sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Chroniques de la Rive Gauche nº 3- À quoi sert un colloque?


Eduardo Lourenço, ladeado por João Pedro Garcia e Maria Graciete Besse,
na sessão de encerramento do Colloque La passion du Humain
(foto Ler Eduardo Lourenço)

Falando por vezes de si como sendo um autor mais conhecido do que propriamente lido, Eduardo Lourenço começa, desde há algum tempo, a não poder queixar-se de falta de atenção de um grupo de estudiosos da sua obra. Dissertações de Mestrado e de Doutoramento, antologias de textos críticos, artigos e recensões críticas, entrevistas e colóquios sucedem-se a um ritmo, por vezes descontínuo, mas quase sempre acelerado. Depois de em Outubro de 2008, na sede de Lisboa da Fundação Calouste Gulbenkian, se ter realizado o Congresso Internacional Eduardo Lourenço, que reuniu um número vastíssimo de investigadores e escritores (cf. Colóquio-Letras, nº 170, Janeiro de 2009), o Colloque Eduardo Lourenço – La passion du humain, efectuado na passada semana, nas novas instalações da Fundação em Paris não deixa também de suscitar algumas reflexões acerca dos colóquios e daquilo para que servem. Não se trata aqui de comparar os dois encontros, muito menos de menosprezar a sua importância. Tudo o que seja ocasião para divulgar um pensamento e uma obra de um ensaísta com a relevância de Eduardo Lourenço merece, sem dúvida, aprovação e aplauso. E, de facto, mesmo se nos dois eventos Eduardo Lourenço não deixou de expressar a sua surpresa e quase incomodidade por assistir a um colóquio de que ele mesmo era o objecto de estudo (expressão bastante infeliz que alguém deixou escapar durante um dos debates em Paris), importa registar a generosidade quase estóica com que o ensaísta suporta estas longas jornadas, aceitando expor-se e discutir-se como se fosse um outro.


Eduardo Lourenço em Paris: soi-même comme un autre
(foto Ler Eduardo Lourenço)


Para que serve, então, um colóquio como este? Desde logo, para os participantes apresentarem as suas leituras da obra em questão. Ora, no caso de Eduardo Lourenço, a extensão e a complexidade dos seus textos são de tal ordem que é tarefa suficientemente dura dar conta daquilo que um dos seus leitores pode considerar essencial dizer. Ler bem (seja lá o que isso possa em rigor significar…) Eduardo Lourenço é missão quase impossível. E o quase é imprescindível porque, nestes colóquios, há quem, por diversos e até contraditórios caminhos, leia bem. Mas será isso suficiente? Talvez não. Os momentos verdadeiramente raros destes encontros são aqueles em que os participantes arriscam, muitas vezes por singular intuição, noutras ocasiões após uma longa maturação reflexiva, caminhos inéditos.

Ler Eduardo Lourenço considera que no número 39 da Boulevard de La Tour-Maubourg houve boas sínteses e excelentes novidades. Assim, assistiu-se à apresentação de leituras sólidas de textos de Eduardo Lourenço e de discussões vivas em torno da especificidade de um ensaísmo que não evita os mitos. Para os desconstruir? Para sublinhar a sua inevitabilidade? Fica a questão. É curioso como várias intervenções, numa coincidência surpreendente e por isso sintomática, sublinharam a importância de se retornar aos escritos de Eduardo Lourenço sobre a experiência colonial portuguesa. Maria Manuel Baptista, por exemplo, efectuou uma leitura quase exaustiva dessas teses dos anos sessenta e setenta, ou seja, da época do declínio de um Império talvez mais mítico do que real. Mas vários outros participantes centraram a sua a atenção nesse período, o que levou a Eduardo Lourenço a confessar, com uma divertida perplexidade, na intervenção final do Colloque, que se sentia o autor de um livro só, O Labirinto da Saudade, situação tanto mais desconcertante quanto, para ele, esse será o mais contingente dos títulos que publicou. Em suma, ficou a certeza de que para pensar o colonialismo, a descolonização e até o projecto da lusofonia é inevitável revisitar os textos sobre o tema de Eduardo Lourenço. É provável que já se soubesse isso, mas é sempre importante perceber porquê.

Quanto a novidades propriamente ditas, Ler Eduardo Lourenço regista pelo menos três. Em primeiro lugar, a intervenção desassombrada do antigo Comissário Europeu António Vitorino que, na sua assumida condição de não especialista (mas o pensamento de Eduardo Lourenço não é precisamente um daqueles casos em que é absurdo falar-se em especialistas?), desafiou o ensaísta a desvendar a saída da Europa para o impasse em que esta se encontra, insinuando que o autor de A Europa Desencantada conheceria a chave do problema. Mera provocação? Aguarde-se pelos próximos textos que Eduardo Lourenço irá com certeza dedicar à questão e talvez se possa saber a resposta.

Depois Vasco Graça Moura, numa comunicação ao mesmo tempo densa e luminosa, acercou-se como poucos o fizeram ainda do tema Eduardo Lourenço leitor de poesia. Não por acaso o ensaísta sublinhou, ao encerrar o colóquio, o rigor e a originalidade de uma leitura que verdadeiramente o parece ter comovido. A publicação das actas do Colloque irá confirmar com certeza a justeza desta impressão.


Roberto Vecchi, em Paris, desfolhando o primeiro volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço
(foto Ler Eduardo Lourenço)

Por fim, the last but not the least, Roberto Vecchi revelou, uma vez mais (pois a sua intervenção no Congresso de Lisboa e em especial a sua magnífica obra Excepção Atlântica. Pensar a Literatura da Guerra Colonial, que talvez não tinha tido ainda o eco que realmente merece, já apontava nessa direcção), aquilo que talvez sejam as vantagens hermenêuticas de se considerar Eduardo Lourenço, antes de mais, como um filósofo europeu do nosso tempo. Explicando melhor, Vecchi lê Eduardo Lourenço como se este fosse um autor que interessa pôr em diálogo com o pensamento de Agamben, Benjamin, Derrida, Foucault, Nancy, tarefa que, comportando alguns riscos (e aí reside um dos seus maiores méritos, afinal), pode ser de uma proficuidade imensa. É possível que para muitas pessoas em Portugal, demasiado habituadas como estão a considerar Eduardo Lourenço como a figura tutelar da cultura portuguesa, talvez não seja tão fácil realizar essa operação intertextual. Daí que haja muito a aprender com esta abordagem de Roberto Vecchi. Ler Eduardo Lourenço arrisca mesmo dizer que talvez passe por aí também o futuro das leituras deste tão singular ensaísmo que não cessa de fascinar. Só estas três novidades bastariam para achar que o colóquio de Paris valeu bem a pena, mas esta ainda não é a última chronique de la Rive Gauche.