quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Nous Sommes Tous Charlie*



A liberdade, sendo um direito, é antes de mais um acto. A liberdade do escritor, enquanto escritor, é pois antes de mais a de escrever: acto intransitivo, irredutível, que em nenhum caso pode ser rebaixado à natureza de simples meio ou instrumento, objecto de imposição ou coacção exterior, sob pena de deixar inexoravelmente de ser o que na sua essência é. Mas, sendo a escrita um acto, ela é-o tão só na medida em que se objectiva como traço impresso, quaisquer que sejam a matéria e a forma de expressão eleitas, actualizáveis com o tempo, supondo necessariamente o apelo a uma leitura: não existe liberdade de escrever sem liberdade de ler. Toda a história da luta dos escritores pela sua liberdade tem sido a luta pela liberdade dos leitores, emancipando-a das várias alienações a que vem sendo ancestralmente submetida: ideológicas, políticas, morais, sociais, económicas – numa palavra, das várias formas, institucionalizadas ou não, de poder.















*Texto escrito por Eduardo Lourenço e que também foi subscrito por José Augusto Seabra, Liberto Cruz, José-Augusto França, João Palma-Ferreira, Fernando Echevarria, Vergílio Ferreira, José Sasportes. Publicado em Suplemento Artes, Letras e Ciências de Expresso, Lisboa, 7/XII/1974, p. I.
A imagem é de autoria do ilustrador holandês Roben Oppenheimer e representa  o protesto contra os acontecimentos de ontem em Paris, ao qual Ler Eduardo Lourenço se pretende associar.