Capa de um livro de Pierre Boulez de que havia um exemplar na biblioteca da casa de Vence de Eduardo Lourenço
Por ocasião da atribuição do Prémio Pessoa, Eduardo Lourenço anuncia que brevemente editará uma nova obra intitulada Tempo da Música, Música do Tempo. «A música e a poesia foram uma espécie de companhia. A música é o canto do nosso próprio inconsciente», afirmou. O volume, a editar pela Gradiva, constitui uma parte do trabalho levado a cabo por Barbara Aniello no âmbito do projecto das Obras Completas e que consistiu na recolha e transcrição de um vasto conjunto de anotações manuscritas realizadas pelo ensaísta nas suas célebres e minúsculas agendas.
Para evocar o anúncio de mais este livro, com saída prevista para os primeiros meses de 2012, Ler Eduardo Lourenço gostaria de partilhar com os seus leitores dois Fragmentos de um diário inédito, escritos em Montpellier em 1956 e editados com selecção do próprio Autor (Prelo, Lisboa, número especial, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Maio de 1984, pp. 115-126). Não se trata de referências musicais específicas, ainda que sejam profícuas ao longo da sua obra. Nestes excertos, como noutros, música, silêncio, ou poesia, estão presentes no pensamento do Autor enquanto referências paradigmáticas. É com essas coordenadas que se olha o real, de forma a questionar o que o transcende e simultaneamente o funda. De certa maneira, com estas coordenadas é possível entrever o quadro singular do pensamento metafísico de Eduardo Lourenço. «Nós somos fundamentalmente Tempo», escreve em Tempo e Poesia e de diversas maneiras ao longo da sua obra. É desse modo que o próprio acto de escrita se faz uma espécie de andamento, a meio caminho entre a palavra e o silêncio, procurando reunir o que está disperso. É esse também o lugar da Poesia, onde o Autor, como chefe de orquestra, nos conduz.
«Montpellier, 18 Outubro 56. Queixamo-nos do silêncio do mundo. Sem razão. O universo é uma palavra viva e é o sussurro da sua voz que torna a nossa fala um lago de silêncio. Como no começo tudo pronuncia no mundo o seu ser único. O sol é a mais luminosa das nossas palavras, o carvão e a noite as mais obscuras. Cada uma das realidades que nos olham é mais falante que o eco enfraquecido com que nós nos entretemos a nós mesmos dessa conversação fabulosa de todas as coisas connosco.»
«Montpellier, 4 Dezembro 56. Não nasci senão para ver e ouvir. O resto é superior às minhas forças e aos meus dons. O rio branco da preguiça estava correndo antes de eu nascer, não seria eu que o levaria ao mar. O meu gosto é seguir-lhe as margens, cortar rodelas de sabugueiro e correr atrás delas, como em garoto, deslumbrado pela música luminosa da corrente.»
Para evocar o anúncio de mais este livro, com saída prevista para os primeiros meses de 2012, Ler Eduardo Lourenço gostaria de partilhar com os seus leitores dois Fragmentos de um diário inédito, escritos em Montpellier em 1956 e editados com selecção do próprio Autor (Prelo, Lisboa, número especial, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Maio de 1984, pp. 115-126). Não se trata de referências musicais específicas, ainda que sejam profícuas ao longo da sua obra. Nestes excertos, como noutros, música, silêncio, ou poesia, estão presentes no pensamento do Autor enquanto referências paradigmáticas. É com essas coordenadas que se olha o real, de forma a questionar o que o transcende e simultaneamente o funda. De certa maneira, com estas coordenadas é possível entrever o quadro singular do pensamento metafísico de Eduardo Lourenço. «Nós somos fundamentalmente Tempo», escreve em Tempo e Poesia e de diversas maneiras ao longo da sua obra. É desse modo que o próprio acto de escrita se faz uma espécie de andamento, a meio caminho entre a palavra e o silêncio, procurando reunir o que está disperso. É esse também o lugar da Poesia, onde o Autor, como chefe de orquestra, nos conduz.
«Montpellier, 18 Outubro 56. Queixamo-nos do silêncio do mundo. Sem razão. O universo é uma palavra viva e é o sussurro da sua voz que torna a nossa fala um lago de silêncio. Como no começo tudo pronuncia no mundo o seu ser único. O sol é a mais luminosa das nossas palavras, o carvão e a noite as mais obscuras. Cada uma das realidades que nos olham é mais falante que o eco enfraquecido com que nós nos entretemos a nós mesmos dessa conversação fabulosa de todas as coisas connosco.»
«Montpellier, 4 Dezembro 56. Não nasci senão para ver e ouvir. O resto é superior às minhas forças e aos meus dons. O rio branco da preguiça estava correndo antes de eu nascer, não seria eu que o levaria ao mar. O meu gosto é seguir-lhe as margens, cortar rodelas de sabugueiro e correr atrás delas, como em garoto, deslumbrado pela música luminosa da corrente.»