer se trate de Hegel, quer se trate de Marx.
A diferença é de ponto de partida mas é de tal sorte que no domínio metafísico marca a incomparável superioridade do ponto de vista hegeliano sobre o marxista. Enquanto é aceitável para a inteligência, poder supor que o absoluto concebido como Espírito, como Consciência Absoluta, suscite em si próprio um processo de progressão e de manifestação, susceptível de ser interpretado lógica e racionalmente, torna-se ininteligível a admissão dum Absoluto material, duma Inconsciência, manifestando-se não se sabe porquê numa forma igualmente lógica e racional.
Esta, e apenas esta, é a razão por que a quase totalidade dos filósofos responsáveis do Ocidente ou do Oriente (Lossky e Simon Frank) não aceitam o materialismo dialéctico, embora possam aceitar sem repugnância o materialismo puro e simples. É cómodo para os teóricos marxistas tentar fazer crer que a recusa do materialismo dialéctico assenta unicamente numa condição de classe que torna improvável (para dar razão à teoria) que esses filósofos, ou autores de história da filosofia, possam compreender o marxismo ou dar ao materialismo dialéctico o lugar de honra e (único) que segundo eles lhe competiria na história da cultura humana. Esquecem que o homem europeu autêntico fez da confissão do verdadeiro a sua carta de liberdade e que jamais, fosse rei, bispo, sacerdote, general ou professor, isso o impediu em absoluto de dizer que o preto é preto e o branco é branco. Tenha tido necessidade para isso de deixar de ser rei, bispo, general ou professor. Esta é a prova histórica de que o reconhecimento da verdade é independente das condições de classe, pela razão simples de que, se é relativamente justo afirmar que o homem pertence sempre a uma classe, não o é em absoluto, porque a classe não esgota o homem. Se o homem se pode voltar contra a sua classe de origem (e os exemplos não têm fim) isso significa que o homem transcende a classe.
Seria ridículo insistir nesta evidência, se não fosse uma realidade espantosa a existência histórica duma mentalidade que a nega e cujos movimentos podem decidir do destino próximo da humanidade. O mito da classe (esquema abstracto e simplista, embora adequado para exprimir um tipo justo de relação, a relação homem-economia e só esta) tornou-se tão avassalador que mesmo muitos daqueles que não podem aceitar todas as consequências da dialéctica marxista (Sartre e Merleau-Ponty, por exemplo [Cf. Qu’est-ce que la littérature? e Humanisme et terreur, de Sartre e Merleau-Ponty, respectivamente.]) temem rejeitar o esquema absoluto da luta de classes e servem-se nas suas análises duma maneira pouco coerente duma divisão que essas mesmas análises deviam destruir.
O motivo é visível. Negando a realidade da divisão em classes como mundos destinados a uma luta mortal e cujos universos interiores seriam tão irredutíveis como o do tigre que tem fome e o da gazela gorda que se lhe atravessa no caminho, temem destruir o espírito de justiça, o espírito revolucionário que segundo eles seria inseparável da admissão desse conflito e dessa divisão. Temem, em resumo, ser apodados de reaccionários, para usarmos a gíria corrente nas discussões políticas.
Parece-nos uma dialéctica sofística, uma maneira abusiva de tomar a parte pelo todo. Pode admitir-se o esquema da divisão radical das classes (e mesmo essa meramente histórica) sobre o plano em que ela é válida, isto é, sobre o plano económico, sem ver necessidade alguma de a tornar extensiva às estrelas da Via Láctea, quer dizer, às formas universais da consciência humana e dos seus valores. Exemplificando: as condições de classe de Winston Churchill, Stafford Cripps e Bertrand Russell são idênticas e, contudo, as suas concepções económicas e ideológicas são radicalmente diversas. Como explicar isso senão admitindo que as infra-estruturas não condicionam em absoluto as chamadas super-estruturas? O que isso significa vê-se: o homem pode erguer-se a uma consideração desinteressada de qualquer objecto e domínio da realidade, mercê de algo que nele próprio goza duma independência difícil de compreender, mas impossível de negar: o pensamento. A simples existência da ciência e sobretudo a existência da filosofia esvaziam o conceito de classe de toda a pretensão a superestrutura da verdade em sentido genérico, reservando a sua aplicação (é preciso saber entre que limites) para o domínio das relações do homem com a economia.
Não nos interessa nada, a não ser dum ponto de vista puramente sociológico, a verificação exacta de que a lógica de grupos é uma lógica diversa da do indivíduo e a de que todas as excepções individuais não invalidam o comportamento básico do grupo a que ele pertence. Efectivamente, o caso geral é o duma estreita determinação das condições de classe sobre o comportamento individual, como é caso geral da condição física dos homens estarem integrados num sistema gravitacional que lhes permite partir as costelas se caírem à rua dum sétimo andar. Tanto num caso como noutro a classe ou o sistema gravitacional são duas realidades que explicam perfeitamente que Winston Churchill defenda a propriedade privada ou o Sr. Smith tenha tido morte instantânea. Simplesmente, o homem pode tomar consciência da situação englobante, e na medida em que tomar consciência assumir a sua figura de indivíduo, destacando-se das coisas por um acto de escolha através do qual se constitui como liberdade. E então o Right Hon. W. Churchill pode tornar-se apenas Bertrand Russell e o Sr. Smith chegar incólume ao meio da rua, se, antes de se atirar da janela, teve a prudência de envergar um pára-quedas. Não importa que os Bertrand Russell sejam raros e que as pessoas que se exercitam a saltar da janela para a rua estejam desprovidas de pára-quedas. Basta que haja um só homem que transcenda a classe para que todos os homens sejam susceptíveis de a transcender também. E lá se vai o absoluto da teoria.
Ora, é esta tomada de consciência, capaz de permitir simultaneamente que o homem transcenda a classe e transcenda o mundo natural, descobrindo através da reflexão as conexões fundamentais que suportam e explicam a aparência do real, que o materialismo dialéctico tem dificuldade em apreender e valorizar e que o idealismo hegeliano toma por assim dizer como centro absoluto, fazendo do seu processo o processo mesmo da realidade.
Embora opostas, a concepção hegeliana do mundo e a concepção marxista, em obediência à inelutável lei dialéctica que elas próprias foram as primeiras a explicar, reservam à situação humana o mesmo modo de existência. Esse modo de existência depende numa e noutra duma única relação: a da realidade absoluta com uma das suas manifestações, o ser humano. Ao mesmo tempo participante do absoluto e aparência dele, momento do devir e consciência do mesmo devir, o homem tem na dialéctica a imagem adequada da sua realidade de ser necessário e ser aparente. Todo o esforço da dialéctica residirá na tentativa de unir o que parece não poder unir-se, de conciliar o inconciliável, demonstrando através do seu movimento que as contradições do real são vencidas pelo próprio movimento que as põe a descoberto.
O idealismo hegeliano e o materialismo dialéctico são duas formas da mais antiga, da mais incoercível tentação humana: a tentação do absoluto. Aquilo que o Génesis apresenta como conselho demoníaco, como insinuação intemporal da “mais astuta” das criaturas, jamais encontrou uma maneira de existir tão ambiciosa e tão lógica, mas deixou de ser tentação diabólica para ser assumida com plena consciência como desejo humano.
Na verdade, na história do pensamento humano tudo se passa como se o conselho de Lúcifer tenha sido tomado a sério. O eritis sicut dei [Gén., III, 5.] cresceu e multiplicou-se no coração dos homens. Isto não é simples imagem mítica, mas manifestação do secreto desejo da vontade de se talhar um reino para a sua infinidade. O criar na dor, o subsistir suando, o ouvir sem descanso as portas do tempo ou da felicidade cerrando-se para nunca mais, são impotentes contra a tentação imortal de colher pelas nossas mãos os frutos da árvore da vida, plantada no meio de todas as coisas. Deus pode recolher ao silêncio da sua infinita solidão, que a nudez do primeiro instante encontrará o seu vestido e a vergonha a sua sombra. A vida rodará nos gonzos do tempo, a lembrança dos anjos de espada flamejante guardando o paraíso soçobrará como tudo o mais e unicamente a esperança terrestre de sermos como deuses continuará crescendo. Um dia mesmo, surgirá a inevitável pergunta: houve alguma coisa correspondente a esse mito inquietante, tão revelador da fraqueza do homem?
«O idealismo absoluto e a dialéctica que o articula e percorre como eterno movimento da Ideia, que, sendo a realidade total, solicita desde dentro as suas próprias contradições e desde dentro as concilia, superando-as, representam a tentativa mais perfeita que a filosofia realizou para conceber o pensamento como forma absoluta do existente. A verdade é transmutada “dialecticamente” no devir do pensamento, encerrando este, naquela, como em Hegel, ou então, transportando aquela neste, como em Gentile. Toda a verdade é devir do pensamento, para Hegel. Todo o devir do pensamento é verdade, para Gentile. Verum et factum convertuntur. Num caso e no outro, as duas doutrinas postulam logicamente a negação de toda a transcendência, com um rigor e uma coerência de que a história não oferece exemplo segundo.
Sob uma tal assimilação do plano da História ao da eternidade, do indivíduo ao absoluto, sob tal divinização, pelo menos aparente, conservará a consciência do homem algum significado compreensível? Nesta integração perfeita do processo e dos actos nos valores, guardarão algum sentido as distinções do verdadeiro e do falso, do bem e do mal?
Antes das considerações estritamente lógicas e metafísicas sobre o idealismo e a dialéctica, detenhamo-nos um pouco sobre a significação existencial, implicada na afirmação da imanência absoluta.
O idealismo deu-lhe uma tonalidade violenta e isso pode parecer a muitos o sinal duma absoluta novidade. De facto, representa o termo lógico dum processo que começou com o próprio pensamento e não consiste noutra coisa do que na expressão rigorosa duma das virtualidades limites do pensamento humano. A outra virtualidade limite é inversa e residirá num tipo de explicação em que o pensamento figure como realidade absolutamente segunda em relação à realidade primeira do universo, que será então radicalmente diversa do pensamento: será matéria. Tanto o primeiro como o segundo tipo de explicação têm um fundo comum: ambos se apresentam com a pretensão a explicações absolutas do real. Ambos manifestam a mesma crença nas possibilidades da razão como órgão do Absoluto. Por isso mesmo, embora o Absoluto seja diverso, o processo explicativo desse Absoluto, a sua manifestação temporal ou, usando um termo hegeliano, a sua fenomenologização, obedece às mesmas leis lógicas fundamentais. E, sendo assim, a crítica à forma lógica que esse processo apresenta, isto é, à dialéctica, é exactamente a mesma, quer se trate de Hegel, quer se trate de Marx.
A diferença é de ponto de partida mas é de tal sorte que no domínio metafísico marca a incomparável superioridade do ponto de vista hegeliano sobre o marxista. Enquanto é aceitável para a inteligência, poder supor que o absoluto concebido como Espírito, como Consciência Absoluta, suscite em si próprio um processo de progressão e de manifestação, susceptível de ser interpretado lógica e racionalmente, torna-se ininteligível a admissão dum Absoluto material, duma Inconsciência, manifestando-se não se sabe porquê numa forma igualmente lógica e racional.
Esta, e apenas esta, é a razão por que a quase totalidade dos filósofos responsáveis do Ocidente ou do Oriente (Lossky e Simon Frank) não aceitam o materialismo dialéctico, embora possam aceitar sem repugnância o materialismo puro e simples. É cómodo para os teóricos marxistas tentar fazer crer que a recusa do materialismo dialéctico assenta unicamente numa condição de classe que torna improvável (para dar razão à teoria) que esses filósofos, ou autores de história da filosofia, possam compreender o marxismo ou dar ao materialismo dialéctico o lugar de honra e (único) que segundo eles lhe competiria na história da cultura humana. Esquecem que o homem europeu autêntico fez da confissão do verdadeiro a sua carta de liberdade e que jamais, fosse rei, bispo, sacerdote, general ou professor, isso o impediu em absoluto de dizer que o preto é preto e o branco é branco. Tenha tido necessidade para isso de deixar de ser rei, bispo, general ou professor. Esta é a prova histórica de que o reconhecimento da verdade é independente das condições de classe, pela razão simples de que, se é relativamente justo afirmar que o homem pertence sempre a uma classe, não o é em absoluto, porque a classe não esgota o homem. Se o homem se pode voltar contra a sua classe de origem (e os exemplos não têm fim) isso significa que o homem transcende a classe.
Seria ridículo insistir nesta evidência, se não fosse uma realidade espantosa a existência histórica duma mentalidade que a nega e cujos movimentos podem decidir do destino próximo da humanidade. O mito da classe (esquema abstracto e simplista, embora adequado para exprimir um tipo justo de relação, a relação homem-economia e só esta) tornou-se tão avassalador que mesmo muitos daqueles que não podem aceitar todas as consequências da dialéctica marxista (Sartre e Merleau-Ponty, por exemplo [Cf. Qu’est-ce que la littérature? e Humanisme et terreur, de Sartre e Merleau-Ponty, respectivamente.]) temem rejeitar o esquema absoluto da luta de classes e servem-se nas suas análises duma maneira pouco coerente duma divisão que essas mesmas análises deviam destruir.
O motivo é visível. Negando a realidade da divisão em classes como mundos destinados a uma luta mortal e cujos universos interiores seriam tão irredutíveis como o do tigre que tem fome e o da gazela gorda que se lhe atravessa no caminho, temem destruir o espírito de justiça, o espírito revolucionário que segundo eles seria inseparável da admissão desse conflito e dessa divisão. Temem, em resumo, ser apodados de reaccionários, para usarmos a gíria corrente nas discussões políticas.
Parece-nos uma dialéctica sofística, uma maneira abusiva de tomar a parte pelo todo. Pode admitir-se o esquema da divisão radical das classes (e mesmo essa meramente histórica) sobre o plano em que ela é válida, isto é, sobre o plano económico, sem ver necessidade alguma de a tornar extensiva às estrelas da Via Láctea, quer dizer, às formas universais da consciência humana e dos seus valores. Exemplificando: as condições de classe de Winston Churchill, Stafford Cripps e Bertrand Russell são idênticas e, contudo, as suas concepções económicas e ideológicas são radicalmente diversas. Como explicar isso senão admitindo que as infra-estruturas não condicionam em absoluto as chamadas super-estruturas? O que isso significa vê-se: o homem pode erguer-se a uma consideração desinteressada de qualquer objecto e domínio da realidade, mercê de algo que nele próprio goza duma independência difícil de compreender, mas impossível de negar: o pensamento. A simples existência da ciência e sobretudo a existência da filosofia esvaziam o conceito de classe de toda a pretensão a superestrutura da verdade em sentido genérico, reservando a sua aplicação (é preciso saber entre que limites) para o domínio das relações do homem com a economia.
Não nos interessa nada, a não ser dum ponto de vista puramente sociológico, a verificação exacta de que a lógica de grupos é uma lógica diversa da do indivíduo e a de que todas as excepções individuais não invalidam o comportamento básico do grupo a que ele pertence. Efectivamente, o caso geral é o duma estreita determinação das condições de classe sobre o comportamento individual, como é caso geral da condição física dos homens estarem integrados num sistema gravitacional que lhes permite partir as costelas se caírem à rua dum sétimo andar. Tanto num caso como noutro a classe ou o sistema gravitacional são duas realidades que explicam perfeitamente que Winston Churchill defenda a propriedade privada ou o Sr. Smith tenha tido morte instantânea. Simplesmente, o homem pode tomar consciência da situação englobante, e na medida em que tomar consciência assumir a sua figura de indivíduo, destacando-se das coisas por um acto de escolha através do qual se constitui como liberdade. E então o Right Hon. W. Churchill pode tornar-se apenas Bertrand Russell e o Sr. Smith chegar incólume ao meio da rua, se, antes de se atirar da janela, teve a prudência de envergar um pára-quedas. Não importa que os Bertrand Russell sejam raros e que as pessoas que se exercitam a saltar da janela para a rua estejam desprovidas de pára-quedas. Basta que haja um só homem que transcenda a classe para que todos os homens sejam susceptíveis de a transcender também. E lá se vai o absoluto da teoria.
Ora, é esta tomada de consciência, capaz de permitir simultaneamente que o homem transcenda a classe e transcenda o mundo natural, descobrindo através da reflexão as conexões fundamentais que suportam e explicam a aparência do real, que o materialismo dialéctico tem dificuldade em apreender e valorizar e que o idealismo hegeliano toma por assim dizer como centro absoluto, fazendo do seu processo o processo mesmo da realidade.
Embora opostas, a concepção hegeliana do mundo e a concepção marxista, em obediência à inelutável lei dialéctica que elas próprias foram as primeiras a explicar, reservam à situação humana o mesmo modo de existência. Esse modo de existência depende numa e noutra duma única relação: a da realidade absoluta com uma das suas manifestações, o ser humano. Ao mesmo tempo participante do absoluto e aparência dele, momento do devir e consciência do mesmo devir, o homem tem na dialéctica a imagem adequada da sua realidade de ser necessário e ser aparente. Todo o esforço da dialéctica residirá na tentativa de unir o que parece não poder unir-se, de conciliar o inconciliável, demonstrando através do seu movimento que as contradições do real são vencidas pelo próprio movimento que as põe a descoberto.
O idealismo hegeliano e o materialismo dialéctico são duas formas da mais antiga, da mais incoercível tentação humana: a tentação do absoluto. Aquilo que o Génesis apresenta como conselho demoníaco, como insinuação intemporal da “mais astuta” das criaturas, jamais encontrou uma maneira de existir tão ambiciosa e tão lógica, mas deixou de ser tentação diabólica para ser assumida com plena consciência como desejo humano.
Na verdade, na história do pensamento humano tudo se passa como se o conselho de Lúcifer tenha sido tomado a sério. O eritis sicut dei [Gén., III, 5.] cresceu e multiplicou-se no coração dos homens. Isto não é simples imagem mítica, mas manifestação do secreto desejo da vontade de se talhar um reino para a sua infinidade. O criar na dor, o subsistir suando, o ouvir sem descanso as portas do tempo ou da felicidade cerrando-se para nunca mais, são impotentes contra a tentação imortal de colher pelas nossas mãos os frutos da árvore da vida, plantada no meio de todas as coisas. Deus pode recolher ao silêncio da sua infinita solidão, que a nudez do primeiro instante encontrará o seu vestido e a vergonha a sua sombra. A vida rodará nos gonzos do tempo, a lembrança dos anjos de espada flamejante guardando o paraíso soçobrará como tudo o mais e unicamente a esperança terrestre de sermos como deuses continuará crescendo. Um dia mesmo, surgirá a inevitável pergunta: houve alguma coisa correspondente a esse mito inquietante, tão revelador da fraqueza do homem?
Os mais sábios dos homens, os que o oráculo de Delfos escolheu ou os que se sentiram condenados por Deus a ser filósofos, responderão que não. Decididamente, não. Simplesmente aconteceu que o eros sufocado, a vontade de querer e de poder ou até o instinto da morte foram mais fortes do que a lucidez da ratio e puderam um dia colocar-se na nossa frente como se não tivessem nascido do nosso desejo e não fossem coisa puramente nossa. O pensar claro, a filosofia, devem realizar a catarsis destas ilusões, sobretudo porque tolhem o caminho da vontade de dominar o universo. E mesmo que o mito correspondesse a alguma coisa, não nos ensinou Prometeu, o que odeia todos os deuses, as palavras que libertam?» [Heterodoxias, Lisboa, F.C.Gulbenkian, 2011, pp. 68-72].
*Diga-se que Grandeza de Marx. Por uma política do impossível (Lisboa, Assírio & Alvim, 2011) é um livro que merece uma atenção crítica que, ao que Ler Eduardo Lourenço julga saber, não tem existido, o que é obviamente lamentável, pois trata-se de um ensaio que, para além de lido, precisa de ser discutido. Por outro lado, as relações do pensamento de Eduardo Lourenço com Marx e o marxismo também justificariam um estudo atento. Fica a sugestão.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
Em Évora: um Posfácio a Heterodoxias
Eduardo Lourenço na Sala de Docentes do Colégio do Espírito Santo da Universidade de Évora
(foto Ler Eduardo Lourenço)
por Margarida Isaura Almeida Amoedo
Na passada Segunda-Feira, dia 5 de Dezembro, foi apresentado, no Auditório da Universidade de Évora, o Volume I das Obras Completas de Eduardo Lourenço (OC), que a Fundação Calouste Gulbenkian, fazendo jus ao reconhecimento do seu inigualável carácter prestimoso, decidiu patrocinar. Era preciso, para os que não somos conhecedores profundos dos seus textos, que alguém compilasse e sistematicamente organizasse os numerosos frutos da meditação do Escritor, um nome muitíssimo invocado, mas cuja obra, de tão plural e dispersa, só doravante poderá vir a ser alargadamente estudada. Somos, pois, devedores, desde já, aos responsáveis pelo projecto editorial, de que começamos agora a ter resultado público.
João Tiago Pedroso de Lima, um dos Coordenadores Científicos da Edição das OC e autor da Introdução ao Volume I, enquadrou este tomo no plano e na metodologia de um trabalho ainda em curso que mobiliza estudiosos de vários países. Como anfitrião principal de Eduardo Lourenço na Universidade de Évora em que ensina e investiga, não deixou, nem de sublinhar a relevância da vinda do pensador à Instituição – ainda que desta, acrescentamos nós, poucos membros lho tenham querido ou podido demonstrar inequivocamente, estando presentes –, nem de sugerir a leitura dos seus escritos como potencial reforço da missão universitária, à qual se refere directamente no ensaio “A Europa em crise e a crise da Universidade”.
João Tiago Pedroso de Lima, um dos Coordenadores Científicos da Edição das OC e autor da Introdução ao Volume I, enquadrou este tomo no plano e na metodologia de um trabalho ainda em curso que mobiliza estudiosos de vários países. Como anfitrião principal de Eduardo Lourenço na Universidade de Évora em que ensina e investiga, não deixou, nem de sublinhar a relevância da vinda do pensador à Instituição – ainda que desta, acrescentamos nós, poucos membros lho tenham querido ou podido demonstrar inequivocamente, estando presentes –, nem de sugerir a leitura dos seus escritos como potencial reforço da missão universitária, à qual se refere directamente no ensaio “A Europa em crise e a crise da Universidade”.
Foto de João Barnabé (ueline)
Na intervenção que se seguiu, Eduardo Lourenço, depois de referir a Universidade de Évora como um dos grandes espaços da nossa memória cultural, de uma importância menos expressa do que seria devido, aludiu ao projecto de publicação das suas Obras, mostrando-se convicto de que não testemunharia o seu termo. Mas, sobretudo, reflectiu, a partir do Volume I – Heterodoxias, recém-editado, sobre o significado do seu primeiro título, Heterodoxia I, de 1949. Invocando o momento em que o forjou, bem como o seu propósito justificado no respectivo “Prólogo sobre o Espírito da Heterodoxia”, levou os ouvintes a um breve e, no entanto, substantivo mergulho na experiência de dúvida e de uma certa demarcação dos limites ao pensar que, na década de 40 do Século XX, eram historicamente levantados pelo regime do Estado Novo. Denunciando uma das leituras equivocadas do seu ser heterodoxo, assumiu uma vez mais a sua formação católica e procurou explicitar que o uso inicial de heterodoxia radicou na sua paixão juvenil de querer ser livre, que incluía também o direito de não crer, entendido, pelo ainda postulante a filósofo e a escritor, como uma recusa da tirania intelectual que, à época, os dirigentes políticos e religiosos impunham, não verdadeiramente em nome de Deus, mas em nome da sua própria ortodoxia.
E ali, remetendo ao momento originário da sua necessidade de nomear a Liberdade como plenitude da vida, o ensaísta trouxe-nos (e nele nos deixou!... ) ao ponto nevrálgico: à heterodoxia, como demarcação de qualquer caminho que arrogantemente se perfile como único, tanto repugnam as ortodoxias da fé, como as ortodoxias sem fé; ser heterodoxo, se não impede o risco de converter a heterodoxia numa ortodoxia, parece definir-se pela resistência à tentação de trocar, por falsas conquistas noéticas, a imensidão do que, insinuando-se no horizonte antropológico, dele escapa.
A terminar a sessão, no momento em que Eduardo Lourenço aceitou, mais do que autografar, dedicar o volume a cada um dos interessados, uma senhora, na coxia do auditório, comentou: «Mesmo sem comprar o livro, vou lá à mesa, só para me sentir mais próxima dele.» O ensaio oral tinha levado ao núcleo de um pensamento vivo, personificado na pessoa do Pensador. E este, fiel à abertura amorosa que o Cristianismo converteu em mandamento, foi prolongando a sua resposta cordial às condições inóspitas do inverno eborense e, por tudo, tornando inesquecível aquela tarde de 5 de Dezembro.
E ali, remetendo ao momento originário da sua necessidade de nomear a Liberdade como plenitude da vida, o ensaísta trouxe-nos (e nele nos deixou!... ) ao ponto nevrálgico: à heterodoxia, como demarcação de qualquer caminho que arrogantemente se perfile como único, tanto repugnam as ortodoxias da fé, como as ortodoxias sem fé; ser heterodoxo, se não impede o risco de converter a heterodoxia numa ortodoxia, parece definir-se pela resistência à tentação de trocar, por falsas conquistas noéticas, a imensidão do que, insinuando-se no horizonte antropológico, dele escapa.
A terminar a sessão, no momento em que Eduardo Lourenço aceitou, mais do que autografar, dedicar o volume a cada um dos interessados, uma senhora, na coxia do auditório, comentou: «Mesmo sem comprar o livro, vou lá à mesa, só para me sentir mais próxima dele.» O ensaio oral tinha levado ao núcleo de um pensamento vivo, personificado na pessoa do Pensador. E este, fiel à abertura amorosa que o Cristianismo converteu em mandamento, foi prolongando a sua resposta cordial às condições inóspitas do inverno eborense e, por tudo, tornando inesquecível aquela tarde de 5 de Dezembro.
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
Jardineiro de Deus
Sabedoria, coerência, visão Gonçalo Ribeiro Telles. Um Homem de Serviço é o título de uma jornada
que, hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian, reúne um vasto número de amigos e de especialistas da obra do arquitecto paisagista mais influente da cultura portuguesa contemporânea. Está prevista a participação no colóquio, que culminará com a apresentação de uma Fotobiografia (organizada pelo arquitecto Fernando Santos Pessoa) dedicada a Gonçalo Ribeiro Telles, de nomes como Guilherme d’Oliveira Martins, Emílio Rui Vilar, António Barreto, Eduardo Lourenço, Augusto Ferreira do Amaral, Luís Coimbra, Diogo Freitas do Amaral,Carlos Braumann, Aurora Carapinha, Ário Lobo de Azevedo, Manuela Raposo Magalhães, Nuno Portas, Margarida Cancela d’Abreu, Viriato Soromenho Marques, Dom Duarte de Bragança, Miguel Sousa Tavares, Pedro Roseta, Maria Calado e Alberto Vaz da Silva.
Na sessão desta manhã (à qual Ler Eduardo Lourenço assistiu via internet), num painel em que também intervieram António Barreto e Guilherme d’Oliveira Martins, Eduardo Lourenço focou a sua mensagem na dimensão ecologista do pensamento poiético de Gonçalo Ribeiro Telles. Mas não deixou também de aludir à militância cívica do católico, democrata e monárquico, recordando uma famosa carta dirigida a Salazar em 1 de Março de 1959, de que Gonçalo Ribeiro Telles foi um dos signatários (juntamente com o Padre Abel Varzim, António Alçada Baptista, Francisco de Sousa Tavares, João Bénard da Costa, Manuel Lucena, M. S. Lourenço, Nuno Teotónio Pereira, Sophia de Mello Breyner, entre outros) e onde se podia ler o seguinte: «Os serviços de repressão do regime empregam métodos que uma consciência humana bem formada não pode tolerar e um espírito cristão tem necessariamente de repudiar». Também aqui Gonçalo Ribeiro Telles, ao denunciar com coragem e em nome de um humanismo católico as iniquidades do regime, agiu como um verdadeiro Jardineiro de Deus, para usar a síntese extremamente feliz que Eduardo Lourenço escolheu para encerrar a sua comunicação de hoje.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Avenida de Berna, 45
Foto de Pedro Loureiro, revista Ler, Setembro de 2008. |
Na passada sexta-feira, tal como noticiado, Ler Eduardo Lourenço esteve presente na sede da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para o lançamento do Volume I das Obras Completas de Eduardo Lourenço – Heterodoxias. Integrado na Festa dos Livros Gulbenkian 2011, a sessão contou com a apresentação de Eduardo Marçal Grilo, uma introdução de João Tiago Pedroso de Lima (membro da comissão científica e organizador deste primeiro volume), e claro, a esperada intervenção do Autor. Entre os muito presentes, o Presidente da Fundação Emílio Rui Vilar, o filósofo José Gil (cujo pensamento é, de resto, tema de um ensaio neste volume), os escritores José-Augusto França, Almeida Faria, Vasco Graça Moura e Gonçalo M. Tavares.
foto de José Nuno Lima
Descontraído, bem humorado, por vezes, irónico, Eduardo Lourenço surpreende sempre pela sua jovialidade e espírito crítico. Visivelmente feliz com o que chamou “o meu primeiro livro de peso”, gracejando também pelas suas mais de 500 páginas, mas não menos incomodado por se encontrar ali para falar de si próprio, Eduardo Lourenço agradeceu a distinção à Fundação e terminou a conversa confessando-se apenas um ensaísta.
Ler Eduardo Lourenço relembra que hoje pelas 18h, haverá sessão de apresentação com a presença do Autor, no auditório do Colégio Espírito Santo, da Universidade de Évora. A não perder!!!
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