quarta-feira, 15 de abril de 2015

Manoel de Oliveira: quase contemporâneo de uma arte sem passado

 O Jornal de Letras, Artes e Ideias de hoje dedica a Manoel de Oliveira um dossier que inclui vários ensaios e testemunhos dedicados ao realizador de Francisca, merecendo especial destaque o curto, mas interessantíssimo, Moderno por não moderno, texto de Eduardo Lourenço, de onde Ler Eduardo Lourenço repescou a feliz expressão que encima a prosa de hoje. Como se sabe, não é esta a primeira ocasião em que o ensaísta escreve sobre o cineasta. Relembre-se, a título de exemplo, uma muito sugestiva reflexão sobre Non ou a vã glória de mandar: “Para Cá do Espelho Mágico ou a grã glória de des-sonhar” (Suplemento Fim de Semana de Público, 12/X/1990, pp. 8-9). Curiosamente, o mesmo JL, na década de Oitenta do século passado, também publicou um texto dedicado ao autor de O Labirinto da Saudade, escrito por ... Manoel de Oliveira. Relendo esse artigo de Oliveira, até pelo seu título “[Eduardo Lourenço]Um pós-moderno” (Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 231, Lisboa, 6/XII/1986, p. 13) a muitos apetecerá imediatamente relacioná-lo com o inédito de Eduardo Lourenço que o quinzenário dirigido por José Carlos de Vasconcelos hoje divulga na sua página sete e que, por si só, justifica a aquisição deste número.
Um outro aspecto menos conhecido da relação intelectual destes dois amigos merece, porventura, ser destacado. É que Eduardo Lourenço participou numa das obras da vasta filmografia de Oliveira. Não se pode dizer, em rigor, que a paixão do ensaísta pelo cinema o tenha convertido em actor. Mas a verdade é que, no documentário luso-italiano Lisboa Cultural que o realizador rodou nos anos de 1982 e 1983, Eduardo Lourenço tem uma breve aparição. Lisboa Cultural, que se estrearia em 28 de Setembro de 1984, contou com a presença de um naipe significativo de actores portugueses, entre os quais se destacam Eunice Muñoz, Diogo Dória, Carlos Paulo, Maria do Céu Guerra, Teresa Madruga, Lima Barreto, Luís Miguel Cintra, Manuela Freitas ou até Maria Barroso. Para além disso, intervêm no filme nomes como Artur Nobre de Gusmão, Oliveira Marques, António José Saraiva, Adriano de Gusmão, Luís Albuquerque, David Mourão-Ferreira, Maria de Lurdes Belchior, Jacinto do Prado Coelho, João de Freitas Branco, Flávio Gonçalves, Osório Mateus, Joel Serrão, Azeredo Perdigão, Eduardo Prado Coelho ou João Gaspar Simões.
É no quadro destas intervenções que participam também em Lisboa Cultural Eduardo Lourenço ou José-Augusto França. Infelizmente o curto trecho do filme que Ler Eduardo Lourenço conseguiu encontrar, e que a seguir se reproduznão inclui a prestação do autor de O Espelho Imaginário que, salvo equívoco de memória, consta de uma declaração filmada em frente à Torre de Belém, mas nele pode ver-se o ensaísta e historiador de arte José-Augusto França. Será evidente exagero pensar-se que, pelo que foi dito, Eduardo Lourenço é um dos actores do mais importante cineasta português ou até que Lisboa Cultural é um dos momentos decisivos da arte maior de Oliveira. Ainda assim, fica aqui registada, na semana seguinte à sua morte, a homenagem ao autor de Aniki-Bobó, filme que, nas palavras de Eduardo Lourenço, é «um milagre sem segundo na nossa história (já então “estória”) cinematográfica» (Jornal de Letras, Artes e Ideias, 15/IV/2015, p. 7).