António Marques
(foto http://www.ifl.pt)
No mais recente número da revista Colóquio-Letras encontrou Ler Eduardo Lourenço aquela que talvez seja, até agora, a mais completa recensão crítica publicada do primeiro volume das Obras Completas do ensaísta. De facto, António Marques analisa, ao longo de quatro densas páginas cheias de minúcia e rigor, as teses principais de Heterodoxias. Nada isto pode surpreender, no fim de contas. António Marques é, como se sabe, Professor Catedrático do departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e director do Instituto de Filosofia da Linguagem. É, para além disso, autor de variadíssimas obras de referência sobre filósofos como Kant, Nietzsche e Wittgenstein.Ora, o que talvez seja menos conhecido é a dimensão da sua actividade que o coloca, sem dúvida, como um dos mais atentos leitores de Eduardo Lourenço. Por outras palavras, o artigo “Eduardo Lourenço: antiniilismo e radicalidade” talvez ganhe em ser lido interpretado juntamente com dois outros escritos de António Marques. Por um lado, o já longínquo texto, dado à estampa no Diário de Notícias de 22 de Fevereiro de ... 1979(!!!), com o título “Psicanálise mítica e autognose”. Por outro, duas páginas do estudo “Autolegitimação e Autonomia. A Filosofia em Portugal desde finais dos anos sessenta até aos nossos dias”, incluído na injustamente esquecida obra, coordenada por Fernando Pernes, Panorama da cultura portuguesa (Porto, Afrontamento, 2002). Ler Eduardo Lourenço não garante que sejam apenas estes os textos que António Marques dedicou ao pensamento do autor de O Labirinto da Saudade, nem é isso decerto o mais relevante. O que importa sublinhar talvez seja outra coisa. Por exemplo, o seguinte: que António Marques é um dos (ainda?) raros olhares filosóficos que, do ponto de vista da universidade portuguesa, tem ousad debruçar-se sobre o pensamento de Eduardo Lourenço. Não é, evidentemente, o único. Mas é, com certeza, um dos mais significativos e estimulantes.
Assim, em “Psicanálise mítica e autognose”, António Marques analisa criticamente o texto “Contra o Previsível Post-Scriptum” que Eduardo Lourenço escreveu na sequência imediata da publicação do Labirinto. Fá-lo dizendo que a explicitação dos pressupostos metodológicos e epistemológicos que, no referido ensaio, Eduardo Lourenço faz do programa do seu título mais famoso se, por um lado, hipotecam o projecto de uma autognose cultural, precisamente porque tornam inviável o propósito de desocultarmos a nossa verdadeira imagem, por outro, são um convite para que a questão mereça e seja aprofundada. Daí a conclusão com que António Marques encerra o seu artigo: «Pela importância do tema e a inteligência do ensaísta, vale a pena estarmos atentos».
Em suma, precisamente porque discutíveis (no sentido preciso do termo, ou seja, porque merecem ser discutidas), as leituras que António Marques faz do autor de Heterodoxias revelam uma atenção e uma acuidade que fazem delas ocasiões de grande proveito filosófico. Não foge à regra “Eduardo Lourenço: antiniilismo e radicalidade”, cuja leitura reforça a impressão de que, ao seu autor, se devem algumas das leituras mais filosoficamente estimulantes daquele que o próprio António Marques considera ser o «mais universal filósofo português» (p. 165).