quinta-feira, 8 de março de 2012

As pessoas até vão pensar que eu ando a concorrer aos prémios...



No primeiro livro inteiramente dedicado ao ensaísmo de Eduardo Lourenço que se publicou, no já distante ano de 1997, Maria Manuela Cruzeiro fala em duas opções «antagónicas e redutoras» que seria possível tomar na hermenêutica da obra do autor de O Labirinto da Saudade. São elas: por um lado, «a análise crítica a partir de princípios metodológicos claros e rigorosos»; por outro «o panegírico celebratório que, por vezes, se confunde com o mais modesto plágio». Manuela Cruzeiro visa, em Eduardo Lourenço. O Regresso do Corifeu (Lisboa, Editorial Notícias, Col. Ciência Aberta) trilhar um outro caminho, procurando assim superar o discurso habitual que, em Portugal, se costuma produzir sobre o ensaísta e que, segundo ela, «tem oscilado entre os dois excessos de amor e ódio» (p. 9). Não é este o lugar para discutir nem a grelha de leitura (ou melhor, de desleitura) de que Manuela Cruzeiro se pretende distanciar, nem se esse objectivo é, no livro de que estamos a falar, alcançado. O Regresso do Corifeu é uma obra ainda hoje extremamente importante não só pelas pistas que abre como pelas questões que suscita (e são muitas...).
Ler Eduardo Lourenço lembrou-se da expressão panegírico celebratório quando, esta manhã, tomou conhecimento, ao abrir (como sempre o faz) o Diário de Notícias, que a Universidade de Lisboa decidiu atribuir o seu Prémio 2012 a ... Eduardo Lourenço! Desfaça-se, desde já, qualquer equívoco. Não se contesta nem a justeza, nem a pertinência da decisão. Seria pelo menos absurdo fazê-lo. O Júri, composto por personalidades de indiscutível mérito científico e cultural, deliberou «após uma votação que se pautou pela unanimidade da escolha». No entanto, a reacção de Eduardo Lourenço não deixa de ser significativa. «Fui informado há poucos minutos deste [Prémio] e já recebi um telefonema de um amigo meu a brincar com a situação: “Agora é só prémios!” É que este foi tão próximo do Prémio Pessoa que ainda não estou refeito da novidade. Por um lado é ineseperado, por outro é tão próximo que as pessoas até vão pensar que eu ando a concorrer aos prémios, coisa que nem me passaria pela cabeça.»




Os prémios são sempre importantes. Pelo que representam, pelo seu montante pecuniário, pela gratidão e pelo reconhecimento que traduzem. Nesta hora feliz, Ler Eduardo Lourenço saúda o ensaísta pelo Prémio atribuído e a Universidade de Lisboa pela coragem de escolher um filósofo num tempo em que a palavra filosófica parece mais urgente do que nunca. É caso para dizer que, nos últimos tempos, Prémios não têm faltado a Eduardo Lourenço! Mas talvez seja preciso sublinhar que, embora O Regresso do Corifeu não seja (felizmente!) o único livro dedicado à obra de Eduardo Lourenço, continuam a fazer falta estudos que expliquem, critiquem, debatam um pensamento que, segundo o Júri do Prémio da Universidade de Lisboa, é «capaz de inspirar os caminhos do futuro na hora difícil que o país atravessa». Sob pena de não se ir mais além do que o panegírico celebratório de que fala Manuela Cruzeiro.

Maria Manuela Cruzeiro publicou em 1997 o primeiro livro dedicado ao ensaísmo de Eduardo Lourenço