quinta-feira, 4 de abril de 2013

Com a tensão de uma lâmina

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Desenho de António Ramos Rosa,
folha branca A4, caneta tombo azul, 2005 
in http://lisboeta1974.blogspot.pt


Ensaísta tatuado quase obcecadamente por Pessoa, nem por isso Eduardo Lourenço deixa de escrever páginas tão admiráveis e essenciais sobre poetas que são, como ele mesmo afirmou de Sena ou Casaes Monteiro, posteridade autêntica do autor de Ode Marítima. É o caso, sem dúvida, embora em moldes diversos (que, de resto, podem e devem merecer discussão) de António Ramos Rosa e de Herberto Hélder. Ao primeiro foi dedicado um texto que (numa prática, de resto, não  muito frequente em Eduardo Lourenço) foi conhecendo sucessivas e modificadas feituras e que terá conhecido a sua versão quase definitiva como último ensaio do livro Tempo e Poesia. Inicialmente publicado na edição de 11 de Dezembro de 1969 do Suplemento Literáriode Diário de Lisboa, com o título “António Ramos Rosa ou o excesso do real”, ao primeiro ensaio Eduardo Lourenço reuniu um segundo que foi também impresso no nº 15 da revista Colóquio-Letras, em Setembro de 1973. Juntando e corrigindo (com inúmeras alterações, supressões e acrescentos) os dois textos, Eduardo Lourenço terá pronto no ano seguinte o prefácio à antologia de Ramos Rosa Não posso adiar o coração (número terceiro da Colecção Sagitário da Plátano Editora) e, nesse mesmo ano a todos os títulos decisivo, a portuense Editorial Inova lançará também nas livrarias Tempo e Poesia. É na página duzentos e sessenta e sete desta primeira impressão de Tempo e Poesia que o leitor tropeça nesta extraordinária comparação entre os autores de Última Ciência e de Voz Inicial: «aquilo que em Herberto Hélder se processa no tumulto, em Ramos Rosa tem a nítidez e a contensão de uma lâmina». Ler Eduardo Lourenço estranhou a palavra contensão e decidiu consultar as outras edições de Tempo e Poesia. Em 1987, na colecção À volta da Literatura, aparece a segunda reimpressão da obra com a chancela da Relógio d'Água. E, na página duzentos e trinta e sete, o leitor reencontra mesmo a palavra contensão de que Sophia talvez dissesse ter qualquer coisa de dansante. A edição mais recente de Tempo e Poesia (Gradiva, 2003), sem dúvida muito mais cuidada e rigorosa do que a anterior,  corrige o termo e, na página duzentos e quinze, diz-se por fim que a poesia de Ramos Rosa «tem a nitidez e a contenção de uma lâmina».
Nada há a contestar nesta decisão editorial, desde logo, porque, no prefácio a Não posso adiar o coração, já tinha sido essa a escolha realizada, como se pode observar na respectiva página quarenta e cinco. No entanto, há qualquer coisa nesta (involuntária?) palavra contensão que não deixa de fazer sentido e mesmo de agradar. Como se a poesia de Ramos Rosa avançasse cortante de tensão como uma faca. Por exemplo, nestes versos: «Sou trespassado e vulnerado / pelo ar da luz, pela luz do ar».