quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Porque é que ele terá gostado disto?*

Entre as pessoas que lêem a minha poesia, tu [Caríssimo Ben] és decerto aquela que me deixa mais inquieto pois, conhecendo o teu gosto literário, continua a surpreender-me que te interesses pelo que escrevo. Faz-me a justiça que acreditar que não é afectação: fico mesmo inquieto e só me apetece pegar nos meus livros de poesia e voltar a ler tudo, numa de «Porque é que ele terá gostado disto?». Curiosamente, com críticos, mesmo quando são simpáticos em excesso, isso não me acontece. Acontece-me, a insegurança, apenas contigo (e, provavelmente, também com mais uma ou outra pessoa, mas agora não me ocorre mais ninguém; sim, talvez com o Eduardo Lourenço também, mas tendo sempre a levar a opinião do Eduardo Lourenço à conta da sua natural simpatia, não isenta de condescendência, até porque as leituras que ele tem feito daquilo que escrevo são, em geral, muito impressivas.
* Excerto de O último e-mail para Almeida Faria, publicado na edição de hoje do Jornal de Letras, Artes e Ideias (p. 9). Trata-se de uma mensagem electrónica enviada por Manuel António Pina ao seu amigo Almeida Faria (Ben, assim o tratam os amigos mais próximos do autor de Rumor Branco) no passado dia 9 de Agosto e incluída no dossier especial que o JL dedica ao poeta e cronista (Prémio Camões 2011) recentemente falecido.