segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A "geração" de 1923

A que geração pertence Eduardo Lourenço? A questão talvez seja mais relevante do que tentar cumprir uma mera tarefa de arrumação da sua obra nas prateleiras da história da cultura portuguesa contemporânea. É costume dizer-se que o autor de Heterodoxias é enquadrável no horizonte das chamadas filosofias da existência. Num certo sentido, esta leitura é correcta, desde logo porque a crítica kierkegaardiana ao sistema de Hegel desempenhou um papel decisivo nas modalidades mais importantes do ensaísmo de Eduardo Lourenço. No entanto, no caso específico de Eduardo Lourenço, a Kierkegaard tem de se associar sempre Fernando Pessoa e não é absolutamente líquido que a grelha de leitura existencialista seja de grande préstimo para o modo como o ensaísta visou compreender o drama em gente pessoano naquilo que este tem de compreensível.
Outra hipótese consistiu, para alguns olhares porventura menos atentos, em integrar Eduardo Lourenço no neo-realismo. No entanto, a imagem de conjunto que o II Volume das Obras Completas  dá agora das relações que o jovem estudante de Filosofia manteve com o grupo coimbrão do seu Amigo Carlos de Oliveira convida que se faça uma interpretação diferente.

Urbano Tavares Rodrigues
Numa carta (meio aberta) que dirigiu a outro seu Amigo, Urbano Tavares Rodrigues, Eduardo Lourenço parece brincar um pouco com este tema e ensaia definir a sua geração como aqueles que, tal como Urbano e ele próprio, nasceram no exacto ano de 1923, escrevendo: «De comum o ter­mos nascido em 1923, ano da morte de [Guerra] Jun­queiro, creio, que era um Deus republicano e também ano de uma grande bancarrota. É o ano de Eugénio [de Andrade], de [Mário de ] Cesariny, de Natália [Correia] , de [António Manuel] Couto Viana, de Luís Amaro, de ti, entre outros, todos tão diferentes que não sei quem os possa imagi­nar na mesma geração. Mas devemos tê-lo sido» (“Carta (meio aberta) ao Urbano”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 634, Lisboa, 1/II/1995, p. 45.)
Mário de Cesariny pertencerá à mesma geração de...

António Manuel Couto Viana? À primeira vista, só mesmo se se adoptar um critério estritamente cronológico...

Claro que é possível fazer outras aproximações ao problema. Por exemplo, se é verdade que Eduardo Lourenço começou por se afastar do (ou talvez melhor, por nunca pertencer ao) grupo neo-realista muito por força de alguma influência do presencismo, sobretudo na sua versão torguiana (como se sabe, ela também bastante peculiar), também não deixa de ser inegável que o jovem ensaísta depressa parece ter procurado outras paragens. Para essa decisão muito terá contribuído a influência da fenomenologia husserliana e não é decerto por acaso que, em A Criação do Mundo, Miguel Torga (nascido em 1907 e com uma muito rápida consagração literária) fala de um jovem pertencente a uma nova geração, um tal «Edmundo Lucena, assistente de filosofia, a respirar inteligência e inquietação». Por outro lado, importa não esquecer que o primeiro livro de Eduardo Lourenço, Heterodoxia I, foi impresso e publicado muito por influência editorial de Torga. Por seu turno, Eduardo Lourenço viria a escrever, em 1955, O Desespero Humanista de Miguel Torga e o das Novas Gerações, ensaio no qual são já visíveis algumas dissemelhanças no modo como ambos vêem o fenómeno estético.
Mais tarde, o ensaísta, no prefácio de Tempo e Poesia, magnífico livro de 1974 em torno do qual se organiza o III Volume das Obras Completas (coordenado por Carlos Mendes de Sousa e com saída prevista para o primeiro semestre do próximo ano), procura erguer aquilo a que chama Balizas para um itinerário sem elas. Vale a pena, por isso, recordar o passo seguinte onde se fala do modo como o método fenomenológico terá permitido a Eduardo Lourenço percepcionar alguns dos limites que desde cedo viu no presencismo. Para o bem e para o mal. Para o bem, porque isso lhe permitiu enveredar por trajectos novos e originais. Para o mal, porque isso o impediu de pertencer a uma verdadeira geração literária. A não ser talvez à sua imaginária geração de 1923.

Miguel Torga
«Se o reduzirmos ao essencial e o considerarmos à parte dos seus acertos concretos e da sua paixão exemplar pela realidade literária, o “presencismo” crítico resumia-se na afirmação e defesa intransigente do que os seus teóricos chamavam a especificidade da literatura. Não era uma atitude original em si mesma, mas era original e inovadora na história da nossa consciência literária pelo grau, coerência e ressonância que os seus defensores lhe emprestavam. A ela aderiu sem custo a minha juvenil ideologia crítica, ajudada e reforçada não só pela experiência da unidade da obra poética (em sentido largo) que me era própria, como pela descoberta nos bancos universitários do método da exegese filosófica, então novo entre nós, da Fenomenologia. Na determinação e estruturação consequente dessa especificidade do fenómeno literário não ia o “presencismo” muito longe. O conceito tinha sobretudo um perfil negativo, uma função de recusa contra uma outra concepção crítica que começara nos anos 30 a manifestar-se com relevo e será nos fins deles e começos dos anos 40 a articulada e expansiva ideologia crítica “neo-realista”. À maneira de Croce, o “presencismo” opõe Literatura a tudo o mais, como o filósofo napolitano que Fidelino de Figueiredo – por sinal bem mal amado pelos “presencistas” – havia traduzido, opunha o conceito à intuição. Mas a intuição que a obra é, tanto como aquela que por sua vez devém para o seu usufruidor, é uma intuição concreta, cujo segredo (e mesmo cujo conteúdo, metamorfoseado) não é outro que o do espírito do seu criador, na plenitude, porventura inacessível, da sua complexidade psíquica. Como em Croce, suscita a crítica presencista – nos seus melhores cultores – uma teoria da expressão. Um eu, não separado do mundo e seus problemas, como polemicamente foi moda dizer-se, mas nele imerso e dele distinto, exprime o laço original que o religa à realidade quando efectivamente é capaz de criar o que por essa originalidade mesma merece ser dito opera, obra, criação. Lidos em Proust e algo em Freud, bem sabiam os “presencistas” e muito o afirmaram teoricamente, mesmo os que na prática crítica disso se esqueceram às vezes, que tal eu não é o eu empírico, mas o proustiano “eu profundo”. Apesar disso ou por causa disso, o horizonte presencista definiu-se como pertencendo ao que o fundador da Fenomenologia rotulou de psicologismo.»
(“Prefácio. Crítica e Metacrítica. Balizas para um itinerário sem elas”, Tempo e Poesia, Porto, Editorial Inova, 1974).

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Francisco José Tenreiro

Em texto de 1988 que merece ser revisitado (e também discutido, mas isso é outra conversa), Eduardo Lourenço apresenta uma das suas fulgurantes sínteses, escrevendo: «Toda a leitura retrospectiva é, por essência, alucinatória». Eis aqui um programa imenso, sobretudo porque se trata de uma afirmação de alguém que, dez anos depois, confessará: «Do que eu gostava era de História. Essa é que era a minha grande paixão. Desde garoto. Em vez de ro­mances, na minha juventude lia sobretudo livros de História e enciclopédias. Ainda hoje, a História é uma paixão para mim» (1998). Muito do que está em jogo no ensaísmo de Eduardo Lourenço é possível que se mova entre estes dois pólos: história e paixão. Ou, se se preferir, retrospectiva e alucinação.

Capa do primeiro livro de Francisco José Tenreiro, à venda hoje em impressão fac-similada com a edição do jornal Público
Nas magníficas colecções que o jornal Público tem vindo a dedicar a clássicos da literatura em língua portuguesa talvez haja também qualquer coisa de alucinatório. Por exemplo, quem adquirir, hoje mesmo com a edição do jornal, Ilha de Nome Santo, o número nove da colecção Novo Cancioneiro que o poeta são-tomense Francisco José Tenreiro publicou em 1941, está a embarcar, mesmo sem querer, numa viagem no tempo para se encontrar com um livro que, noutras circunstâncias, seria sempre um título de alfarrabista. E, para além disso, um título surpreendente, pois que faz o primeiro volume de poesia de Tenreiro na emblemática colecção do neo-realismo de Coimbra?
Em Sentido e Forma da Poesia Neo-realista (cuja nova edição, revista e ampliada com outros ensaios, lançada na semana passada em Coimbra, será apresentada em Lisboa já no próximo dia 18 de Dezembro, na Fundação Calouste Gulbenkian), Eduardo Lourenço, falando sobre a poesia de Joaquim Namorado, refere-se também a Ilha de Nome Santo em termos que vale a pena recordar:
«O poema que fecha Aviso à Navegação [de Joaquim Namorado] (...) quase se diria deslocado entre os seus pares e no entanto é a sua presença que acaba por conferir ao conjunto uma significação que de algum modo o transcende, subtraindo-o à históriada poesia “metropolitana” propriamente dita. É o destino africano em geral, a evocação mítica de uma África que anuncia a sua vinda no plano da História que Joaquim Namorado “canta”. Em 1941, a temática africana estava ainda nos limbos. Em todo o caso, os poetas brancos, metropolitanos, estavam pouco sintonizados com a “presença africana” ou com a sua “ausência”... Como qualquer coisa de insólito, publicará a mesma série do “Novo Cancioneiro” um livro de poemas de Francisco José Tenreiro, intelectual mestiço, com posterior destino bem pouco “neo-realista”. Através do poema de Namorado e do livro de Tenreiro a realidade africana começa a subtrair-se na nossa consciência cultural (como o será nos romances de Castro Soromenho mais a fundo ainda, numa linha que se continuará até Alfredo Margarido passando por José-Augusto França) à perspectiva folclorizante. Esta perspectiva era aliás normal, pois correspondia ao estatuto da África como objecto de presa real ou imaginária, mas não sujeito de História.No plano internacional serão os Guillén, os Senghor, os Césaire que incorporarão a música da alma e do corpo africano à história da poesia ocidental. Dos três, só Guillén é então conhecido. Todos descobrem “África” porque, cubanos, martininquenses ou senegaleses, são “África” e ao mesmo tempo culturalmente ocidentais. É evidente que não é deste modo que a África aparece no horizonte do poeta coimbrão Joaquim Namorado. Ele próprio nos diz que essa África que o fascina e cujo destino escravo o revolta é

Descoberta do acaso
das minhas navegações.


Mais surpreendente é, pois, o ter colhido não só o ritmo de uma evocação adaptado à linguagem que a África se fala, como o sentido da aventura de que a mesma África é, há séculos, ocasião. O essencial, porém, é a clara percepçãode que o canto de África é obrigatoriamente crítica europeia, o que abre na nossa poesia uma estrada que raros percorreram tão cedo» (Sentido e Forma da Poesia Neo-realista e outros ensaios, Lisboa, Gulbenkian, 2014, pp. 144-145).

Francisco José Tenreiro (1921-1963)


Mesmo que a interpretação sobre a poesia de Joaquim Namorado justifique por si só atenção, o assunto de hoje é o livro de «Francisco José Tenreiro, intelectual mestiço, com posterior destino bem pouco “neo-realista”». Que quererá Eduardo Lourenço dizer com a expressão destino bem pouco “neo-realista”? Num óptimo texto de apresentação de Ilha de Nome Santo, Inocência Mata relembra que Tenreiro «acabaria por aceitar um lugar de deputado na Assembleia Nacional, o que o afastaria dos seus companheiros da Geração de Cabral, expressão da lavra do angolano Mário Pinto de Andrade, pelo facto de todos terem tido um papel importante na história dos seus países» (“Para além da matéria insular”, Público, 16/XI/2014, p. 63). No entanto, será Ilha de Nome Santo, independentemente do ulterior percurso político do seu autor, um livro neo-realista?
Alfredo Margarido, também nomeado por Eduardo Lourenço no passo atrás citado, assinalará anos mais tarde aquilo a que chama «o carácter relativamente irrisório da denúncia» do poeta são-tomense, dado que este «reivindica a sua condição mais física do que cultural de mestiço, colocando-se não numa posição francamente reivindicativa mas na situação ambígua, branco quando ama a branca, negro quando ama a negra» (Estudos sobre Literaturas das Nações Africanas de Língua Portuguesa, Lisboa, A Regra do Jogo, 1980, p. 122). Inocência Mata não parece partilhar esta visão de Margarido, pois sublinha que a «capacidade de fazer dialogar diferenças e até antagonismos (...) faz de Francisco José Vasques Tenreiro um “inventor” da modernidade são-tomense».
Ler hoje Ilha de Nome Santo é, assim, uma experiência algo peculiar. Pode não ser esta a mais inspirada poesia da colecção Novo Cancioneiro, mas ilustra sem dúvida aquilo a que Eduardo Lourenço chama a insólita presença africana na literatura coimbrã dos anos Quarenta.

foto de Ler Eduardo Lourenço

Veja-se, a mero título de exemplo, estes versos de Canção do Mestiço:

Mestiço!
 

Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como que se olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
ficando baralhando côr
no ôlho alumbrado de quem me vê
.
(p. 19)








segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Sobre Maurice Blanchot*


Maurice Blanchot

Tem sido referida a influência de Blanchot na minha obra. Reconheço que há grandes afinidades entre o discurso dele e o meu, no modo como ambos nos relacionamos com a escrita, nessa ideia de que a escrita é uma aventura infinita que repousa sobre nada. Tudo isso nos é comum. Mas não tenho o sentimento de o ter bebido directamente no próprio Blanchot. Toda essa nova reflexão sobre a esssência da escrita, sobre a essência do poético, recebi-a originalmente do Paul Valéry, quando andava ainda a fazer os meus estudos. Mas a grande reflexão vem já de Mallarmé e da sua ideia de livro infinito. É o pai de Valéry e de todos os outros. Do Blanchot, li muito cedo o livro Lautréamont et Sade [1949]. Só depois, quando de algum modo já formara o meu próprio espaço crítico, é que li outras obras, sempre com muito interesse. É um autor fascinante. Talvez tenhamos referências e fontes semelhantes. Como ele, gosto muito dessa ideia de criação como qualquer coisa sublime e inútil. Todas essas intuições, eu aprofundei-as no Pessoa. De uma maneira ou de outra, elas estão presentes na sua prática poética e na sua visão poética. Em Blanchot, admiro também essa personagem que não se expõe, que não existe. Só há duas fotografias dele, e uma é dos anos vinte, quando ainda ninguém o conhecia. É um pouco como o Julien Gracq, mas em função de outro tipo de atitude. 

Maurice Blanchot

 * Maurice Blanchot (1907-2003) é, sem dúvida, um dos escritores e pensadores mais relevantes do século passado. Por ocasião da sua morte, o jornal Público pediu a Eduardo Lourenço um breve depoimento sobre o autor de L'Entretien Infini que acompanhou a notícia do falecimento do escritor natural de Quain (Saône-et-Loire, França) na edição de 25 de Fevereiro de 2003 (p. 37). As fotos que agora ilustram a recuperação desse texto (que na altura foi intitulado "A criação como algo inútil e sublime") são duas das raras imagens do escritor francês a que Eduardo Lourenço faz referência. Em contrapartida, sobre Blanchot veja-se este interessantíssimo documentário de autoria de Hugo Santiago: https://www.youtube.com/watch?v=F32bSMK1iNA#t=33

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Na Taberna Típica Quarta-Feira, em Évora

Ler Eduardo Lourenço soube, por mero acaso, que o ensaísta estivera em Évora, no Verão passado, para um almoço entre Amigos. Por isso falou há dias no assunto com o próprio que confessou, entre a surpresa e o divertimento: «Ah, esse almoço, fui praticamente raptado por uns Amigos...».
A refeição decorreu, de facto, em 24 de Julho na Taberna Típica Quarta-Feira e reuniu, na casa do Sr. José Dias, os seguintes comensais: General António Ramalho Eanes, Presidente da República entre 1976 e 1986, General Luís Augusto Sequeira, Tenente-General Frederico Rovisco Duarte e ... Eduardo Lourenço. O Sr. José Dias é Amigo de longa data do General Eanes, tendo inclusivé participado num comício na cidade alentejana que veio a ficar célebre, mas é sobretudo alguém que tem uma simpatia e uma sabedoria únicas da arte de bem receber.
Disso é testemunha a mensagem escrita que Eduardo Lourenço deixou no livro de honra do restaurante e que, com a devida vénia, a seguir se transcreve:
«Um almoço destes não se esquece. Pelo nosso anfitrião e pela companhia ilustre que o festejou, tirando eu, forasteiro da Beira, um pouco perdido na planície alentejana de Évora.
Grande Abraço ao seu agora Amigo, Senhor José Dias.
Eduardo Lourenço
Évora 23 de Julho* de 2014».
Da esquerda para a direita, Ten.-Gen. Rovisco Duarte, Sr. José Dias, Gen. Ramalho Eanes, Eduardo Lourenço e Gen. Luís Sequeira. (foto de João Dias)


Taberna Típica Quarta-Feira fica na Rua do Inverno em Évora








*A data aparece errada na mensagem manuscrita, pois o almoço realizou-se na quinta-feira, dia 24.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

«Queria ser João José Cochofel, mas sou só...»*

Ontem à tarde, na Casa da Escrita: na mesa vêem-se, da esquerda para a direita, Manuel Carmelo Rosa (Fundação Calouste Gulbenkian), Eduardo Lourenço, Rosa Maria Martelo, Manuel Machado (Presidente da Câmara) e António Pedro Pita (foto página facebook "Pequenos pormenores da Casa da Escrita...")
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Estava quase a rebentar pelas costuras, a Casa da Escrita em Coimbra, ontem ao fim da tarde, para a sessão de lançamento do II Volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço, Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista e Outros Ensaios. Muitos leitores, admiradores e amigos do ensaísta marcaram presença num acontecimento que, por se realizar no número oito da Rua João Jacinto, a antiga casa de família do poeta João José Cochofel, se revestiu de um simbolismo muito especial.
Presidiu à sessão o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, que sublinhou, na breve alocução inicial, o facto de Eduardo Lourenço e a cidade do Mondego terem um trajecto que, em muitas ocasiões, foi partilhado. 
Rosa Maria Martelo, poeta, ensaísta e professora associada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, encarregou-se da apresentação do livro, fazendo-o através de uma intervenção magnífica que, para além de sintetizar os aspectos principais do volume, destacando também a importância do prefácio de António Pedro Pita, indicou novas pistas de leitura e de interpretação da relação, tão fascinante quanto problemática, entre Eduardo Lourenço e o neo-realismo. Nesse quadro, a referência ao famoso artigo “Uma literatura desenvolta ou os filhos de Álvaro de Campos”, vindo a público na revista O Tempo e o Modo (nº 42, Lisboa, Outubro de 1966, pp. 923-935) e mais tarde integrado no livro O Canto do Signo, não poderia ter sido mais oportuna.
António Pedro Pita, prefaciador e coordenador deste volume das Obras Completas, tomou a palavra para uma curta declaração na qual sublinhou a relevância do trabalho de que  ali se falava e, por fim, Eduardo Lourenço deliciou todos os  presentes com uma belíssima reflexão naquele seu modo tão pessoano em que sentir e pensar se harmonizam de forma cristalina. A quase conferência do ensaísta é impossível de resumir, mas talvez mereça especial sublinhado a emocionada (e comovente) evocação do seu Amigo e Colega Raúl Gomes (de que se publica, em nota à margem deste volume, uma extraordinária carta), o brevíssimo mas iluminante retrato de Cochofel (e das épicas refeições na casa da Avó deste na Figueira) e de Joaquim Namorado ou mesmo a forma como o marxismo se inscreveu, de maneira mais ou menos explícita, no imaginário de uma geração onde todos os sonhos pareciam ser possíveis. Em suma, quem esteve ontem na Casa da Escrita viveu, decerto, um momento absolutamente inesquecível, que Eduardo Lourenço encerrou lapidarmente, confessando: «Naquela época [anos Quarenta], queria ser João José Cochofel, mas sou só... Eduardo Lourenço!»

Aspecto de uma assistência que encheu por completo o auditório da antiga casa de João José Cochofel. Uma sessão memorável!(foto página facebook "Pequenos pormenores da Casa da Escrita...")

* Ler Eduardo Lourenço dedica este texto à memória do escritor Pierre Daix (1922-2014) evocado também por Eduardo Lourenço na sessão de ontem. 
http://www.lemonde.fr/disparitions/article/2014/11/02/le-journaliste-et-ecrivain-pierre-daix-est-mort_4516649_3382.html
Sobre o evento, cf. também https://acabra.wordpress.com/2014/11/06/casa-da-escrita-celebra-eduardo-lourenco-e-lopes-graca/