Num óptimo site da Universidade Federal do Rio de Janeiro dedicado à obra do autor de Sinais de Fogo, e que tem um título muito semelhante ao do blog Ler Eduardo Lourenço (que confessa, quase envergonhado, esta inspiração subliminar de que só agora se dá conta), a Professora Gilda Santos publicou recentemente três cartas inéditas de Jorge de Sena enviadas a Eduardo Lourenço. Recorde-se que, há vinte anos, numa rigorosa e muita cuidada edição de Mécia de Sena, saiu o livro Eduardo Lourenço/Jorge de Sena. Correspondência, (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Col. Biblioteca de Autores Portugueses, 1991). Nesse livro, referia-se que havia pelo menos oito cartas escritas por Jorge de Sena que estavam perdidas. Estas três missivas encontravam-se, afinal, na posse de Eduardo Lourenço, mas apenas agora, no decurso do Inventário e Catalogação do Acervo de Eduardo Lourenço, projecto da responsabilidade científica de João Nuno Alçada (a quem se agradece a referência ao site) e realizado no âmbito do Centro Nacional de Cultura, foram por assim dizer descobertas.
Ler Eduardo Lourenço estreia-se com a remissão para o link que permite ao nosso visitante aceder a este material cuja importância os leitores de Eduardo Lourenço e, claro, de Jorge de Sena não deixarão de reconhecer: http://www.letras.ufrj.br/lerjorgedesena/port/antologia/escritos_pessoais/texto.php?id=136
Por agora, apenas um brevíssimo comentário. A publicação destas três cartas permite, desde logo, reconstruir um diálogo que estava truncado e que, doravante, passa a fazer bastante mais sentido.Dois exemplos. Na carta com data de 3 de Maio de 1953, Jorge de Sena insere um poema com a seguinte indicação «transcrevo um dos meus poemas recentes – ele lhe dirá mais que esta carta que já vai comprida».De que poema se trata? Em nota explicativa à resposta (publicada em Eduardo Lourenço/Jorge de Sena. Correspondência) que Eduardo Lourenço redige à carta com poema dentro, Mécia de Sena arrisca uma solução para o enigma que, sabemo-lo agora, não era a correcta. Escreveu Mécia de Sena: «É provável que o poema aqui referido seja: Quanto eu disser..., (...) publicado em Fidelidade». Afinal, trata-se do poema Epitáfio, igualmente aparecido em Fidelidade (Lisboa, Moraes, 1958) e, de acordo com o que se pode ler no livro, escrito em 8 de Janeiro de 1953 .
Na segunda carta agora revelada, Jorge de Sena pede ao amigo o seguinte: «Não deixe de ler os poemas do grego Cavafy que traduzi do inglês e publiquei no “Comércio”, no passado dia 9. Não me lembro se chegámos a falar nisto». Talvez seja interessante evocar aqui o texto que Eduardo Lourenço publicará, dezasseis anos volvidos, na página literária de um jornal conimbricense: “Ler Cavafy”, Suplemento Perspectivas 70 de O Diário de Coimbra, nº 5, 20/VII/1970, p. 6.
Isto não significa que a resposta ao pedido tenha tardado, até porque Eduardo Lourenço escreve sobre o livro 90 e Mais Quatro Poemas de Constantino Cavafy, tradução do inglês que Jorge de Sena publica em 1970, enviando um exemplar ao seu correspondente em Março desse ano com a seguinte dedicatória: «Ao Eduardo Lourenço, este poeta que levei 17 anos a traduzir e a ver publicado - e que é um exemplo de como o simbolismo se transformou em modernismo. Com o grande abraço do Jorge de Sena, Madison-Março-1970» (Eduardo Lourenço/Jorge de Sena. Correspondência, op. cit., p. 22).
O pedido talvez signifique uma outra coisa. Que o trabalho literário de Jorge de Sena, designadamente como poeta e tradutor de poesia, pode também ser visto (entre muitas outras dimensões de uma obra poética notável, é evidente) como uma espécie de carta escrita ao seu amigo Eduardo Lourenço.