sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

As Seis Sibilas

Durante os anos 50, quando leccionou Filosofia na Universidade da Bahia, Eduardo Lourenço esteve ligado à organização do IV Colóquio Internacional de Estudos Luso Brasileiros que se realizou de 10 a 21 de Agosto de 1959.
Maria de Lourdes Soares, que prepara o Volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço a que foi dado o título Tempo Brasileiro, ao publicar recentemente quatro cartas de Agostinho da Silva (cf. “Cartas de Agostinho da Silva a Eduardo Lourenço”, Colóquio-Letras, nº 171, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Maio de 2009, pp. 313-323), assinala em nota 4 à carta datada em “Santa Catarina, 12 de Abril de 1959” que o Colóquio foi um «evento de grande porte realizado […] durante o reitorado de Edgard Santos, sob o Patrocínio da Universidade da Bahia e da Unesco. Marcello Caetano […] presidiu à Comissão Coordenadora em Portugal, instituída “com o propósito de organizar a participação oficial portuguesa no evento”. Hélio Simões actuou como secretário-geral do Colóquio e Eduardo Lourenço como um dos secretários da Comissão Organizadora» (Ibidem, p. 321).
Para contrabalançar os nomes da participação oficial portuguesa, Casais Monteiro e Eduardo Lourenço aconselharam os Organizadores de modo a que outras figuras pudessem também estar presentes. Até ao momento, e referindo-se sempre ao convite feito para participarem no Congresso, foi possível encontrar no Acervo de Eduardo Lourenço cartas de Jorge de Sena, Urbano Tavares Rodrigues, Fernando Lopes Graça, Fernando Guimarães, Delfim Santos, Mário Chicó, Joel Serrão, José Fernandes Fafe e Agustina Bessa-Luís cuja resposta, inédita, é a carta que a seguir se transcreve. Mas, por Agustina Bessa-Luís ter antes enviado a Eduardo Lourenço o seu romance A Sibila, este agradece-lhe enviando um postal com seis Sibilas: «em troca de uma pobre sibila rústica devolve-me agora seis…».
Questionado, em inícios de 2008, sobre que imagem teria sido enviada para suscitar o início desta carta, Eduardo Lourenço referiu-se vagamente a um dos pórticos da catedral de Saint-Sauveur (1504) em Aix-en-Provence. Mas meses mais tarde recordando a pergunta feita, envia o postal que se reproduz, escrevendo: «Vence 17 de Dezembro de 2009: Caríssimo João Nuno: Pelo “amarelisado” deve ser género do que em tempos (há 50 anos?) enviei d’Aix à Agustina. As famosas Sibilas para saudar A Sibila em nome do nosso Reino. Para si estas sábias e misteriosas criaturas devem-lhe levar desejos de Paz que não tenho e desejo aos outros. […] O maior abraço do seu muito amigo, Eduardo.» [JNA]






Meu Exmo Amigo, Dr. Eduardo Lourenço:

Em troca de uma pobre Sibila rústica, devolve-me agora seis deliciosas mulherzinhas com atributos de sabedoria e baldaquinos reais. Agradeço uma por uma – a primeira por bela, a segunda por ser cheia de superior inocência, a terceira porque é grave, a quarta altiva, a quinta, penetrante, a sexta severa.
É muito agradável receber palavras como as que me escreveu assinadas por um nome de grande prestígio e valor como é o seu. A viagem que eu fizesse ao Brasil teria um objectivo que considero importante, o de travar conhecimento com amigos dignos de que os mares se abram para deixar passar a amizade. Mas não sei, não sei. Mando, em princípio a adesão ao colóquio, mas se as viagens não forem previstas na alta folha do orçamento da Universidade da Bahia, não poderei comparecer. E assim, se um dia descer às praias de Salvador, prove as águas do Atlântico e notará que estão muito mais salgadas; é das lágrimas que chorarei por não ir daqui, com a minha comunicação cultural sobre uma coisa que se chamará, talvez, “o escritor e a terra”; e viajar sobretudo com alegria de verão europeu e com o excelente propósito de encontrar amigos pelo pensamento e pela pátria comum.

A m.to grata e admiradora
Agustina Bessa-Luís

Porto, 18 de Janeiro de 1959