Eduardo Lourenço na Sala de Docentes do Colégio do Espírito Santo da Universidade de Évora
(foto Ler Eduardo Lourenço)
por Margarida Isaura Almeida Amoedo
Na passada Segunda-Feira, dia 5 de Dezembro, foi apresentado, no Auditório da Universidade de Évora, o Volume I das Obras Completas de Eduardo Lourenço (OC), que a Fundação Calouste Gulbenkian, fazendo jus ao reconhecimento do seu inigualável carácter prestimoso, decidiu patrocinar. Era preciso, para os que não somos conhecedores profundos dos seus textos, que alguém compilasse e sistematicamente organizasse os numerosos frutos da meditação do Escritor, um nome muitíssimo invocado, mas cuja obra, de tão plural e dispersa, só doravante poderá vir a ser alargadamente estudada. Somos, pois, devedores, desde já, aos responsáveis pelo projecto editorial, de que começamos agora a ter resultado público.
João Tiago Pedroso de Lima, um dos Coordenadores Científicos da Edição das OC e autor da Introdução ao Volume I, enquadrou este tomo no plano e na metodologia de um trabalho ainda em curso que mobiliza estudiosos de vários países. Como anfitrião principal de Eduardo Lourenço na Universidade de Évora em que ensina e investiga, não deixou, nem de sublinhar a relevância da vinda do pensador à Instituição – ainda que desta, acrescentamos nós, poucos membros lho tenham querido ou podido demonstrar inequivocamente, estando presentes –, nem de sugerir a leitura dos seus escritos como potencial reforço da missão universitária, à qual se refere directamente no ensaio “A Europa em crise e a crise da Universidade”.
João Tiago Pedroso de Lima, um dos Coordenadores Científicos da Edição das OC e autor da Introdução ao Volume I, enquadrou este tomo no plano e na metodologia de um trabalho ainda em curso que mobiliza estudiosos de vários países. Como anfitrião principal de Eduardo Lourenço na Universidade de Évora em que ensina e investiga, não deixou, nem de sublinhar a relevância da vinda do pensador à Instituição – ainda que desta, acrescentamos nós, poucos membros lho tenham querido ou podido demonstrar inequivocamente, estando presentes –, nem de sugerir a leitura dos seus escritos como potencial reforço da missão universitária, à qual se refere directamente no ensaio “A Europa em crise e a crise da Universidade”.
Foto de João Barnabé (ueline)
Na intervenção que se seguiu, Eduardo Lourenço, depois de referir a Universidade de Évora como um dos grandes espaços da nossa memória cultural, de uma importância menos expressa do que seria devido, aludiu ao projecto de publicação das suas Obras, mostrando-se convicto de que não testemunharia o seu termo. Mas, sobretudo, reflectiu, a partir do Volume I – Heterodoxias, recém-editado, sobre o significado do seu primeiro título, Heterodoxia I, de 1949. Invocando o momento em que o forjou, bem como o seu propósito justificado no respectivo “Prólogo sobre o Espírito da Heterodoxia”, levou os ouvintes a um breve e, no entanto, substantivo mergulho na experiência de dúvida e de uma certa demarcação dos limites ao pensar que, na década de 40 do Século XX, eram historicamente levantados pelo regime do Estado Novo. Denunciando uma das leituras equivocadas do seu ser heterodoxo, assumiu uma vez mais a sua formação católica e procurou explicitar que o uso inicial de heterodoxia radicou na sua paixão juvenil de querer ser livre, que incluía também o direito de não crer, entendido, pelo ainda postulante a filósofo e a escritor, como uma recusa da tirania intelectual que, à época, os dirigentes políticos e religiosos impunham, não verdadeiramente em nome de Deus, mas em nome da sua própria ortodoxia.
E ali, remetendo ao momento originário da sua necessidade de nomear a Liberdade como plenitude da vida, o ensaísta trouxe-nos (e nele nos deixou!... ) ao ponto nevrálgico: à heterodoxia, como demarcação de qualquer caminho que arrogantemente se perfile como único, tanto repugnam as ortodoxias da fé, como as ortodoxias sem fé; ser heterodoxo, se não impede o risco de converter a heterodoxia numa ortodoxia, parece definir-se pela resistência à tentação de trocar, por falsas conquistas noéticas, a imensidão do que, insinuando-se no horizonte antropológico, dele escapa.
A terminar a sessão, no momento em que Eduardo Lourenço aceitou, mais do que autografar, dedicar o volume a cada um dos interessados, uma senhora, na coxia do auditório, comentou: «Mesmo sem comprar o livro, vou lá à mesa, só para me sentir mais próxima dele.» O ensaio oral tinha levado ao núcleo de um pensamento vivo, personificado na pessoa do Pensador. E este, fiel à abertura amorosa que o Cristianismo converteu em mandamento, foi prolongando a sua resposta cordial às condições inóspitas do inverno eborense e, por tudo, tornando inesquecível aquela tarde de 5 de Dezembro.
E ali, remetendo ao momento originário da sua necessidade de nomear a Liberdade como plenitude da vida, o ensaísta trouxe-nos (e nele nos deixou!... ) ao ponto nevrálgico: à heterodoxia, como demarcação de qualquer caminho que arrogantemente se perfile como único, tanto repugnam as ortodoxias da fé, como as ortodoxias sem fé; ser heterodoxo, se não impede o risco de converter a heterodoxia numa ortodoxia, parece definir-se pela resistência à tentação de trocar, por falsas conquistas noéticas, a imensidão do que, insinuando-se no horizonte antropológico, dele escapa.
A terminar a sessão, no momento em que Eduardo Lourenço aceitou, mais do que autografar, dedicar o volume a cada um dos interessados, uma senhora, na coxia do auditório, comentou: «Mesmo sem comprar o livro, vou lá à mesa, só para me sentir mais próxima dele.» O ensaio oral tinha levado ao núcleo de um pensamento vivo, personificado na pessoa do Pensador. E este, fiel à abertura amorosa que o Cristianismo converteu em mandamento, foi prolongando a sua resposta cordial às condições inóspitas do inverno eborense e, por tudo, tornando inesquecível aquela tarde de 5 de Dezembro.