Num país futebolisticamente obcecado pelo duelo ibérico de amanhã e em que jogará por fora (em vários dos múltiplos sentidos desta equívoca expressão) o argentino Lionel Messi, talvez interesse recuperar as palavras de Eduardo Lourenço acerca das impossíveis comparações sobre quem é ou quem foi o melhor futebolista do mundo. Deste e de todos os tempos. Por exemplo, será Cristiano Ronaldo superior a Figo? E Eusébio? Terá sido ele mais jogador do que os outros dois?
O ensaísta responde: «Os santos da nossa época são outros. Eusébio, por exemplo, que há dias manifestava a sua frustração por ter sido designado como o sexto melhor jogador do nosso século [século XX]. Sem se ter por incomparável – que se calhar até é – Eusébio pensava num segundo lugar. Que foi o melhor do seu tempo português, quem o duvida? Que talvez tenha sido o segundo ou o terceiro do tempo mundial de Pelé, ou de Di Stefano é hipótese que não escandaliza. A verdade é que, por incomparável, ele ou os outros ídolos do seu tempo nem deviam admitir ser comparados. De qualquer modo, o que não tem sentido é comparar gente de épocas, contextos, códigos diversos. Não só Alexandre com Aníbal ou este com Napoleão, comparação clássica, mas também Galileu com Newton ou com Einstein (que são, afinal, um só “homem”), mas muito menos Gil Vicente com Shakespeare, ou Monteverdi com Mozart. Antes de estarem isolados pelo génio, cada um está isolado pelo seu tempo. No tempo português, a hora de Eusébio não foi a de Vitor Silva, nem a de Pinga ou de Peyroteo, como a de Borg não foi a de Rod Laver ou a de Copi a de Merckx. Essa gente nunca se conheceu. Estão separados dos outros como as estrelas, mesmo as próximas. Ninguém os pode comparar. Que mais não fosse, só por isso já seriam “incomparáveis”. Só Deus os viu jogar juntos. Mas não confiou as suas apreciações a ninguém.» (“Incomparáveis ou a tristeza de Eusébio”, Visão, 21/I/1999, p. 98).