sexta-feira, 23 de março de 2012

Glauber Rocha, Helena Ignez & ... um professor de Filosofia vindo de Portugal!

Da estadia profissional na Universidade Federal da Bahia (Brasil) de Eduardo Lourenço, ocorrida nos finais dos anos Cinquenta, um dos factos que não é, sem dúvida,  dos menos curiosos é o conhecimento travado com aquele que viria a ser um dos mais importantes cineastas brasileiros, Glauber Rocha (1939-1981). Glauber, que durante dois anos frequentou a Faculdade de Direito, não só assistiu às aulas de Eduardo Lourenço, como entre os dois se estabeleceu uma relação de amizade, a tal ponto que o  Professor de Filosofia foi convidado para o casamento do jovem realizador com a actriz Helena Ignez.


Casamento de Glauber Rocha e Helena Ignez
(imagem retirada de http://www.istoe.com.br/)



Numa curiosíssima entrevista concedida no primeiro dia de Maio de 2000, em São Paulo, a Rui Moreira Leite, Eduardo Lourenço evoca a memória do seu amigo Glauber: «Na Bahia, que nesses anos era ainda um meio pequeno, a cidade devia ter cerca de 500 mil habitantes, conheci ainda outros intelectuais. E apareceu um jornal novo para o qual eu fui convidado a colaborar, por um menino cha­mado Glauber Rocha. Desse modo nos conhecemos e, com outros mais, ele veio a algumas das minhas aulas. Ele não era ainda o Glauber Rocha que viria a ser, mas nessa altura até me mostrou um pequeno filme com a duração de dez minutos, corn um impacto de imagem notável. Assistimos ao casamento dele, casou com a Ignez, que era uma bonita menina lá do sitio. E o almoço do casamento foi assim, como dizer?, delicioso... Mais tarde encontrei-o em Cannes muito mudado. Quase nem o reconheci. Percebi que havia ali um problema que eu desconhecia. Quando veio para o Rio ja se tinha separado dessa famosa Ignez ou foi ela que se separou e veio para o Rio... Coisas que acontecem... E já só o vi, de raspão, em Cannes. Houve um telefonema muito aflitivo quando eu estava de passagem por Lisboa, já depois do 25 de Abril, em que ele se encontrava numa situação difícil... não só de saúde. Provavelmente queria fazer algum filme, e pensou que eu era entäo uma pessoa importante que o podia ajudar. Infelizmente eu estava de saída no dia seguinte. Depois recebi a notícia de que tinha morrido... Fiquei com uma espécie de remorso... Eu não sei o que poderia ter feito mas a verdade é que eu não era a pessoa importante que ele pensava», Colóquio-Letras, nº 171, Lisboa, Maio-Agosto de 2009, pp. 301-302.

O filme de que Eduardo Lourenço fala é a primeira curta-metragem de Glauber Rocha, na qual participa a actriz ... Helena Ignez. Apesar do talvez excessivo experimentalismo da película, vale a pena dar uma vista de olhos:




À filmografia de Glauber Rocha dedicou Eduardo Lourenço pelo menos um ensaio (que a seguir se reproduz), publicado no suplemento cultural de O Comércio do Porto em 23 de Maio de 1967, curiosamente no dia em que o ensaísta fazia quarenta e quatro anos e em que, exactamente na mesma data, Helena Ignez completava vinte e cinco anos. Sobre  Deus e o Diabo na Terra do Sol fala ainda Eduardo Lourenço num ensaio redigido a pretexto de umas jornadas, realizadas em Nice entre 14 e 18 de Março desse mesmo ano, dedicadas ao novíssimo cinema brasileiro. Trata-se de “O Cinema Novo e a Mitologia Cultural Brasileira”, texto com várias edições, mas que o leitor facilmente encontrará no livro A Morte de Colombo de 2005.