quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Palrando sobre computadores, cinema e ... Coca-Cola!


Mão muito atenta e amiga fez chegar a Ler Eduardo Lourenço um exemplar do número sete da II série de uma revista relativamente desconhecida. Trata-se de Montepio, publicação ligada ao banco homónimo e dirigida por António Tomás Correia. Na capa da edição deste Outono, surge Eduardo Lourenço. Pretexto? Uma curiosa entrevista, realizada no Algarve (provavelmente no Verão passado) por Isabel Carlos, com o título Sou um nómada e ilustrada por excelentes fotografias, tiradas nas instalações da Fundação Calouste Gulbenkian (em Lisboa) por Artur (sic!), duas das quais, com a devida vénia, também aqui se reproduzem.
Não é fácil conciliar uma entrevista que apresente Eduardo Lourenço, a sua personalidade e a sua obra, ao leitor comum e, ao mesmo tempo, acrescente novas informações aos muitos admiradores do ensaísta. Desse ponto de vista, e apesar de um ou outra imprecisão de pormenor, as setes páginas consagradas ao autor de Heterodoxias parecem conseguir um raro equilíbrio entre divulgação e novidade. Aos leitores deste blog interessarão especialmente o que neste documento existe de original. Ler Eduardo Lourenço destaca hoje dois tópicos desta algarvia conversa em que o entrevistado confessa: «O Fernando Pessoa, quando era menino, tinha um caderno, um diário, a que chamava O Palrador. Também sou dessa espécie palradora» (pp. 37-38). A conversa começa por se centrar no que passa por ser a já lendária desorganização de Eduardo Lourenço e a sua muito peculiar relação com o universo cibernético.
«Gostava de ser mais organizado?
É um fundo sem conteúdo. Não sou essa pessoa arrumada, mas lamento porque facilitava a vida aos outros e a mim próprio, que cheguei ao ponto de não me entender. Começaram a sair as chamadas obras completas. Serão incompletíssimas. Isso facilitaria a vida dessas pessoas, porque eu muitas vezes não sei o que é que está escrito.
Vejo que não tem computador.
Não, mas sei o que é um computador. Já ouvi falar, vejo as pessoas usarem, mas não tenho tempo para ler jornais quanto mais meter-me noutro planeta que me é estranho.
Não tem curiosidade?
Tenho curiosidade por tudo, mas não posso perder-me em tudo o que é solicitação exterior. Felizmente que nasci numa época em que não existiam computadores, senão não teria escrito uma linha.
Por que diz isso?
Porque aquilo é um universo sem fim e como não resisto a uma tentação senão cedendo... » (p. 33).

Mais à frente o assunto passa a ser o cinema e a Coca-Cola, bebida de que, passe a publicidade, Eduardo Lourenço é um inveterado apreciador, embora, por razões de sáude, tenha moderado o seu consumo nos últimos tempos. Anabela Saint-Maurice, no documentário Regresso sem Fim, imortalizou aliás a relação do ensaísta com o refrigerante, ao filmar Eduardo Lourenço, numa esplanada da magnífica Plaza Mayor em Salamanca, em flagrante delito.
«(...) O cinema tem uma lógica interna, chega a todo o lado. É como a Coca-Cola, se consumirmos ficamos aditos.
Lembra-se do primeiro filme que viu?
Muito bem. Tomix Rei dos Cavaleiros. Uma matiné de borla, na Guarda. Eram uns filmes muito sumários. Mais tarde ia à Amadora passar férias com uma família que descobri tardiamente e via filmes de cowboys. Era uma coisa de uma popularidade intensa porque era participada. As pessoas reúnem-se para celebrar qualquer coisa. Não é preciso que ninguém nos venha pregar nada. É o facto de o prazer que se tem nisso ser uma resposta a um problema, talvez o mais sério da humanidade: o tédio» (p. 37).

Ler Eduardo Lourenço pesquisou, mas a verdade é que nada conseguiu saber sobre este Tomix. Haverá entre os visitantes deste blog quem conheça algo do primeiro filme da vida de Eduardo Lourenço?