terça-feira, 15 de novembro de 2011

Militares & Democracia

Entrevista recente de um dos mais destacados protagonistas da vida militar e política portuguesa das últimas décadas veio, provavelmente não da forma mais feliz, reacender o tema das relações entre a democracia e as Forças Armadas. Não pretende Ler Eduardo Lourenço discutir o teor das afirmações mais polémicas de tal intervenção pública, mas, sim, aproveitar o pretexto para sublinhar, uma vez mais, que o assunto representa uma parte não despicienda na obra do ensaísta. Para além dos textos incluídos no livro Os Militares e o Poder, já aqui mencionado em Abril último, Eduardo Lourenço escreveu noutras circunstâncias sobre o tema. Por exemplo, em Maio de 1976, num colóquio organizado pela Intervenção Socialista, Eduardo Lourenço afirmou o seguinte: «Temos a sorte de possuir, neste momento, um “statu” militar que é inegavelmente democrático e que faz a admiração e o espanto da Europa democrática e do Mundo. Mas a realidade portuguesa é uma realidade movente e dessa movência as Forcas Armadas e os seus dirigentes democráticos recebem os ecos e naturalmente as convulsões possíveis. Na medida em que as Forças Armadas constituem ainda, o fulcro essencial da vida política portuguesa e apesar delas próprias nós não estamos ainda numa sociedade consolidada democraticamente e, portanto, seria uma ilusão trágica pensar que já estamos».
Será que, tantos anos depois, a sociedade portuguesa está por fim democraticamente consolidada? A avaliar por algumas dessas afirmações, seria talvez uma ilusão trágica pensar que já está.


Jorge Sampaio

Esse colóquio internacional reuniu pessoas tão diferentes da vida política portuguesa, como Jorge Sampaio (que era então o Presidente da Comissão Directiva da I.S.), João Cravinho, Urbano Tavares Rodrigues, Nuno Bragança, João Martins Pereira, Maria Velho da Costa, Manuel Braga da Cruz, Maria Alzira Seixo, Carlos Aboim Inglês, Luís Salgado de Matos. Entre os intervenientes estrangeiros previstos, destaque para  Andreas Papandreau (sim, o Pai do até há muito pouco primeiro-ministro George Papandreau e que, tal como o seu progenitor, Georgios, também chefiou o Governo grego) que enviou uma mensagem ao Colóquio, justificando a sua ausência («Lastimo profundamente que razões políticas na Grécia impeçam absolutamente a minha presença aí como a presença dos meus camaradas»...). Ler Eduardo Lourenço não acredita que a História se repete, mas...
Não veio Papandreau, mas vieram Maurice Ronal, Luciano Gruppi, K.S. Karol, Stuart Holland, M. Achilli, entre outros. As actas do Colóquio foram publicadas nesse mesmo ano pela editora Diabril e o livro ainda se consegue encontrar nalguns bons alfarrabistas: foi pelo menos aí que Ler Eduardo Lourenço o encontrou.




Mais difícil de encontrar é o registo das conversas que se seguiram às intervenções dos participantes, embora alguns diálogos estejam transcritos nas actas. Um dos participantes no colóquio foi o sociólogo e professor do ISCTE José Carlos Ferreira de Almeida (1934-2009). Esta informação colheu-a Ler Eduardo Lourenço no blog de José Pacheco Pereira ephemera (http://ephemerajpp.wordpress.com/) onde o historiador dá conta de algumas das muitas preciosidades do seu monumental arquivo pessoal. Ora, um das aquisições mais recentes de Pacheco Pereira foi precisamente o espólio de Ferreira Almeida, que, para além de uma importante colecção de periódicos, tem também por exemplo notas pessoais acerca de congressos e colóquios em que esteve presente. O documento que apresentamos a seguir (com a devida vénia a ephemera) é precisamente a reprodução de um desses apontamentos em que Ferreira de Almeida se refere, pelo menos por duas vezes, à participação de Eduardo Lourenço no colóquio da Intervenção Socialista. No cimo da página, Ferreira de Almeida regista que, quando entrou na sala, o ensaísta já estava a falar. Mais abaixo, na sequência de um diálogo que, segundo parece, Eduardo Lourenço terá mantido com o seu amigo Urbano Tavares Rodrigues, é possível concluir que o assunto foram os mitos portugueses e se em Portugal houve, ou não, Lumières. A resposta de Urbano foi, a julgar pelo que se pode ver na nota de Ferreira de Almeida, algo ondulante.