quinta-feira, 6 de novembro de 2014

«Queria ser João José Cochofel, mas sou só...»*

Ontem à tarde, na Casa da Escrita: na mesa vêem-se, da esquerda para a direita, Manuel Carmelo Rosa (Fundação Calouste Gulbenkian), Eduardo Lourenço, Rosa Maria Martelo, Manuel Machado (Presidente da Câmara) e António Pedro Pita (foto página facebook "Pequenos pormenores da Casa da Escrita...")
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Estava quase a rebentar pelas costuras, a Casa da Escrita em Coimbra, ontem ao fim da tarde, para a sessão de lançamento do II Volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço, Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista e Outros Ensaios. Muitos leitores, admiradores e amigos do ensaísta marcaram presença num acontecimento que, por se realizar no número oito da Rua João Jacinto, a antiga casa de família do poeta João José Cochofel, se revestiu de um simbolismo muito especial.
Presidiu à sessão o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, que sublinhou, na breve alocução inicial, o facto de Eduardo Lourenço e a cidade do Mondego terem um trajecto que, em muitas ocasiões, foi partilhado. 
Rosa Maria Martelo, poeta, ensaísta e professora associada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, encarregou-se da apresentação do livro, fazendo-o através de uma intervenção magnífica que, para além de sintetizar os aspectos principais do volume, destacando também a importância do prefácio de António Pedro Pita, indicou novas pistas de leitura e de interpretação da relação, tão fascinante quanto problemática, entre Eduardo Lourenço e o neo-realismo. Nesse quadro, a referência ao famoso artigo “Uma literatura desenvolta ou os filhos de Álvaro de Campos”, vindo a público na revista O Tempo e o Modo (nº 42, Lisboa, Outubro de 1966, pp. 923-935) e mais tarde integrado no livro O Canto do Signo, não poderia ter sido mais oportuna.
António Pedro Pita, prefaciador e coordenador deste volume das Obras Completas, tomou a palavra para uma curta declaração na qual sublinhou a relevância do trabalho de que  ali se falava e, por fim, Eduardo Lourenço deliciou todos os  presentes com uma belíssima reflexão naquele seu modo tão pessoano em que sentir e pensar se harmonizam de forma cristalina. A quase conferência do ensaísta é impossível de resumir, mas talvez mereça especial sublinhado a emocionada (e comovente) evocação do seu Amigo e Colega Raúl Gomes (de que se publica, em nota à margem deste volume, uma extraordinária carta), o brevíssimo mas iluminante retrato de Cochofel (e das épicas refeições na casa da Avó deste na Figueira) e de Joaquim Namorado ou mesmo a forma como o marxismo se inscreveu, de maneira mais ou menos explícita, no imaginário de uma geração onde todos os sonhos pareciam ser possíveis. Em suma, quem esteve ontem na Casa da Escrita viveu, decerto, um momento absolutamente inesquecível, que Eduardo Lourenço encerrou lapidarmente, confessando: «Naquela época [anos Quarenta], queria ser João José Cochofel, mas sou só... Eduardo Lourenço!»

Aspecto de uma assistência que encheu por completo o auditório da antiga casa de João José Cochofel. Uma sessão memorável!(foto página facebook "Pequenos pormenores da Casa da Escrita...")

* Ler Eduardo Lourenço dedica este texto à memória do escritor Pierre Daix (1922-2014) evocado também por Eduardo Lourenço na sessão de ontem. 
http://www.lemonde.fr/disparitions/article/2014/11/02/le-journaliste-et-ecrivain-pierre-daix-est-mort_4516649_3382.html
Sobre o evento, cf. também https://acabra.wordpress.com/2014/11/06/casa-da-escrita-celebra-eduardo-lourenco-e-lopes-graca/