quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Literatura e Guerra Colonial

Meio século depois da eclosão da guerra colonial em Angola, é tempo de se fazer um balanço do tempo que nos separa de tão decisivo e violento acontecimento da nossa história colectiva recente. Ler Eduardo Lourenço assinala que o tema do colonialismo português sempre mereceu a atenção do ensaísta mesmo antes de 1961 e até aos nossos dias. Em nota ontem publicada pela agência noticiosa Lusa e que em seguida transcrevemos, Eduardo Lourenço discorre sobre as relações entre a nossa literatura e a guerra golonial. Na imagem, reencontramos o actor Luís Miguel Cintra, em cena de Non ou a vã glória de mandar, filme de Manoel de Oliveira estreado em 1990 e que, em parte, evoca também este acontecimento marcante do nosso tempo.

Lisboa, 01 fev (Lusa) – Os romances de escritores como António Lobo Antunes e Lídia Jorge contribuíram para “fixar o essencial dessa tragédia da história de Portugal” que foi a Guerra Colonial, segundo o filósofo Eduardo Lourenço.
“Os romances de António Lobo Antunes, por um lado, e de Lídia Jorge, por outro, são obras importantes como romances, como ficção, e ao mesmo tempo, como uma revisitação e uma rememoração do drama que, de uma maneira diferente, esses dois romancistas refletem”, disse à Lusa o pensador, quando se aproxima o cinquentenário do início da guerra em Angola, a 04 de fevereiro de 1961.
Na verdade – defendeu – “há toda uma ficção portuguesa que, mesmo antes que o drama da Guerra Colonial eclodisse, já previa que alguma coisa ia acontecer”.
Por exemplo, “uma espécie de antecessor de toda essa situação é o [Fernando Monteiro de] Castro Soromenho (1910-1968), que é hoje um autor que não é muito conhecido, autor [da trilogia] do Camaxilo (publicada entre 1949 e 1970) e de outras obras, que era um modesto funcionário em Angola e percebeu que se estava ali a gerar qualquer coisa que um dia seria um drama, uma tragédia”, apontou.
Outro, ainda nos anos 1940, foi o historiador de arte José-Augusto França, que publicou “um belo romance” de estreia em 1949, intitulado “Natureza Morta”, “um pouco uma coisa ainda Presencista” que se debruçava sobre a violência do colonialismo português em Angola.
Para Eduardo Lourenço, “apesar de efetivamente haver uma distância não só física, mas uma distância mental, entre a consciência que a Metrópole tinha dela própria e a pouca consciência que tinha do que se estava a passar no chamado Império, a verdade é que também alguma coisa sempre se soube do que era África, do que ela representava, sem falar de toda uma literatura de tipo neo-colonialista, que se escrevia para exaltar aquilo que as colónias representavam para nós”.
Na sua opinião, “em termos de ficção, de facto, os primeiros romances do Lobo Antunes são os romances em que o essencial dessa tragédia da história de Portugal já está fixado”.
“Eu sei que há outros romances, mas não os conheço, de maneira que não posso falar deles”, acrescentou.
Segundo o pensador, há ainda um problema por resolver: “o que é essencial é que, passado meio século do momento em que começa essa fase final do nosso Império, a Metrópole pensa que esse problema não está resolvido. Quer dizer, ainda não há uma vivência coletiva”.
“Parece que só com a série documental intitulada ‘A Guerra’, realizada pelo jornalista Joaquim Furtado, sobre a Guerra Colonial, é que, pela primeira vez, os portugueses se deram conta do que estava em jogo. Embora seja a título póstumo, infelizmente, mas estas coisas são assim”, observou.
“A verdade – prosseguiu – é que essa contribuição é preciosa para a auto-consciência que os portugueses têm desse ex-Império perdido, dessa luta inglória e fratricida, de algum modo, e até contrária àquilo que era a nossa veleidade, que o Império ia do Minho até às praias de Moçambique”.
“Mas a verdade é que, quando veio esse confronto, os moçambicanos, os angolanos e os guineenses puseram em causa esse laço colonial, realmente a Pátria foi de uma grande inconsciência e foi uma tragédia, uma tragédia nacional de que é sempre bom que se tenha uma imagem, uma ideia mais exata para que não caiamos noutras aventuras com o mesmo grau de inconsciência”, sublinhou.
ANC.
Lusa/fim