Casa de António Sérgio, Travessa do Moinho de Vento, nº 4, à Lapa (Lisboa)
Considerados quase unanimemente dois dos maiores ensaístas portugueses da época contemporânea, seria natural que António Sérgio e Eduardo Lourenço tivessem merecido da parte da crítica e dos leitores em geral uma permanente e vigilante atenção. Ora, infelizmente, nem sempre tem sido esse o caso, sendo que, salvo raras excepções, o pensamento do primeiro parece algo fora de moda (o que se atendermos aos modismos dos dias de hoje não é necessariamente algo de censurável...). Antes que o leitor do blog vocifere, justamente indignado talvez mais com os factos do que com a interpretação deles, pergunte-se: à parte algumas bancas da Feira do Livro e certos alfarrabistas, onde é possível encontrar à venda os Ensaios de Sérgio?
Quanto às relações específicas entre o pensamento de António Sérgio e o pensamento de Eduardo Lourenço ainda em menor número são aqueles se têm dedicado a estudar ou pelo menos a publicar sobre o assunto. Este facto é tanto mais estranho porquanto a recepção de Sérgio virá a ser profundamente marcada pelas críticas que, sobretudo a partir dos anos Sessenta do século passado, lhe são dirigidas por Eduardo Lourenço. Para o bem e para o mal, com certeza. O assunto é demasiado complexo e importante para aqui ser aprofundado com o pormenor que exige, mas esta é com certeza uma óptima pista para quem quiser investigar o ensaísmo português do século XX.
No verso desta serigrafia de Leonel Moura, vinda a lume na revista Pública de 29 de Outubro de 1996, aparece um texto de Eduardo Lourenço com o título A Crítica como Mitologia.
Ora, neste contexto, afigura-se especialmente valiosa a carta de Sérgio achada no espólio de Eduardo Lourenço e que a seguir se publica. É um documento dactilografado, com a data de 2 de Fevereiro de 1950, e que, pela sua leitura, se calcula dever ter sido enviado como resposta à oferta do na altura jovem assistente da Universidade de Coimbra de um exemplar da sua primeira obra Heterodoxia I, editada, como se sabe, em 1949. Ler Eduardo Lourenço tomava como certo que, para além desta, haveria no mínimo mais duas missivas endereçadas por Eduardo Lourenço a António Sérgio. Assim, em Maio de 1946, Eduardo Lourenço publica no nº 30-35 da revista Vértice um «inquérito acerca da existência de uma Filosofia Portuguesa» (pp. 156-158). O primeiro (de dois...) respondente a esse questionário foi ... António Sérgio, que, presume-se, terá sido convidado a fazê-lo por carta. Seis anos mais tarde, em Abril de 1952, no âmbito da organização de Bicórnio (segundo número da célebre publicação dirigida por José-Augusto França), Eduardo Lourenço insiste e apresenta um novo inquérito, desta vez com o título Como vivem os intelectuais portugueses a sua relação com a cultura passada em Portugal? e que, a avaliar pelo número de respostas, teve maior êxito. Entre as várias figuras que enviaram resposta, conta-se ... António Sérgio.
A descoberta desta carta de António Sérgio parecia um sinal prometedor para investigar a relação entre os dois ensaístas. Daí a contactar a Casa António Sérgio foi naturalmente um pequeno passo. Localizado na Lapa, exactamente no mesmo endereço de onde foi enviada a carta a Eduardo Lourenço, este edifício alberga, entre muitos outros documentos de inegável valor, o espólio (que infelizmente ainda não teve catalogação e o tratamento que há muito justifica!) de António Sérgio. Contudo, e apesar dos esforços de quem muito simpatica e diligentemente recebeu Ler Eduardo Lourenço no número 4 da Travessa do Moinho do Vento, a busca revelou-se infrutífera. Nem cartas, nem sequer nenhum exemplar de uma obra de Eduardo Lourenço que se visse! É no mínimo bizarro, porque estão lá livros (alguns deles bem menos interessantes, dir-se-ia!) da mesma época e porque António Sérgio parece ter acusado a recepção de Heterodoxia I, como se pode depreender da leitura da carta. A pergunta a fazer é, portanto, esta: ter-se-ão perdido as (pelo menos três) cartas de Eduardo Lourenço, já que o espólio viajou por várias casas? É bem possível. Mas o leitor concordará que é bem mais difícil explicar o desaparecimento dos livros do jovem heterodoxo.
Sem prejuízo de Ler Eduardo Lourenço pretender voltar mais tarde a uma análise desta carta de Sérgio, aconselha-se o leitor do blog, que quiser aprofundar o tema nela tratado, a confrontá-la com um dos últimos parágrafos de um capítulo de Heterodoxia I, com o título de Europa ou o diálogo que nos falta, em que Eduardo Lourenço, apesar de se elogiar o racionalismo sergiano (tal como a modernidade europeia da geração da Presença, aliás), defende a ideia segundo a qual «o neocartesianismo de António Sérgio [não] adquiriu a maleabilidade suficiente para integrar certos aspectos do real (a criação artística, por exemplo)». À falta da carta inicial do mais novo dos dois ensaístas, fica esta referência, que talvez ajude a interpretar a resposta (algo explicativa, como o próprio reconhece) do mais velho.
Considerados quase unanimemente dois dos maiores ensaístas portugueses da época contemporânea, seria natural que António Sérgio e Eduardo Lourenço tivessem merecido da parte da crítica e dos leitores em geral uma permanente e vigilante atenção. Ora, infelizmente, nem sempre tem sido esse o caso, sendo que, salvo raras excepções, o pensamento do primeiro parece algo fora de moda (o que se atendermos aos modismos dos dias de hoje não é necessariamente algo de censurável...). Antes que o leitor do blog vocifere, justamente indignado talvez mais com os factos do que com a interpretação deles, pergunte-se: à parte algumas bancas da Feira do Livro e certos alfarrabistas, onde é possível encontrar à venda os Ensaios de Sérgio?
Quanto às relações específicas entre o pensamento de António Sérgio e o pensamento de Eduardo Lourenço ainda em menor número são aqueles se têm dedicado a estudar ou pelo menos a publicar sobre o assunto. Este facto é tanto mais estranho porquanto a recepção de Sérgio virá a ser profundamente marcada pelas críticas que, sobretudo a partir dos anos Sessenta do século passado, lhe são dirigidas por Eduardo Lourenço. Para o bem e para o mal, com certeza. O assunto é demasiado complexo e importante para aqui ser aprofundado com o pormenor que exige, mas esta é com certeza uma óptima pista para quem quiser investigar o ensaísmo português do século XX.
No verso desta serigrafia de Leonel Moura, vinda a lume na revista Pública de 29 de Outubro de 1996, aparece um texto de Eduardo Lourenço com o título A Crítica como Mitologia.
Ora, neste contexto, afigura-se especialmente valiosa a carta de Sérgio achada no espólio de Eduardo Lourenço e que a seguir se publica. É um documento dactilografado, com a data de 2 de Fevereiro de 1950, e que, pela sua leitura, se calcula dever ter sido enviado como resposta à oferta do na altura jovem assistente da Universidade de Coimbra de um exemplar da sua primeira obra Heterodoxia I, editada, como se sabe, em 1949. Ler Eduardo Lourenço tomava como certo que, para além desta, haveria no mínimo mais duas missivas endereçadas por Eduardo Lourenço a António Sérgio. Assim, em Maio de 1946, Eduardo Lourenço publica no nº 30-35 da revista Vértice um «inquérito acerca da existência de uma Filosofia Portuguesa» (pp. 156-158). O primeiro (de dois...) respondente a esse questionário foi ... António Sérgio, que, presume-se, terá sido convidado a fazê-lo por carta. Seis anos mais tarde, em Abril de 1952, no âmbito da organização de Bicórnio (segundo número da célebre publicação dirigida por José-Augusto França), Eduardo Lourenço insiste e apresenta um novo inquérito, desta vez com o título Como vivem os intelectuais portugueses a sua relação com a cultura passada em Portugal? e que, a avaliar pelo número de respostas, teve maior êxito. Entre as várias figuras que enviaram resposta, conta-se ... António Sérgio.
A descoberta desta carta de António Sérgio parecia um sinal prometedor para investigar a relação entre os dois ensaístas. Daí a contactar a Casa António Sérgio foi naturalmente um pequeno passo. Localizado na Lapa, exactamente no mesmo endereço de onde foi enviada a carta a Eduardo Lourenço, este edifício alberga, entre muitos outros documentos de inegável valor, o espólio (que infelizmente ainda não teve catalogação e o tratamento que há muito justifica!) de António Sérgio. Contudo, e apesar dos esforços de quem muito simpatica e diligentemente recebeu Ler Eduardo Lourenço no número 4 da Travessa do Moinho do Vento, a busca revelou-se infrutífera. Nem cartas, nem sequer nenhum exemplar de uma obra de Eduardo Lourenço que se visse! É no mínimo bizarro, porque estão lá livros (alguns deles bem menos interessantes, dir-se-ia!) da mesma época e porque António Sérgio parece ter acusado a recepção de Heterodoxia I, como se pode depreender da leitura da carta. A pergunta a fazer é, portanto, esta: ter-se-ão perdido as (pelo menos três) cartas de Eduardo Lourenço, já que o espólio viajou por várias casas? É bem possível. Mas o leitor concordará que é bem mais difícil explicar o desaparecimento dos livros do jovem heterodoxo.
Sem prejuízo de Ler Eduardo Lourenço pretender voltar mais tarde a uma análise desta carta de Sérgio, aconselha-se o leitor do blog, que quiser aprofundar o tema nela tratado, a confrontá-la com um dos últimos parágrafos de um capítulo de Heterodoxia I, com o título de Europa ou o diálogo que nos falta, em que Eduardo Lourenço, apesar de se elogiar o racionalismo sergiano (tal como a modernidade europeia da geração da Presença, aliás), defende a ideia segundo a qual «o neocartesianismo de António Sérgio [não] adquiriu a maleabilidade suficiente para integrar certos aspectos do real (a criação artística, por exemplo)». À falta da carta inicial do mais novo dos dois ensaístas, fica esta referência, que talvez ajude a interpretar a resposta (algo explicativa, como o próprio reconhece) do mais velho.