quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Ler Vergílio em Évora

Universidade de Évora






2016 é ano de centenário do nascimento de Vergílio Ferreira. Para além de um vasto programa de comemorações dinamizado pela Câmara Municipal de Gouveia que, de resto, inclui uma magnífico site (http://vergilioferreira.pt/), os Departamentos de Linguística e Literaturas e de Filosofia da Universidade de Évora organizam, de 29 de Fevereiro a 2 de Março, “Vergílio Ferreira: entre o silêncio e a palavra total- Congresso Internacional Comemorativo do Centenário”. A ideia surgiu no passado mês de Março, associando o Centenário do Autor de Aparição aos vinte anos de existência ininterrupta do Prémio Vergílio Ferreira, instituído pela Universidade de Évora. 
Eduardo Lourenço, mal soube da iniciativa, revelou um enorme entusiasmo em participar, o que sucederá duplamente. Por um lado, aceitou o convite da Reitora da Universidade de Évora e da Comissão Organizadora do Congresso para presidir à Comissão Científica do evento. Por outro, integrará uma das sessões plenárias do Congresso, na qual, juntamente com Almeida Faria, Lídia Jorge e o cartoonista Vasco, evocará a figura de Vergílio. 
O congresso conta ainda com a participação dos seguintes conferencistas convidados: Ángel Marcos de Dios,Bruno Béu de Carvalho, Carlos Reis, Eunice Cabral, Fernanda Irene Fonseca, Hélder Godinho,Isabel Cristina Rodrigues, Isabel Soler, José Luis Gavilanes Laso, Luci Ruas, Luís Mourão, Maria Lúcia Dal Farra e Rosa Maria Goulart. O programa do Congresso prevê ainda várias sessões de comunicações livres. 
Para mais informações é possível consultar o site seguinte: http://www.vergilio2016.uevora.pt

Vergílio Ferreira

Como é sabido, Eduardo Lourenço escreveu muito sobre o seu Amigo Vergílio Ferreira. No entanto, também o inverso se verifica*. Para incentivar investigações sobre as relações entre os dois escritores (ambos ensaístas, de resto), Ler Eduardo Lourenço apresenta agora uma lista bibliográfica que, sem ser exaustiva, mostra como é significativo o que  Vergílio escreveu sobre o autor de Heterodoxias:

  1. “Eduardo Lourenço Heterodoxo (I), Suplemento Cultura e Arte de O Comércio do Porto, Porto, 11/VII/1967, p. 14. Texto reimpresso com algumas alterações em Espaço do Invisível III, Col. “Biblioteca Arcádia – Obras de Vergílio Ferreira”, Lisboa, Arcádia, 1977, pp. 123-133. 
  2. “Eduardo Lourenço Heterodoxo (II), Suplemento Cultura e Arte de O Comércio do Porto, Porto, 25/VII/1967, p. 12. Texto reimpresso com algumas alterações em Espaço do Invisível III, o.c., pp. 133-142. 
  3. Conta Corrente (1968-1976), Vol. I, Venda Nova, Bertrand, 1980, pp. 12, 26, 38, 51-52, 61, 70, 79, 112, 120, 122, 145, 180, 198-200, 211-22, 221, 231, 244, 250, 261-262, 284-285, 290-291, 295-296, 316-317, 319-320, 334-335, 352, 371, 373. 
  4. Conta Corrente (1977-1979), Vol. II, Venda Nova, Bertrand, 1981, pp. 35, 38, 77, 132, 134, 141, 153-154, 190, 206, 215-216, 255, 272-273, 280-281, 290-292, 323. 
  5. Conta Corrente (1980-1981), Vol. III, Venda Nova, Bertrand, 1983, pp. 15, 51-53, 84, 119-121, 125-126, 157, 224, 233, 256, 259, 273-276, 287-290, 352-354, 360-361, 373, 432. 
  6. “Ser e estar”, Prelo-Revista da Imprensa Nacional/Casa da Moeda, nº especial, Lisboa, Maio de 1984, pp. 19-22. Texto reimpresso em Espaço do Invisível IV , Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, pp. 297-301 e em AAVV (Org. de Maria Manuel BAPTISTA), Cartografia Imaginária. Dos Poetas e Amigos, Maia, Ver o Verso, 2008, pp. 175-180 [Fontanelas, 19 de Agosto de 1983]. 
  7. Conta Corrente (1982-1983), Vol. IV, Venda Nova, Bertrand, 1986, pp. 18-19, 245-246, 276-279,282-284, 289, 314-315, 334-335, 341, 414-415, 471. 
  8. “Luminoso leve”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 231, Lisboa, 6/XII/1986, p. 8. 
  9. Conta Corrente (1984-1985), Vol. V, Venda Nova, Bertrand, 1987, pp. 9, 13, 36, 68-69, 76-77, 90-91, 99-100, 109, 112, 147, 155-156, 237, 366-367, 408, 456, 502, 508-509, 557-558, 581.
  10. Conta Corrente. Nova Série (1989), Vol. I, Venda Nova, Bertrand, 1993, pp. 11, 20-22, 105-106, 124-125, 185-186, 200-203, 250-251, 260-261, 273-275. 
  11. Conta Corrente. Nova Série (1990), Vol. II, Venda Nova, Bertrand, 1993, pp. 55-56, 77-82, 117-118, 175, 203-205, 241-242, 258-261. Conta Corrente. Nova Série (1991), Vol. III, Venda Nova, Bertrand, 1994 pp. 58-61, 65-66, 72-75, 140-145, 209-215, 220-228, 244-248. 
  12. Conta Corrente. Nova Série (1992), Vol. IV, Venda Nova, Bertrand, 1994, pp. 21, 84, 100-101, 108-112, 135-135, 239, 244-245, 251, 253-256, 266-267.
* Sobre as relações entre os dois autores, convém referir o estudo de Celeste Natário; “O existencialismo: diálogo entre Eduardo Lourenço e Vergílio Ferreira”, Colóquio-Letras, nº 170, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Janeiro de 2009, pp. 7-11.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Sob um céu de uma transparência perfeita, a metáfora apocalíptica ganhou um sentido literal?

O céu de Belo Horizonte (imagem recolhida em rumositaucultural.files.wordpress.com)
O Canto do Signo (1995) é, na vasta produção bibliográfica de Eduardo Lourenço, um caso singular a vários títulos. Publicado num período paradoxal da carreira do ensaísta em que, por um lado, obteve um forte reconhecimento internacional através da atribuição do Prémio Europeu de Ensaio Charles Veillon, mas, por outro, não tinha contrato com nenhuma casa editorial, o livro aparece nas livrarias com a chancela da Editorial Presença e, caso surpreendente, é possível ainda encontrá-lo a venda em bastantes sítios, pois a tiragem inicial nunca se esgotou e, por isso, o volume jamais conheceu reimpressão. Trata-se de um período em que as obras de Eduardo Lourenço são publicadas de modo algo disperso, quase aleatório: é também esse o caso de A Europa Desencantada (Visão, 1994), vários anos mais tarde reeditado pela Gradiva.
Ainda assim, o acolhimento de O Canto do Signo por parte da crítica foi bastante positivo, tendo o livro recebido o Prémio D.Dinis de Ensaio. Muito recentemente, um dos mais destacados jovens críticos literários portugueses afirmou mesmo que O Canto do Signo é o mais importante livro de crítica literária da segunda metade do século passado. A tese (como todas, aliás) é discutível, porquanto, embora as aparências possam sugerir o contrário, o livro talvez seja, antes de mais, a proposta (bem sucedida? isso é outra questão...) de um discurso que visa chegar a um território novo, sem os constrangimentos da crítica - pelo menos, tal como foi classicamente entendida. Será que um texto de anti-crítica literária é ainda crítica literária, sobretudo num tempo em que, como se pode ler em O Canto do Signo, há uma «crise geral da consciência judicativa contemporânea» (p. 15)?
A que vem esta revisitação de um livro publicado há precisamente vinte anos? Apesar de nunca faltarem motivos para falar de um livro tão rico e interessante como este, a verdade é que Ler Eduardo Lourenço, em conimbricense deambulação estival por um alfarrabista, tropeçou num curioso volume que responde por este nome: VII Encontro Nacional Professores Universitários Brasileiros de Literatura Portuguesa - Anais (Belo Horizonte, Centro de Estudos Portugueses da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minais Gerais, 1979). O título não mente. São mesmo as actas de um congresso no qual participaram, entre muitos outros, Lélia Parreira Duarte (coordenadora do evento), Adélia Prado, Arnaldo Saraiva, Leodegário A. de Amarante Filho, Eduardo Prado Coelho, Jorge Fernandes da Silveira, Nádia Gotlid e ... Eduardo Lourenço que proferiu a conferência de abertura que no índice aparece como “A Cultura Portuguesa Atual e o Estudo da Literatura Portuguesa”. No entanto, o sub-título que encima a página 24 destes Anais esclarece as dúvidas: “Con-texto cultural e novo texto português”. Ora, um dos capítulos de O Canto do Signo tem precisamente o nome de “Contexto Cultural e novo Texto Português” e termina com a seguinte e preciosa indicação: S. Pedro do Rio Seco, 24 de Julho de 1979. Não há motivo para espanto porque em 19 de Agosto desse mesmo ano, pelas 10 horas da manhã, Eduardo Lourenço leu o texto que escrevera cerca de três semanas antes na sua terra natal, onde provavelmente terá ido passar alguns dias de férias. É realmente um belo ensaio, no qual comparecem personagens cuja afinidade à primeira vista pareceria no mínimo abusiva. No entanto, com a elegância habitual, o ensaísta consegue relacionar Leibniz e Hegel com Llansol ou com o surpreendente Dinis Machado que, à época, acabara de publicar o (sobretudo na época) famoso O que diz Molero.
Leibniz...
... e Dinis Machado
As versões do texto não são, contudo, absolutamente coincidentes, porque, logo depois da epígrafe (as epígrafes escolhidas por Eduardo Lourenço estão muito longe de ser, como se sabe, uma dimensão secundária da sua escrita...) extraída de O Livro das Comunidades de Maria Gabriela Llansol, nos Anais aparece uma frase algo enigmática – que, de resto, já não consta da versão em O Canto do Signo – que surpreende o leitor: «Sim, senhor, as pessoas pedem para eu ser mais claro. Como? O que espero é ver a verdade apocalíptica ganhar um sentido literal» (p. 24). A Ata da Sessão, que aparece logo a seguir ao texto da conferência nos Anais, não resolve o enigma* (embora lance a pista de que a metáfora apocalíptica de que se fala tenha a ver com a obra de Herberto Helder**), mas quer as perguntas dirigidas a Eduardo Lourenço, quer as respostas do ensaísta, justificam uma leitura atenta das páginas 27 a 30. De resto, todo o volume dos Anais é bem interessante dando expressão à ideia de que a quantidade e a qualidade de investigações sobre literatura portuguesa realizadas por académicos brasileiros é já uma tradição bem enraizada.
O VII Encontro, que contou com a presença de 180 de professores de Literatura Portuguesa, terminou com uma sessão na qual participou, em representação da embaixada lusitana, Eduardo Lourenço que resumiu o sentimento dos seus colegas e compatriotas: «Para todos nós, além de uma honra foi um grande prazer avivar laços intelectuais e efectivos que sabemos existirem um pouco abstractamente entre os nossos dois povos e as nossas culturas. Durante três rápidos dias, sob um céu de uma transparência quase perfeita, acompanhados pela solicitude dos nossos anfitriões e em particular pelo sorriso discreto da Professora Lélia Duarte, todos nós pudemos reforçar não só esses laços, como comungar naquilo que nos é comum, a compreensão, vivência e admiração por obras e textos onde se exprime o que de melhor existe no espírito do povo a que pertencemos» (p. 258).

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*Já depois de publicado este post, uma grande amiga e pacientíssima visitante de Ler Eduardo Lourenço chamou a atenção, com a sua costumada perspicácia e sensibilidade, para o facto da enigmática frase ser, em rigor, uma citação (que seria, muito provavelmente, a segunda epígrafe do ensaio de Eduardo Lourenço, pelo menos na versão que terá sido lida em Belo Horizonte) de Photomaton & Vox de Herberto Helder (Assírio & Alvim, 1979). Na segunda edição do livro (Assírio & Alvim, 1987), a referida frase aparece na p. 27. Aqui fica, pois, o devido agradecimento pela ajuda na resolução do enigma. Ou, pelo menos, de parte dele. É que fica ainda por explicar o desaparecimento da epígrafe herbertiana na versão do texto em O Canto do Signo, tanto mais que a breve referência à obra do poeta de Ofício Cantante em “Contexto Cultural e novo Texto Português” é meramente circunstancial.

** Nessa Ata da Sessão, que não vem assinada mas que se depreende ter sido redigida por Irene Lima Marques e Ana Maria de Almeida, na qualidade de secretárias da Sessão, aparece um resumo das respostas de Eduardo Lourenço, do qual se pode destacar o seguinte excerto: «Em Herberto Helder encontra-se a referência à metáfora apocalíptica: o autor espera que esta metáfora, substitutiva da transparência exigida do texto literário, alcance “um sentido literal” (p. 28).»

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Ilha Portugal


Anabela Saint-Maurice e Eduardo Lourenço em uma das cenas de Ilha Portugal

Ficou recentemente disponível em RTP Play um documentário sobre e com Eduardo Lourenço produzido já há alguns anos, mas com algumas imagens (para Ler Eduardo Lourenço, pelo menos) desconhecidas. Vale bem a pena (re)ver...  esta Ilha Portugal por Anabela Saint-Maurice. Para tal basta clicar no endereço seguinte: ILHA PORTUGAL

Contudo, e dado que nem sempre o acesso ao documentário é fácil,  Ler Eduardo Lourenço informa que o filme se encontra também disponível num site que o Centro Nacional de Cultura dedica, desde há semanas, ao ensaísta, e do qual se deixa aqui também o respectivo link:
 http://www.eduardolourenco.com/videos/Ilha-Portugal.mp4

Ilha Portugal foi exibido pela primeira vez na RTP 2 a 10 de Junho de 2005. Nesse mesmo dia, o Diário de Notícias fazia uma apresentação do filme cuja ligação a seguir se indica:
http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=602268&page=-1






quarta-feira, 15 de julho de 2015

Habitante da aventura poética



Eduardo Lourenço relendo, com alguma surpresa, uma primeira edição do livro Tempo e Poesia. Na contracapa desta edição de 1974 aparece uma imagem do Autor que, segundo ele mesmo, faz lembrar... Arthur Miller! (foto  de Teresa Filipe)
Decorreu, anteontem, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a última reunião preparativa da edição do III Volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço que terá como título simplesmente Tempo e Poesia. Organizado em torno do livro homónimo publicado em 1974 na editora portuense Inova, cujo texto aparece agora definitivamente fixado, expurgadas que foram gralhas e imprecisões constantes das suas impressões precedentes, este tomo (sem dúvida mais extenso do que os dois anteriores, respectivamente Heterodoxias e Sentido e Forma da Poesia Neo-realista e Outros Ensaios) apresenta novos e indiscutíveis motivos de interesse, pois para além de reunir um vastíssimo número de textos dispersos dedicados à poesia (como se sabe, temática decisiva no percurso ensaístico de Eduardo Lourenço) e a quase todos os nomes mais relevantes da poesia portuguesa do século XX, integra um conjunto considerável de textos inéditos, agora revistos e nalguns casos concluídos exclusivamente para esta edição pelo Autor. A título meramente de exemplo, neste novíssimo e aumentado Tempo e Poesia, o leitor encontrará ensaios nunca antes publicados sobre a poesia de Eugénio de Castro, Adolfo Casaes Monteiro, Raul de Carvalho, Maria Teresa Horta ou Salette Tavares. Para além disso, aqui aparecem também reunidos, numa espécie de jogo de luz e sombra que permite novas e revigorantes leituras, todos os estudos que o ensaísta dedicou à poesia de nomes tão incontornáveis como Teixeira de Pascoaes, José Régio, Miguel Torga, Jorge de Sena, Sophia de Mello Breyner ou António Ramos Rosa, entre tantos outros.
Dado que, como se sabe, no livro Tempo e Poesia apareceu pela primeira vez, na sua versão completa e definitiva, o ensaio "Presença ou a Contra-Revolução do Modernismo Português?", entendeu o Autor que seria pertinente integrar neste volume das Obras Completas todos os estudos que publicou acerca do modernismo português, designadamente aqueles onde medita sobre as relações entre Orpheu e a Presença. Esta secção do novo Tempo e Poesia permite revisitar, no ano em que se comemora o primeiro centenário da emblemática revista do chamado primeiro modernismo português, aquela que foi seguramente uma das interpretações mais marcantes que se fizeram no último século deste acontecimento maior da cultura portuguesa.
Tratando dos últimos pormenores da edição do III Volume das Obras Completas: da direita para a esquerda,  Eduardo Lourenço, Carlos Mendes de Sousa e João Tiago Lima (foto de Teresa Filipe)
O terceiro volume das Obras Completas foi coordenado por Carlos Mendes de Sousa, investigador e professor da Universidade do Minho e um dos maiores especialistas da poesia portuguesa contemporânea, que assina também uma extraordinária introdução, intitulada "Eduardo Lourenço, habitante da aventura poética", peça doravante insubstituível nos estudos sobre o ensaísta de Tempo e Poesia. Entre muitas outras informações grandemente relevantes, Ler Eduardo Lourenço destaca as revelações que Carlos Mendes de Sousa faz, a partir da correspondência ainda inédita entre Eduardo Lourenço e Eugénio de Andrade, e que mostram com o livro publicado em 1974 nunca teria sido impresso sem a amigável e quase obstinada insistência do poeta de As Mãos e os Frutos
Esta muito produtiva reunião não encerrou sem a primeira planificação do quarto volume das Obras Completas, mas sobre essa e outras informações respeitantes ao novo Tempo e Poesia, que chegará às livrarias no próximo Outono, falará Ler Eduardo Lourenço depois do período estival. Até lá, aqui se deixam os desejos de umas óptimas e refrescantes férias! 


segunda-feira, 15 de junho de 2015

Entrevistas

O que significará hoje uma nova entrevista com Eduardo Lourenço no contexto da sua obra tão vasta? Obra essa que, aliás, integra já inúmeras entrevistas que, pelo menos desde 1969 – ano em que Serafim Ferreira publica “A actual literatura portuguesa possui uma excepcional vitalidade”, no Suplemento Literário de Jornal de Notícias (24/XII/1969, pp. 17-18) – o ensaísta tem vindo a conceder para livros, jornais, revistas ou mesmo para programas de rádio e de televisão. Nesta tão extensa dimensão da obra de Eduardo Lourenço, é possível encontrar, como é evidente, textos de natureza muito diversa. Há tentativas que alguns leitores considerarão notoriamente falhadas e outras há que podem (se calhar, devem) ser consideradas peças imprescindíveis para a compreensão da obra do autor de Heterodoxias. A este último grupo pertencem, sem dúvida, entrevistas como, por exemplo e sem qualquer preocupação de exaustividade: “As confissões de um místico sem fé”, por Diogo Pires Aurélio (Prelo–Revista da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, nº especial, Maio de 1984, pp. 7-16), “Tudo me é pretexto para falar de mim”, por Inês Pedrosa (Jornal de Letras, Artes e Ideias, 6/XII/1986, pp. 2-6), “Um heterodoxo confessa-se”, por Vicente Jorge Silva e Francisco Belard (Revista de Expresso, 16/I/1988, pp. 24-31) ou Cultura e política na época marcelista, entrevista de Mário Mesquita (Lisboa, Edições Cosmos, 1996 [1972]). A profundidade e a riqueza destas conversas publicadas, bem como o facto de serem textos constantemente citados, fazem destas entrevistas elementos decisivos do pensamento de Eduardo Lourenço. Mas o mesmo seria possível dizer acerca de outras entrevistas, como as realizadas por Clara Ferreira Alves, Osvaldo Manuel Silvestre, António Guerreiro, Adelino Gomes, Luís Osório, Luís Trindade, José Carlos de Vasconcelos, Carlos Câmara Leme, Luís Miguel Queirós, José Mário Silva, Rui Moreira Leite, Luís Machado, Anabela Mota Ribeiro, Teresa de Sousa, Carlos Vaz Marques, Maria João Seixas ou Valdemar Cruz. Em suma, entrevistas! Eis certamente o que não falta para quem quiser ler um Eduardo Lourenço conversado.
Ora, nos últimos dias, Ler Eduardo Lourenço tomou conhecimento de três novas e extensas entrevistas, todas elas resultando de conversas demoradas com o ensaísta. Assim, na passada quarta-feira, a RTP transmitiu uma Grande Entrevista, programa da responsabilidade do jornalista Vitor Gonçalves. Durante cerca de uma hora, Eduardo Lourenço conversou sobre os mais diversos assuntos, tendo o entrevistador insistido sobretudo em aspectos biográficos do ensaísta, estratégia que se pode discutir, mas que acaba por ser compreensível porque importa reconhecer que nem sempre o discurso do entrevistado se revela tão luminoso no meio televisivo como no território da escrita. E, de facto, acaba por ser uma hora de televisão muito bem passada, como se pode comprovar neste endereço: http://www.rtp.pt/play/p1718/grande-entrevista.
Sessão de lançamento da revista Suroeste, na passada quinta-feira na Fundação José Saramago em Lisboa. Na primeira fila, reconhece-se, de costas, Eduardo Lourenço (foto página facebook da Fundação José Saramago)
foto Ler Eduardo Lourenço






































As duas outras entrevistas foram impressas. A primeira no número cinco (lançado há dias em Lisboa, na Fundação José Saramago) de uma curiosa aventura que é Suroeste, revista de Badajoz dedicada às literaturas ibéricas. Trata-se de “Soy una persona que llega al final de la vida e no sabe más que lo que sabia cuando era muchacho”, texto assinado por Luis Sáez Delgado (Suroeste, nº 5, 2015, pp. 188-196) que consegue a improvável façanha de acrescentar bastantes coisas a todas as entrevistas anteriores de Eduardo Lourenço. Mérito do entrevistado? Sem dúvida, pois conversar com o ensaísta é sempre uma experiência refrescante, tal a vivacidade e a curiosidade infatigáveis que, quase sempre, Eduardo Lourenço, apesar dos seus noventa e dois anos, continua a exibir. E naquele dia de agosto do ano passado em Lisboa, o autor de Pessoa Revisitado estava sem dúvida em plena forma. Mas mérito também inegavelmente do entrevistador que, para além de revelar uma rara capacidade de escuta – talvez o segredo da entrevista resida mais em ouvir o que o entrevistado diz do que em arrancar-lhe as respostas que se pretende que ele dê –, denuncia um vasto e profundo conhecimento do pensamento e da figura de Eduardo Lourenço. “Soy una persona que llega…” não é apenas uma introdução de Eduardo Lourenço ao leitor ibérico – e só isso já não seria, obviamente, pouco… – mas é, desde já, um elemento insubstituível na fascinante deriva sem fim que é a obra do ensaísta português.
Não menos significativa é a recentíssima obra de Ana Nascimento Piedade Em Diálogo com Eduardo Lourenço (Gradiva, 2015) e cujo lançamento lisboeta se realiza esta tarde no Centro Nacional de Cultura. Trata-se de um livro de duzentas e sessenta e nove páginas que transcreve um diálogo realizado entre ambos em Vence entre dois e seis de Abril de 2007 e que, só agora, Ana Nascimento Piedade pôde passar a livro. Ora, é neste passar a livro que talvez surjam algumas das maiores dificuldades do projecto. Claro que a autora admite que «foi necessário eliminar e/ou adaptar uma soma considerável de traços de oralidade» (p. 9) e também acrescenta «que as provas de todo o texto que compõe o livro foram integralmente revistas pelo Professor Eduardo Lourenço» (ibid.). Mas a verdade é que o leitor do livro sente algum incómodo com «as inúmeras marcas de oralidade do texto» (ibid.) e a (nem sempre muito atenta) revisão do texto não garante amiúde que o pensamento de Eduardo Lourenço seja expresso com a clareza necessária, dificultando assim uma das possíveis tarefas do volume: apresentar a obra de Eduardo Lourenço a quem nunca tenha lido uma linha do ensaísta. Por outro lado, quem já conhece parte significativa dos livros de Eduardo Lourenço sente algum desapontamento com este Em Diálogo com… À parte as deliciosas páginas consagradas a Dom Quixote (pp. 145-150), um belo poema inédito inspirado numa cantata de Bach (pp. 232-233) e a não totalmente desconhecida estória sobre o pai de Júlio Diniz (contada pelo… pai de Eduardo Lourenço!) (153-155), poucas novidades importantes aí se podem encontrar acerca do autor de Fernando Rei da Nossa Baviera. O que, naturalmente, é uma pena.
E, no entanto, há certas frases de Eduardo Lourenço que, só por si, parecem justificar todos os livros. Por exemplo, esta: «A poesia é fundamentalmente jogo. É um jogo superior, mas é jogo, enquanto a intenção de um discurso historiográfico, de um discurso de uma crónica, da ficção, no sentido tradicional do termo, é contar qualquer coisa em que é essencial perceber o que está antes, o que está depois e o que vem a seguir. Portanto, a poesia liberta-se ou pode libertar-se dessa espécie de código no nosso relacionamento realmente com o tempo. É por isso que eu lhe dou tanta importância» (p. 131).

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Frederico Lourenço*

Frederico Lourenço (imagem da sua página pessoal no facebook)
Uma situação recorrente ainda hoje é as pessoas pensarem que sou filho de Eduardo Lourenço. Não sou. Também não é meu tio. O “Lourenço” do Eduardo Lourenço é um nome da Guarda. O “Lourenço” do meu pai é um nome de Sintra. Trata-se de uma família (a nossa) como havia muitas no século XIX: gerações e gerações de criados da família Bragança. D. Fernando II menciona no seu testamento Tomás Lourenço, o meu trisavô, que era seu criado fiel e que tratou dele ate ao fim (D. Fernando morreu da mesma doença de que morreu o meu pai: cancro do maxilar). Um dos filhos de Tomás, o meu bisavô Artur, veio a ser um dos empregados favoritos do rei D. Carlos, que lhe deu o cargo de almoxarife do Palácio de Pena. Foi na Pena que nasceu o meu avô Manuel António Lourenço, a 26 de Novembro de 1906. Por isso foi sempre conhecido em Sintra, ate à sua morte em 1975, como “o Manuel da Pena”. O presente de baptizado que o rei D. Carlos deu ao filho do seu criado (uns bonitos botões de punho) ainda está na posse dos descendentes de Manuel António Lourenço. Usei esses botões de punho no dia do meu doutoramento. O meu pai, filho único do Manuel da Pena, tinha o mesmo nome do pai dele: Manuel António. Como o pai da minha mãe era também Manuel António, teria sido previsível que fosse esse o meu nome de baptismo. No entanto, a minha mãe – que detestava o nome Manuel assim como o seu próprio nome Manuela – não estava disposta a ter pai, marido, sogro e filho com esse nome odiado. Portanto fui baptizado Frederico Maria Cristiano. O meu pai queria à força Frederico Cristiano, com o argumento que isso me dava o ar de ser filho de Bach. A minha mãe queria o nome da Virgem Maria. Acabei por ser baptizado com os três nomes. Voltando ao Dr. Eduardo Lourenço, pessoa que tanto prezo admiro. A confusão dos “dois Lourenços” já vem desde os anos 60, pois a minha mãe contava-me a situação repetida de lhe dizerem quanto gostavam dos escritos geniais “do seu cunhado; e o seu marido também escreve bem.” Este “cunhado” genial era o Eduardo; o marido que também não escrevia mal era o meu pai. Na verdade, é impossível comparar os escritos de um de outro: o Manuel, filósofo, escreveu a sua melhor obra no campo da poesia, âmbito do qual o Eduardo, também filósofo, se manteve arredado. No campo do ensaio, em que ambos se distinguiram (o Eduardo certamente mais do que o Manuel), os dois “irmãos” são o ovo e o espeto. Sempre ouvi falar do Eduardo Lourenço toda a minha vida (e li-o bastante em certa fase), mas já tinha 40 anos quando o conheci pela primeira vez. Nessa ocasião, brinquei um pouco com ele a propósito da situação de toda a gente me achar seu filho. Ele riu-se muito e teve a gentileza de me dizer “considero o seu pai um génio”. Na altura, o meu pai ainda era vivo e relatei-lhe esta lisonja tão simpática, a qual ele reagiu com um longo silêncio. Depois comentou: “ele diz isso porque é padre”. Frase que ocasionou, obviamente, indignação da minha parte e uma acesa esgrima dialéctica, em que eu tentava convencê-lo de que Eduardo Lourenço não era, nem nunca fora, padre. Já não sei quem ganhou este duelo (espero ter sido eu), de resto bem típico das nossas conversas a dois. Quantas vezes eu me perguntava se o meu pai se estava a fazer de parvo quando dizia coisas como “vi ontem uma japonesa a entrevistar um neerlandês", referindo-se a um programa televisivo na véspera em que a actriz Inês de Medeiros dialogava com o economista Vitor Constâncio. Claro que eu reagia a estas afirmações outrageous com a sanha justiceira de quem queria repor a verdade dos factos, o que – desconfio hoje – devia divertir imenso o meu pai, que dizia certamente aquelas coisas para me provocar. Eu mordia sempre o isco e, assim, o meu pai, ao fazer-se de parvo, conseguia fazer sempre de mim parvo a dobrar. Nunca aprendi. Para rematar. Há dias, cá em Coimbra, alguém me perguntou “você é filho do capitão de Abril, não é, do Vasco Lourenço?” A resposta saiu-me imediata e homericamente apetrechada de asas: “Não, sou filho do Eduardo Lourenço”.
* Frederico Lourenço é Professor Associado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Tradutor e romancista premiado, é também autor de livros de poesia e de ensaio. O texto que, com a devida vénia, hoje aqui se reproduz faz parte da sua última obra O Lugar Supraceleste-Crónicas (pp.20-22) que a editora Cotovia acaba de fazer chegar às livrarias.

domingo, 10 de maio de 2015

"Daria o Prémio Nobel a António Lobo Antunes!"


Amigo muito atento e não menos generoso de Ler Eduardo Lourenço chamou a atenção para o suplemento Babelia da edição de ontem do El País, sem dúvida o mais importante diário espanhol. Aí, na página dezanove, Javier Martin assina uma entrevista de página inteira com aquele a quem chama o «grande humanista português». Para além de muitos outros aspectos relevantes, que justificam a leitura integral da entrevista a el periódico global, Eduardo Lourenço responde a nove perguntas disparadas à queima-roupa numa secção intitulada cuestión de gustos e que, pelo seu manifesto  interesse, a seguir se apresenta em apressada tradução:

1) Em que livro gostaria de viver?
R: Guerra e Paz, um livro com história e uma história com livro.

2) Que intelectual, de qualquer época, convidaria para jantar consigo?
R: Kierkegaard.

3) Qual foi o melhor momento da sua vida?
R: O dia em que conheci a minha mulher.

4) Que profissão seria incapaz de aceitar?
R: Mineiro, por causa da minha agorafobia.

5) Que fez no último fim de semana?
R: Fui ao cinema ver Alemanha Ano Zero de Rosselini.

6) Qual foi o último livro que leu?
R: Alguém, romance inédito da embaixadora de Portugal em São Tomé.

7) Que filme não conseguiu ver até ao fim?
R: Creio que nenhum. Sou um viciado em imagens.

8) O que está hoje socialmente sobrevalorizado?
R: Os comentadores de futebol. Gosto de futebol, mas não suporto tudo aquilo que se diz depois de um jogo que terminou empatado a zero.

9) A quem daria o Prémio Nobel?
R: António Lobo Antunes.