quinta-feira, 21 de junho de 2012

José e Eduardo foram a exame


Ler Eduardo Lourenço não quer correr o risco de se equivocar desnecessariamente, mas julga que, pela primeira vez, o autor de O Labirinto da Saudade é tema de exame de Filosofia (que este ano regressou ao calendário oficial das provas, decisão que, sem qualquer ironia, vivamente se saúda) no ensino secundário. Tratar-se-á de mais uma consagração pública do ensaísta? Será que, por exemplo, o conceito de heterodoxia começou a constar das cábulas dos estudantes liceais? A bem dizer, não é esse exactamente o caso. E talvez seja mesmo exagero falar-se em tema de exame. O que sucede é que Eduardo Lourenço (na óptima companhia do seu amigo José Gil) aparece como protagonista de um argumento de lógica, cuja validade formal os examinandos teriam de testar, como se pode ver pela imagem que a seguir se apresenta.
Felizmente que o que estava em causa era apenas a validade do argumento e não a correcção do enunciado da primeira premissa que reza assim: «Se o António é um intelectual português contemporâneo, então leu Eduardo Lourenço e leu José Gil». O que está em questão não é averiguar quem é o António, tarefa interessante e seguramente não menos fácil do que a resposta à pergunta do exame, atendendo aos vários possíveis intelectuais portugueses contemporâneos que têm o nome em comum com o santo padroeiro de Lisboa. Tão pouco que os intelectuais portugueses contemporâneos, para o serem, têm de ler este ou aquele autor, ainda que estas não sejam, decerto, as piores sugestões de leitura. De resto, o consequente leitor de Eduardo Lourenço e José Gil é, desde logo, assinalável. Repare-se que os dois não são apresentados em alternativa, pois, de acordo com o enunciado da prova, quem lê Lourenço tem de ler Gil e isto surge com uma energia apodíctica. Felizmente que estas dúvidas e inquietações não são compatíveis com o espírito frio e calculador dos examinadores. E, de facto, a validade do argumento poderia ser testada mesmo se ele aparecesse expresso numa linguagem puramente simbólica. Dir-se-ia que, com sorte, é possível que alguns dos 5695 alunos (84% dos inscritos) que realizaram a prova sintam a curiosidade de pegar num livro de Eduardo Lourenço ou de José Gil. Se se chamarem António, então pode ser que, um dia, venham mesmo a ser considerados intelectuais portugueses contemporâneos. Nem que seja num argumento de exame.