No máximo, dezasseis anos. Vem da praia ainda orvalhada de bruma, em fato de banho, fulgurante. Sobe comigo este elevador do acaso. Não sabe que me rouba o presente, que me expulsa para o antigo espaço em forma de abismo onde a minha vida desaparecia nula e gloriosa. A visão da beleza teve sempre para mim este efeito devastador. Esta rapariga perfeita, de pé a meu lado, ignorante da força destruidora das suas longas pernas nuas, ferozes como espadas, não me acordou o que se chama os sentidos. Não se tem vontade de fazer amor com o céu estrelado ou o mar. O amor teve sempre para mim este efeito de evasão da gravidade terrestre. Não é o da pulsão sexual mas o seu oposto. Tudo se passa como se o amor sexual fosse a sombra desse outro amor, aquele que nos subtrai à fatalidade de sermos apenas nós como sobrevivência egoísta. Possuir a fórmula do amor sexual - aliás inexequível - ser possuído, a do autêntico amor, viagem deslumbrada ao centro do sol, esquecimento positivo da pulsão da morte que nas profundezas do corpo lateja silenciosa. Estranho rosto o do amor, mesmo o de um segundo fulminante, sem futuro, como o estático e ascensional por esta desconhecida, me reconduz à morte por instantes suspensa no seu olhar de jovem arcanjo. Durante alguns instantes o tempo, o meu tempo de morte, pôs-me a correr às avessas e deixou-me algures à beira da praia dos meus vinte anos em que tudo era promessa e eu esperava ainda da mulher o olhar que me arrancasse para sempre, raio ou graça, à morte dos dias. O tempo de subir cinco andares.
* Este texto, publicado pela primeira vez no número especial dedicado a Eduardo Lourenço da revista Prelo em Maio de 1984, é um fragmento do famoso diário do ensaísta. Tem a data de 17 de Julho de 1970 e foi escrito na praia de Dinard (França). Ler Eduardo Lourenço recupera o que considera ser um dos mais peculiares escritos de Eduardo Lourenço e agora, ao partír para banhos de mar, deseja a todos os seus visitantes umas óptimas férias. Até Setembro!