O projecto de edição das Obras Completas de Eduardo Lourenço prevê como primeiro volume o título Heterodoxias que se encontra agora em processo final de revisão de provas tipográficas. Neste tomo inaugural das Obras irão aparecer, para além de todos os textos já publicados em Heterodoxia I (1949) e Heterodoxia II (1967) e do extraordinário prefácio à reedição de 1987 (“Escrita e Morte”, Heterodoxia, 2ª edição Lisboa, Assírio & Alvim, 1987), um conjunto de textos dispersos e inéditos que foram redigidos e/ou publicados em épocas mais ou menos contemporâneas às duas primeiras heterodoxias. Por outro lado, Eduardo Lourenço decidiu enriquecer este livro inicial das suas Obras com um novo capítulo que designou por “Heterodoxia III”. De que consta essa terceira heterodoxia? Encontram-se no espólio de Eduardo Lourenço (como se sabe, reunido e organizado por João Nuno Alçada, em projecto ainda em curso) inúmeros esboços de livros, de capas, de títulos e de índices que o ensaísta pensou fazer, sendo que muitos deles não passaram dessa fase preliminar. Muitos destes esboços foram, de resto, dados a conhecer ao público em número especial da revista Colóquio-Letras (nº 171, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Maio de 2009). Ora, um dos planos que Eduardo Lourenço, por diversas ocasiões, terá arquitectado tinha precisamente a ver com um hipotético terceiro volume de Heterodoxia. Por diversas razões, umas mais circunstanciais, outras mais substantivas, essa Heterodoxia III nunca chegou a conhecer a luz do dia.
O documento, completamente inédito, que hoje Ler Eduardo Lourenço partilha com os seus leitores consiste precisamente num manuscrito não datado que corresponde a uma tábua de matérias de um desses esboços e que, sem grande margem de erro, se poderá situar entre os finais dos anos Sessenta do século passado e a primeira metade da década seguinte. Que textos podemos descobrir neste índice? Alguns deles serão relativamente fáceis de identificar. Por exemplo, “Situação Africana e Consciência Nacional” corresponderia, com certeza, ao que veio a ser o livro com o título homónimo (Amadora, Génese, 1976, Col. “Cadernos Critério 2”), até porque, quando o opúsculo é editado (naturalmente já depois do 25 de Abril, devido à delicadeza política do tema colonial), Eduardo Lourenço esclarece os seus leitores que se trata de um texto elaborado nos primeiros anos da Guerra de Angola.
Por outro lado, é muito provável que, mesmo que não haja uma total coincidência entre os dois textos, “O Exército e a Inteligentzia” venha, ao menos em parte, a desembocar em Os Militares e o Poder (Lisboa, Arcádia, 1975). Quanto a outros, embora seja possível identificar (e parece que é) certos manuscritos inéditos que permitam antever o que poderia vir a ser essa nunca concretizada Heterodoxia III, eles talvez nunca tenham ido além do título. Ou se foram, o seu rasto perdeu-se...
Em 2010, quando Eduardo Lourenço renova, tantos anos volvidos, o projecto de compor uma Heterodoxia III os textos já serão completamente diferentes (uns já publicados de modo disperso, outros absolutos inéditos) e, dentro de algumas semanas, o leitor das Obras Completas poderá conhecer a resposta actualizada do ensaísta à pergunta que, em entrevista publicada em 1987 na revista Phala, Francisco Belard lhe dirigiu: «O que seria hoje uma Heterodoxia III?»