É longa e relevante a relação que Eduardo Lourenço mantém com o Prémio Camões, galardão internacional destinado a promover o «engrandecimento e [a] projecção da literatura em português» (Cf. http://www.dre.pt/pdf1s/1999/11/258A00/76677669.pdf). Desde logo, porque ele mesmo foi um dos vencedores, mais precisamente em 1996. Mas Eduardo Lourenço começou por ser membro do Júri em 1989 (o premiado foi Miguel Torga) e em 1990 (ganhou João Cabral de Melo Neto). E, curiosamente, mais tarde chega a propor (mas a ideia tinha algo de provocatório...) a extinção do Prémio, no artigo "Para acabar com o Prémio Camões” (Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 635, Lisboa, 15/II/1995, pp.8 e 10). Este texto suscitou uma quase polémica com Carlos Reis que publica “Prémio Camões: não se pode exterminá-lo”(JL, nº 640, Lisboa, 26/IV/1995, pp.18-19), ao que Eduardo Lourenço responde com “Prémio Camões e Mitologia Lusófona (Eduardo Lourenço responde a Carlos Reis)”(JL, nº 641, Lisboa, 10/V/1995, p.47).
Não é esta a ocasião adequada para revisitar esse diálogo, pois a verdade é que, coincidência ou não, no ano seguinte o ensaísta recebe a mais importante distinção literária da lusofonia. Contudo, o pretexto desta brevíssima retrospectiva é naturalmente a edição de 2011 do Prémio Camões que foi (com todo o merecimento, diga-se desde já!) atribuído a Manuel António Pina (Sabugal, 1943).
É interessante a circunstância de Eduardo Lourenço e Manuel António Pina serem ambos originários do distrito da Guarda, tal como Vergílio Ferreira (Melo, 1916), premiado em 1992, o que, se atendermos ainda à vitória de Eugénio de Andrade (Póvoa de Atalaia, Fundão, 1923) em 2001, faz da chamada Beira Interior um verdadeiro berço de escritores premiados.
Em abono da verdade, não se pode dizer que Eduardo Lourenço tenha dedicado à escrita de Manuel António Pina uma atenção comparável à que prestou aos textos dos seus amigos, infelizmente já desaparecidos, Vergílio e Eugénio. Mesmo assim, em Janeiro do ano passado, o ensaísta encerrou o colóquio, organizado pelo Centro de Estudos Ibéricos (a Guarda, mais uma vez!), proferindo uma conferência sobre a obra do autor que se estreou na poesia com o singularíssimo título Ainda não é o fim nem o princípio do Mundo, calma é apenas um pouco tarde (1974).
Eduardo Lourenço e Manuel António Pina na Guarda (fotos retiradas do site do CEI)
Será o texto da conferência aquele que veio a ser publicado com o título “Manuel António Pina. A ascese do Eu” (JL, nº 1035, Lisboa, 2/VI/2010, pp.7-8)? Ler Eduardo Lourenço confessa desconhecer essa informação, até porque no jornal não vem impressa nenhuma data ou qualquer outra referência sobre o artigo. Mas o que importa é que se trata de um ensaio que, de facto, vale a pena ser (re)lido. Quanto mais não seja para, a partir daí, se ir à (re)descoberta, na pessoalíssima escrita daquele que a si mesmo se chama um poeta (ana)cronista, da visão de «um romântico anti-romântico» (p.7) que, nas palavras de Eduardo Lourenço, manifesta «paradoxalmente, uma tão funda consciência na sua irrealidade, numa versão pós-pessoana» e «uma não menor e quase obsessiva pulsão para promover todas as aparências quotidianas a verdadeiras configurações angélicas com o dom de nos instaurar na realidade, ou antes naquela realidade onde misteriosamente fomos frustrados» (p.8).
Ler Eduardo Lourenço aproveita para dar os parabéns a Manuel António Pina, Prémio Camões 2011!