domingo, 26 de junho de 2011

Um olhar de fora sobre Portugal

Numa interessante iniciativa jornalística o Diário de Notícias tem vindo a publicar um conjunto de artigos dedicados àqueles que designa como os portugueses que o mundo reconhece. Na edição de ontem, uma das personalidades destacadas é Eduardo Lourenço, em artigo assinado por Helena Tecedeira e que, com a devida vénis, a seguir Ler Eduardo Lourenço reproduz juntamente com a foto da autoria de Paulo Spranger que ilustra a página 7 do suplemento especial Made in Portugal.



«Figura incómoda, o professor e filósofo é o expoente máximo do ensaísmo literário. A viver em França há mais de 50 anos, nunca abdicou de visitar o seu País, nem durante a ditadura.


Doutor honoris causa pelas universidade de Bolonha e do Rio de Janeiro, cavaleiro da Legião de Honra em França, os graus académicos, condecorações e prémios que recebeu definem a carreira internacional de Eduardo Lourenço. Apesar de viver há mais de meio século em França, o professor, filósofo e ensaísta gosta de passar longas temporadas em Portugal e tem sido o País o grande tema da obra de um homem a quem os amigos gostam de recordar que vê o jogo de fora

Neto de lavradores e filho de um sargento de infantaria que encontrou no Exército uma forma de fugir ao trabalho da terra, Lourenço nasceu em São Pedro de Rio Seco, uma aldeia da Guarda, em 1923, três anos antes de Salazar chegar pela primeira vez ao Ministério das Finanças que o catapultaria para a presidência do Conselho que ocuparia durante quatro décadas.

Foi sob a ditadura que Eduardo Lourenço ingressou no Colégio Militar, onde fez amizades não muitas, mas que durarão até ao fim da minha vida. E em 1940 chegou à Universidade de Coimbra, onde se aproximaria do grupo de neo-realistas constituído sobretudo por militantes do PCP. Mas o jovem beirão era diferente. Eles sabiam que eu era um passarinho, um passarinho implume, mas que não pertencia àquela gaiola, explicou o ensaísta numa recente entrevista ao Público.

E quando, em finais da década de 40, Lourenço pediu uma bolsa e conseguiu um estágio na Universidade de Bordéus, o veredicto em Coimbra não se fez esperar: Traidor. O filósofo desmente. Para ele, a ida para França foi apenas um acaso, como explicou em 2008 em entrevista ao DN por ocasião dos seus 85 anos.

Professor na Universidade da Baía, no Brasil, em Hamburgo, Heidelberg, Montpellier, Grenoble e Nice, Lourenço acabaria por fixar residência na cidade francesa de Vence (Alpes Marítimos) e por casar com a também professora Annie Salomon.

Mas o desejo de poder visitar Portugal foi sempre mais forte do que a vontade de denunciar o regime de Salazar. O Labirinto da Saudade, uma das suas obras mais emblemáticas, é disso exemplo. O Labirinto foi escrito quando estava no Brasil, motivado pela ideia de que estávamos no auge de um dos grande fenómenos, talvez o maior do século XX, que foi a descolonização, explicou em 2008 ao DN. Mas, naquele ano de 1961, eu não podia publicar aquele tipo de reflexão sem abdicar de vir a Portugal. E eu disso nunca abdiquei. Por isso o conjunto de nove ensaios sobre o fim do colonialismo só chegaria às bancas em 1978, quatro anos depois do 25 de Abril.

Apaixonado por história desde que, criança, descobriu na casa de São Pedro de Rio Seco uma mala do pai cheia de enciclopédias e de livros de História de Portugal, Eduardo Lourenço manteve-se sempre atento à realidade nacional. Mas não esquece o que sentiu quando, jovem, estudante universitário, chegou a França. Imagine o entusiasmo e o espanto de chegar a Bordéus e, na rua principal, ver uma grande faixa do propaganda ao Partido Comunista Francês, recordou em várias entrevistas.

O homem que dá nome  e ofereceu três mil livros a uma biblioteca da Guarda, tem agora um prémio com o seu nome. O Prémio Eduardo Lourenço, no valor de dez mil euros, destina-se a distinguir personalidades ou instituições de língua portuguesa ou espanhola com trabalho na área da cooperação e da cultura das comunidades ibéricas. Figura incómoda, defensor de um destino comum para Portugal e Espanha, o autor de Pessoa Revisitado admite que só a sua preguiça explica que grande parte da sua obra ainda esteja por publicar.»